A Toda Prova

Natureza jurídica dos atos concessivos de aposentadoria

Autor

  • Aldo de Campos Costa

    é procurador da República. Foi advogado professor substituto da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília conselheiro da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça assessor especial do Ministro da Justiça e assessor de ministro do Supremo Tribunal Federal.

10 de abril de 2014, 10h27

O ato de aposentadoria dos servidores públicos é considerado pelo STF como ato complexo, o qual se aperfeiçoa com o registro do ato inicial de aposentadoria (Prova do 12º concurso para provimento de cargos de juiz federal substituto de primeira instância na 2ª Região).

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São inúmeros os precedentes do Supremo Tribunal Federal no sentido de que a administração pode anular seus atos, a qualquer tempo, quando ilegais ou inconstitucionais. Outro não é o teor do Verbete 473 da Súmula da Jurisprudência da Corte: “A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial”.

Essa compreensão se dá porque, majoritariamente, considera-se que os atos concessivos de aposentadorias, reformas e pensões têm natureza complexa (STF MS 3.881). Com isso, os efeitos da decadência só se operam com o crivo daquele Órgão de controle externo (STF MS 25.072), impedindo, assim, que o artigo 54 da Lei 9.784/1999 (“O direito da Administração de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários decai em cinco anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé”) venha a ser acionado antes da publicação do registro na imprensa oficial (STF AgR-MS 30.830 e STF MS 24.781).

Atribuir-se natureza complexa — e não composta — aos atos administrativos concessivos de aposentadorias, reformas e pensões influi na aplicação do referido prazo decadencial, como bem observou o procurador-geral da República em manifestação formalizada em processo submetido ao instituto da repercussão geral (STF RE 636.553). É que, segundo a doutrina tradicional, o ato complexo “só se forma com a conjugação de vontades de órgãos diversos, ao passo em que o ato composto é formado pela vontade única de um órgão, sendo apenas ratificado por outra autoridade”[1]. Como se vê, a distinção revela-se crucial “para se fixar o momento da formação do ato e saber-se quando se torna inoperante e impugnável”[2]. Sendo operante desde a concessão, a decadência passa a ter como termo inicial a publicação do ato e não o registro.

A óptica foi sufragada em julgado isolado do Superior Tribunal de Justiça: “A aposentadoria de servidor público não é ato complexo, pois não se conjugam as vontades da Administração e do Tribunal de Contas para concedê-la. São atos distintos e praticados no manejo de competências igualmente diversas, na medida em que a primeira concede e o segundo controla sua legalidade” (STJ ED-REsp 1.187.203). Segundo essa visão, a decisão da Corte de Contas possuiria natureza jurídica meramente declaratória, e não constitutiva da aposentação, reforma ou pensão (STJ AgR-REsp 1.168.805).

É dado constatar que ambas as perspectivas adotam a teoria do órgão de Otto Gierke[3], segundo a qual“a ideia de representação é substituída pela noção de imputação volitiva: a atuação dos agentes públicos, que compõem os órgãos públicos, é imputada à respectiva pessoa estatal”[4]. Complexo, assim, seria o ato administrativo “formado pela manifestação de vontade que se expressa pela participação de dois ou mais órgãos, cujas exteriorizações se verificam em uma só vontade”[5], ao passo em que o ato administrativo composto seria “aquele que se acha, a manifestação por ele expressa, unida por um vínculo funcional a outro”[6].

Os conceitos, a toda evidência, surgem deficientes, na medida em que não revelam, com nitidez, os elementos — acidentais — que permitem distingui-los. Complexo, ao nosso ver, deveria ser o ato cuja eficácia submete-se a condição suspensiva, decorrente de uma manifestação necessária (quanto à formação), e unitária (no tocante ao tratamento) de outro órgão ou ente administrativo e composto o ato que se sujeita a condição resolutiva negativa, decorrente de manifestação necessária e unitária de outro órgão ou ente administrativo.

Tomando-se os atos concessivos de aposentadorias, reformas e pensões como compostos — e não complexos — o termo inicial a ser considerado para o julgamento da legalidade da concessão inicial de aposentadorias, reformas e pensões pelo Tribunal de Contas da União dar-se-ia com a respectiva data de publicação. A visão agasalha com propriedade a segunda parte do Verbete Vinculante 3 (“Nos processos perante o Tribunal de Contas da União asseguram-se o contraditório e a ampla defesa quando da decisão puder resultar anulação ou revogação de ato administrativo que beneficie o interessado, excetuada a apreciação da legalidade do ato de concessão inicial de aposentadoria, reforma e pensão”), tornando despicienda a mitigação do entendimento nas hipóteses em que o exercício da competência outorgada pelo artigo 71, inciso III, da Constituição Federal (“O controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será exercido com o auxílio do Tribunal de Contas da União, ao qual compete julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos da administração direta e indireta, incluídas as fundações e sociedades instituídas e mantidas pelo Poder Público federal, e as contas daqueles que derem causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte prejuízo ao erário público”) excede certo período de tempo[7], tendo em conta a necessidade de se preservar a segurança jurídica e a razoável duração do processo (STF MS 24.268).


[1] Cf. MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 33ª edição. São Paulo: Malheiros, 2007, pp. 172-173.

[2] Cf. MEIRELLES, Direito administrativo brasileiro, pp. 172-173.

[3] Cf. MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de direito administrativo. 9ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 1990, p. 148.

[4] Cf. OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Curso de direito administrativo. São Paulo: Editora Método, 2013, p. 72.

[5]Cf. MELLO, Oswaldo Aranha Bandeira de. Princípios gerais de direito administrativo. 3ª edição. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 541. Em sentido semelhante: DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 18ª edição. São Paulo: Atlas, 2005, pp. 215-216; CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 25ª edição. São Paulo: Atlas, 2012, pp. 129-130.

[6] Cf. MELLO, Princípios gerais de direito administrativo, p. 542.

[7] Convencionou-se que esse período médio seria de cinco anos (STF MS 25.116). O prazo não está previsto em lei. Utilizou-se como referência as previsões constantes do artigo 21, da Lei nº 4.717/1965, o já citado artigo 54 da Lei nº 9.784/1999, os artigos 173, incisos I e II e 174, ambos do Código Tributário Nacional, o artigo 19 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) e os artigos 7º, inciso XXIX, e 183 da Constituição Federal. É contado a partir da data do ingresso do processo administrativo encaminhado pelo órgão de origem (STF MS 24.781).

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