STJ 25 anos

Deciões do STJ contribuem para aperfeiçoamento da legislação

Autor

13 de abril de 2014, 15h29

Ao longo de seus 25 anos de atuação, além de exercer o papel de uniformizador da interpretação das leis federais, o Superior Tribunal de Justiça contribuiu efetivamente para o aperfeiçoamento legislativo. Muitas definições jurídicas criadas pelos órgãos do tribunal — ao solucionar questões concretas para as quais não havia uma orientação clara ou expressa no texto legal — acabaram incorporadas à legislação.

O ministro aposentado Nilson Naves lembra que a Constituição Federal de 1988 delegou à legislação ordinária ou complementar a regulamentação de várias matérias. Contudo, “essa legislação ainda hoje, em relação a vários aspectos, não foi editada”. E por essa razão, em muitas ocasiões, o Poder Judiciário é levado a estabelecer a regra por meio da jurisprudência.

Números exagerados
O STJ foi criado para absorver parte expressiva das competências do Supremo Tribunal Federal, mas naquela época os ministros não tinham noção da enorme carga de processos a que seriam submetidos.

Ao deixar a presidência da 3ª Turma, em fevereiro de 2014, o ministro Paulo de Tarso Sanseverino fez uma reflexão a respeito do número de julgados daquele colegiado no ano de 2013 — mais de 67 mil.

“Para um tribunal superior, esses números são exagerados. Até diria que são números assustadores, que fazem que o tribunal escape um pouco da sua missão constitucional e acabe se transformando num órgão de terceira instância, que não é a sua função”, opinou.

Ele explicou que isso acontece principalmente em função do grande número de agravos em recursos especiais, que correspondem a praticamente 70% da distribuição. “Acaba havendo a necessidade de renovarmos a admissibilidade no gabinete de cada um, e isso enseja esses números exorbitantes”, afirmou.

Para Naves, apesar da tão falada morosidade do Poder Judiciário — que, entre outros problemas, resulta da falta de juízes para atender a crescente demanda de uma população cada vez mais litigiosa —, ele tem conseguido dar à sociedade respostas mais rápidas do que o Poder Legislativo. Como exemplo, pode-se mencionar o reconhecimento da união estável homoafetiva.

Ativismo judicial
Nilson Naves considera que a incorporação legislativa de jurisprudências do STJ tanto se deve ao chamado ativismo judicial — ao qual ele mesmo se diz favorável — quanto decorre da atividade normal do tribunal, que nada tem a ver com ativismo.

O ativismo judicial revela uma interferência do Poder Judiciário na esfera de atuação dos outros poderes. Há quem defenda — como o professor André Ramos Tavares, em sua obra “Teoria da Justiça Constitucional” — que “uma separação absoluta dos poderes deve ser considerada inaceitável ou impraticável”.

Nova redação
“É ao interpretar a lei — e, portanto, ao aplicá-la — que nos deparamos com as suas qualidades e defeitos. É no momento da aplicação que conseguimos aferir se a lei é adequada ou não e, possivelmente, que modificações poderão ser feitas”, sustenta o professor de direito João Ferreira Braga.

O advogado André Guskow Cardoso, mestre em direito do estado, considera que, além da relevância da atuação do STJ na interpretação e uniformização da aplicação da legislação federal, há exemplos concretos de que a atividade do tribunal tem reflexos diretos no aperfeiçoamento das normas legais. “Trata-se de situações em que o Legislativo acolhe o entendimento consolidado na jurisprudência da corte, para o fim de alterar a legislação”, afirma.

No artigo “A Lei 12.120/09 e as alterações produzidas no regime da Lei de Improbidade Administrativa”, ele menciona que a nova redação dada ao caput do artigo 12 e ao inciso I do artigo 21 da Lei 8.429/92 consagra o entendimento que já vinha sendo aplicado a essa lei pelo STJ.

Não é novidade
Em relação ao artigo 12, foi acrescentada a previsão de aplicação isolada ou cumulativa das sanções previstas para cada ato de improbidade. Além disso, conforme a nova redação, as sanções devem ser aplicadas com base na gravidade do fato.

