Processo Novo

Projeto do CPC tem pendências sobre juízo de admissibilidade

Autor

  • José Miguel Garcia Medina

    é doutor e mestre em Direito professor titular na Universidade Paranaense e professor associado na UEM ex-visiting scholar na Columbia Law School em Nova York ex-integrante da Comissão de Juristas nomeada pelo Senado Federal para elaboração do anteprojeto que deu origem ao Código de Processo Civil de 2015 advogado árbitro e diretor do núcleo de atuação estratégica nos tribunais superiores do escritório Medina Guimarães Advogados.

7 de abril de 2014, 17h44

Spacca
Em outro texto desta coluna, escrevi a respeito da jurisprudência defensiva, que consiste, segundo aqueles que argumentam em seu favor, na criação, pelos Tribunais, “de entraves e pretextos para impedir a chegada e o conhecimento dos recursos que lhe são dirigidos”. A finalidade dessa tendência é reduzir a quantidade de processos em trâmite, nos tribunais superiores.

O projeto de novo Código de Processo Civil contém soluções interessantes que, se não eliminam tais obstáculos criados pela jurisprudência defensiva, ao menos os minimizam, o que, penso, não repercutiria excessivamente no número de processos em trâmite, nos Tribunais superiores. Mas os problemas decorrentes do acúmulo muito grande de processos existentes no Supremo Tribunal Federal e no Superior Tribunal de Justiça tendem a se agravar, a depender da versão do projeto que vier a prevalecer, nos trabalhos que deverão ser realizados nos próximos dias, no Senado Federal.

Fiquemos com a hipótese relativa ao juízo de admissibilidade do recurso especial realizado no tribunal de origem – em quase tudo semelhante, quanto ao que se diz abaixo, ao recurso extraordinário, mutatis mutandis.

Hoje, o recurso especial sujeita-se a exame de admissibilidade realizado no Tribunal de origem (CPC, artigo 542, parágrafo 1º). Não admitido o recurso, cabe agravo “nos próprios autos”, de acordo com a redação dada ao artigo 544 pela Lei 12.322/2010. Evidentemente, caso admitido o recurso no tribunal de origem, ou seja dado provimento ao agravo previsto no artigo 544, não se impede que, depois, o recurso especial não venha a ser conhecido pelo Superior Tribunal de Justiça.

A versão do projeto aprovada no Senado pouco altera essa estrutura (cf., respectivamente, artigo 984, parágrafo único — quanto à decisão sobre a admissão do recurso, na instância local —, e artigo 996 — quanto ao agravo, chamado, na versão do Senado, se “agravo de admissão”).

A versão da Câmara dos Deputados, por sua vez, é inovadora: de acordo com o artigo 1.043, parágrafo único desse texto, findo o prazo para apresentação das contrarrazões ao recurso especial, “serão os autos remetidos ao respectivo tribunal superior, independentemente de juízo de admissibilidade”. Não há, assim, nessa versão, previsão de realização de juízo de admissibilidade do recurso especial no tribunal de origem.[1]

Essa proposta já havia sido examinada, por ocasião dos debates em torno do anteprojeto de novo Código. À época, tal sugestão foi rejeitada, sob o argumento de que isso levaria ao aumento exacerbado da carga de trabalho, nos tribunais superiores.

Entendo que o juízo de admissibilidade poderia ser realizado pelo tribunal de origem, mas apenas no que diz respeito a requisitos extrínsecos do recurso (por exemplo, ausência de preparo, intempestividade etc.). Não faz sentido encaminhar ao tribunal superior recurso evidentemente inadmissível, quanto a requisitos cuja ausência pode ser facilmente detectada.

Por outro lado, no que respeita ao cabimento do recurso especial, entendo que trata-se de tema que deveria ser examinado apenas pelo Tribunal superior. Por exemplo, dúvidas como se restou configurado o prequestionamento, se a questão é de fato ou de direito etc., embora relacionadas à admissibilidade do recurso, são, contudo, muito facilmente confundidas com seu mérito. Melhor seria, a meu ver, que apenas o Tribunal superior se detivesse sobre a admissibilidade do recurso, quanto ao ponto.

De todo modo, ao que tudo indica, o Senado não poderá deliberar nesse sentido: restará a esta casa legislativa optar entre a versão que antes enviara à Câmara dos Deputados — que, como se disse, é muito semelhante à hoje prevista no CPC — e aquela aprovada na Câmara, que simplesmente elimina o juízo de admissibilidade realizado ordinariamente, pela presidência do tribunal de origem, quanto aos recursos extraordinário e especial.

Sendo essas as opções, tenho a impressão de que acabará preponderando a versão outrora aprovada pelo Senado, quanto ao ponto. A mudança sugerida na Câmara dos Deputados — com a qual simpatizo — levaria à “transferência” automática de milhares de recursos para os tribunais superiores para que estes façam o juízo de admissibilidade, sem que isso tenha sido previamente realizado, pelo tribunal de origem. Tudo indica que pesará o argumento, antes referido, de que isso aumentaria, ainda mais, a quantidade de recursos nos tribunais superiores. Aguardemos para conferir o que o Senado Federal decidirá a respeito.

Qualquer que seja a opção escolhida, contudo, a solução passará ao largo de outros problemas, como o relacionado à recente evolução jurisprudencial a respeito da configuração do prequestionamento, da necessidade de se reconhecer a repercussão geral da questão constitucional em casos de divergência jurisprudencial, da hoje injustificável separação entre as competências dos Tribunais superiores, etc.

Alguns desses problemas poderiam ter sido resolvidos no projeto de novo CPC. Outros dependem de emenda constitucional. Há proposta de emenda constitucional em trâmite no Congresso Nacional, que cria o requisito da relevância da questão federal para o recurso especial, que pode não surtir o efeito desejado — de reduzir a quantidade de processos em trâmite no Superior Tribunal de Justiça. Basta conferir o que sucede, hoje, no Supremo Tribunal Federal, em que o tribunal não dá conta de julgar os recursos extraordinários com repercussão geral reconhecida…[2]


[1] Essa versão do projeto também prevê agravo dirigido ao Superior Tribunal de Justiça (chamado de “extraordinário”) contra decisões proferidas pela presidência ou vice-presidência do tribunal de origem, mas em outras hipóteses, de que trataremos em texto vindouro, nesta coluna.
[2] Cf. entrevista do ministro Gilmar Mendes, disponível aqui.

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