Corte Constitucional

Causas de pouca relevância ainda são julgadas no STF

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9 de abril de 2014, 18h19

Com 237 temas aguardando uma decisão do Supremo Tribunal Federal em matérias de repercussão geral, os ministros da corte ainda são obrigados a julgar casos de pouca — ou nenhuma — relevância constitucional. Assim, o mesmo tribunal que decidiu sobre a possibilidade do aborto de fetos anencéfalos ou do casamento gay, tem na pauta processos por furto de galinha, literalmente.

A 2ª Turma, por exemplo, analisa um Recurso Ordinário em Habeas Corpus (RHC 117.988) de um homem condenado por portar 1,6 grama de maconha. O julgamento foi suspenso após um pedido de vista do ministro Ricardo Lewandowski. O relator, ministro Gilmar Mendes, e o ministro Teori Zavascki votaram pelo trancamento de uma das ações penais em que o réu foi considerado culpado, com fundamento na fragilidade das provas que resultaram na sua condenação por tráfico e associação para o tráfico.

No STF, a defesa do condenado alegou que o processo deveria ser declarado nulo por três motivos: o mandado de busca e apreensão foi expedido somente com base em denúncia anônima; o acórdão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul adotou integralmente o parecer do Ministério Público como razão de decidir; e a magistrada de primeiro grau, em caso idêntico, rejeitou a denúncia por falta de justa causa para a ação penal.

Roubo de galinha
Em outro caso, o ministro Luix Fux analisou um pedido de liminar para arquivar ação penal contra um homem acusado de roubar um galo e uma galinha, avaliados em R$ 40. Segundo o ministro, que rejeitou o pedido, o caso deve ser resolvido no mérito do Habeas Corpus (HC 121.903), após manifestação do Ministério Público.

O caso chegou ao STF após percorrer todas as instâncias do Judiciário. De acordo com a denúncia, o acusado tentou roubar uma galinha e um galo que estavam no galinheiro da vítima. Depois do ocorrido, a Defensoria Pública pediu ao Tribunal de Justiça de Minas Gerais que o processo fosse declarado extinto, uma vez que o acusado devolveu os animais. Apesar do pedido de aplicação do princípio da insignificância para encerrar o processo, a Justiça de Minas Gerais e o Superior Tribunal de Justiça rejeitaram pedido para trancar a Ação Penal.

Ao analisar o caso no STF, o ministro Luiz Fux decidiu aguardar o julgamento do mérito do pedido para decidir a questão definitivamente. “A causa de pedir da medida liminar se confunde com o mérito da impetração, porquanto ambos referem-se à aplicabilidade, ou não, do princípio da insignificância no caso sub examine. Destarte, é recomendável que seja, desde logo, colhida a manifestação do Ministério Público Federal”, decidiu Fux.

Restrição de atribuições
O julgamento de casos considerados de pouca relevância pelo STF já gerou críticas dos próprios ministros da corte. Em entrevista à ConJur, publicada em 2 de fevereiro, o ministro Gilmar Mendes afirmou que é preciso restringir as competências do STF. O ministro exemplificou: “Em 2010 ou 2011, chegamos a conceder 30 Habeas Corpus na 2ª Turma, ligados ao princípio da insignificância. É a prisão por causa do furto do bambolê, do chocolate, da fita de vídeo. Coisas desse tipo”.

Ao analisar um Recurso Extraordinário que discutia uma “grande frustração” de uma consumidora que comprou um pacote de pão de queijo congelado que estava mofado, o ministro Teori Zavascki desabafou. De acordo com o ministro, por mais séria e honesta que a pretensão seja, assim como outras semelhantes, não é possível que a questão não seja solucionada de forma extrajudicial ou, depois de judicializada, por juizados especiais.

Teori apontou que a submissão de tais questões ao STF equivale à admissão da “falência desses Juizados e dos demais juízos e tribunais estaduais e federais que compõem as instâncias ordinárias”. Ele citou ainda o gasto financeiro causado por tais demandas, muito superior ao valor da causa, e ao tempo perdido para analisar a possibilidade de interposição do recurso.

Sem previsão na lei penal brasileira, o princípio da insignificância ou bagatela é aplicado com frequência nos tribunais brasileiros. O princípio ampara a não aplicação do Direito Penal em condutas que, embora ilegais, resultam em danos sociais ou materiais ínfimos. O objetivo é não acionar o Judiciário para tratar de questões sem lesão significativa a bens jurídicos relevantes.

Emenda à Constituição
No Congresso Nacional tramita a Proposta de Emenda à Constituição 275/2013, da deputada Luiza Erundina (PSB-SP), que pretende mudar o Supremo Tribunal Federal. Além de transformar o Supremo exclusivamente em Corte Constitucional, amplia o número de ministros (de 11 para 15) e reduz sua competência de atuação.

Pela PEC, o Supremo será responsável por julgar apenas causas relativas à interpretação e aplicação da Constituição Federal. A deputada argumenta que a função principal atribuída ao STF de guardar a Constituição foi deixada de lado pelo acúmulo de processos sem relevância constitucional. Para ela, a transformação do STF em uma “autêntica” Corte Constitucional, corrigiria defeitos no funcionamento.

Apesar da pretensão da PEC, o ministro Gilmar Mendes rebate a ideia. “Essa conversa de que precisa ser uma corte somente constitucional é bobagem. Em linhas gerais, o que de fato ocupa o tribunal são questões constitucionais”, afirmou em entrevista à ConJur.

“O tribunal já é uma corte constitucional do país, mas se olharmos qualquer corte constitucional — a Corte Constitucional alemã, que talvez seja hoje o maior paradigma, por exemplo —, veremos que há competências penais, eles processam seus próprios juízes, o presidente da República etc. Ela tem competências específicas, que não são apenas constitucionais. Alguns conflitos que são de natureza constitucional, como conflitos federativos importantes, mas não existe esse modelo puro. E as matérias que realmente ocupam o Supremo hoje são questões constitucionais que vêm nas ações de controle abstrato [ADI, ADC e ADPF] e nos REs. E tem uma linha talvez menos clara, mas que discute questões importantes, que é o Habeas Corpus”, afirmou. Com informações da Assessoria de Imprensa do STF.

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