Segundo o advogado, a possibilidade de cumulação ou não das sanções não é novidade, porque já era admitida pela jurisprudência do STJ — que possui diversos precedentes nesse sentido anteriores à modificação legal.

Em setembro de 2006, a 1ª Turma julgou recurso especial do Ministério Público do Rio Grande do Sul contra ex-prefeito que autorizou o uso de imóveis públicos por particulares, sem permissão legal, enquanto exercia o cargo político.

Na ocasião, os ministros consideraram que as sanções do artigo 12 da Lei 8.429 não eram necessariamente cumulativas, embora isso não estivesse expresso na lei, “cabendo ao magistrado a sua dosimetria; aliás, como deixa entrever o parágrafo único do mesmo dispositivo” (Recurso Especial 631.301).

Além disso, o relator, ministro Luiz Fux (hoje no STF), defendeu que a dosimetria deve ser relacionada “à exemplaridade e à correlação da sanção, critérios que compõem a razoabilidade da punição, sempre prestigiada pela jurisprudência do STJ”.

Entendimento já adotado
O inciso I do artigo 21 da Lei 8.429 passou a vigorar com uma ressalva: “Salvo quanto à pena de ressarcimento”, a aplicação das sanções previstas na lei independe da efetiva ocorrência de dano ao patrimônio público. Esse já era o entendimento adotado pelo STJ.

“Não havendo prova de dano ao erário, afasta-se a sanção de ressarcimento prevista na primeira parte do inciso III do artigo 12 da Lei 8.429”, afirmou o ministro Castro Meira (hoje aposentado), relator do REsp 880.662, julgado em fevereiro de 2007.

No caso apreciado pela Segunda Turma, não ficou comprovado que o ex-prefeito do município de Carmo do Rio Claro (MG) causou dano ao erário por meio de despesas com viagens, embora não tivesse prestado contas de forma adequada. Por essa razão, os ministros afastaram a sanção de ressarcimento e mantiveram as demais penalidades compatíveis com os atos de improbidade tipificados no artigo 11 da Lei 8.429.

Em setembro de 2008, a 1ª Turma se manifestou no mesmo sentido. “À luz dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, impõe-se a mitigação do preceito que preconiza a prescindibilidade da ocorrência do dano efetivo ao erário para se infligir a sanção de ressarcimento” (REsp 917.437).

Processo licitatório
O entendimento do STJ no sentido de estabelecer limites ao formalismo no processo licitatório também foi consagrado pela legislação. Um dos principais julgamentos a respeito do tema ocorreu em 1998. A 1ª Seção solucionou litígio derivado do processo de privatização da telefonia celular ao analisar o Mandado de Segurança (MS) 5.631.

Na ocasião, os ministros consideraram que meros detalhes formais não poderiam inabilitar candidato em processo licitatório. Além disso, reconheceram a necessidade de que as exigências previstas na legislação e nos editais de licitação fossem interpretadas de forma a ampliar a concorrência.

Esse entendimento foi reafirmado no mesmo ano quando do julgamento do MS 5.779, e consolidado no âmbito do tribunal. “A interpretação das regras do edital de procedimento licitatório não deve ser restritiva. Desde que não possibilitem qualquer prejuízo à administração e aos interessados no certame, é de todo conveniente que compareça à disputa o maior número possível de interessados”, ensinou o ministro José Delgado (já aposentado).

Formalismos desnecessários
Embora a Lei de Licitações (Lei 8.666/93) não tenha sido modificada, normas posteriores que regulam processos licitatórios específicos passaram a prever dispositivos que evitam formalismos desnecessários e possibilitam meios para aproveitamento de documentação e propostas dos licitantes, como o Decreto 5.450/05, que regula o pregão eletrônico.

Conforme o artigo 26, parágrafo 3º, “no julgamento da habilitação e das propostas, o pregoeiro poderá sanar erros ou falhas que não alterem a substância das propostas, dos documentos e sua validade jurídica”.

André Guskow Cardoso lembra que a própria Lei do Processo Administrativo (Lei 9.784/99) prevê em seu artigo 2º, parágrafo único, inciso VI, que é vedada a imposição de obrigações, restrições e sanções em medida superior àquelas estritamente necessárias ao atendimento do interesse público.

Consumidor e família
No campo do direito privado, o tribunal da cidadania tem tido uma atuação muito marcante em vários aspectos. Para o ministro Sidnei Beneti, da Terceira Turma, se não fosse a firmeza das decisões do STJ, o direito do consumidor não teria sequer sido implantado.

Ele menciona que toda a questão da regulamentação de normas dos sistemas de cadastro de inadimplência foi controlada pelo tribunal, por meio da aplicação de penalidades às instituições bancárias e instituições financeiras que mantiveram indevidamente pessoas no cadastro de inadimplentes.

O ministro ressalta a influência da orientação jurisprudencial do STJ para a concessão de tratamentos de saúde e para o fornecimento de medicamentos.

Além disso, Beneti não deixa de destacar que o STJ tem decidido questões muito importantes em relação ao direito de família. “A união estável, nessa dimensão que tem no Brasil, eu não conheço em nenhum país. Em vários países, viver em união estável não dá direito a nada. Sobrou para a jurisprudência do STJ aceitar esse progresso no sentido de resolver o problema da população brasileira”, diz ele.

Exame de DNA
“Em ação investigatória, a recusa do suposto pai a submeter-se ao exame de DNA induz presunção juris tantum de paternidade”, é o que diz a Súmula 301 do STJ –jurisprudência que virou lei.

Após reiteradas decisões dos órgãos colegiados do tribunal nesse sentido, a Lei 8.560/92 (que regula a investigação de paternidade dos filhos havidos fora do casamento) sofreu modificação. Foi acrescentado o artigo 2º-A, que consagra o entendimento pacificado no STJ desde 2004, ano em que a súmula foi publicada.

A forma como a súmula vinha sendo interpretada e aplicada — levando-se em conta que a presunção é relativa, porque depende do contexto probatório — também foi contemplada pela lei.

“Este tribunal definiu que a recusa do investigado em submeter-se ao exame de DNA apenas contribui para a presunção da veracidade das alegações trazidas pela investigante com a petição inicial, devendo ser interpretada aliada ao contexto probatório desfavorável ao reú”, afirmou a ministra Nancy Andrighi no julgamento do REsp 692.242, em junho de 2005.

O parágrafo único do referido artigo ficou assim: “A recusa do réu em se submeter ao exame de código genético (DNA) gerará a presunção da paternidade, a ser apreciada em conjunto com o contexto probatório.”

Estudo e remição de pena
O STJ editou a Súmula 341 depois de vários precedentes no sentido de que a interpretação do artigo 126 da Lei 7.210/84 (Lei de Execução Penal) deveria considerar, no conceito de trabalho, o tempo dedicado ao estudo, para fins de remição da pena (HC 58.926).

“A interpretação extensiva do vocábulo ‘trabalho’, para alcançar também a atividade estudantil, não afronta o artigo 126 da Lei de Execução Penal. É que a mens legislatoris, com o objetivo de ressocializar o condenado para o fim de remição da pena, abrange o estudo, em face da sua inegável relevância para a recuperação social dos encarcerados”, sustentou a ministra Laurita Vaz, no julgamento do Habeas Corpus (HC) 58.926, em 2006.

No mesmo ano, o ministro Nilson Naves defendeu que as penas devem visar à reeducação do condenado. “A história da humanidade teve, tem e terá compromisso com a reeducação e com a reinserção social do condenado. Se fosse doutro modo, a pena estatal estaria fadada ao insucesso”, disse (HC 51.171).

O texto legal evoluiu para abarcar a jurisprudência pacificada no STJ. A Lei 12.433/11 alterou o artigo 126 da LEP para incluir o estudo como causa de remição de pena. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!