Embargos Culturais

Mangabeira Unger e o pensamento jurídico contemporâneo

Autor

  • Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy

    é livre-docente em Teoria Geral do Estado pela Faculdade de Direito da USP doutor e mestre em Filosofia do Direito e do Estado pela PUC-SP professor e pesquisador visitante na Universidade da California (Berkeley) e no Instituto Max-Planck de História do Direito Europeu (Frankfurt).

6 de abril de 2014, 8h01

Spacca
Roberto Mangabeira Unger nasceu no Rio de Janeiro, leciona na Harvard Law School e é ativista político no Brasil. É um dos mais profícuos, originais e iluminados pensadores de nossos tempos, problemas, civilização, política e Direito. Seu trabalho é intensamente debatido nos Estados Unidos, onde já foi comparado, favorável e desfavoravelmente, a Kant, Hegel e Marx.

Sua obra é notável, entre outros aspectos, porque reconhece a complexidade do liberalismo, à luz de amplo conjunto de concepções relativas a natureza humana, propondo alternativas possíveis ao marxismo e ao próprio liberalismo, sem se render à retórica de uma terceira via inexistente num mundo que parece acenar com caminho único.

Mangabeira Unger tem na Política o centro de suas cogitações, não admitindo dissociar governo de modelo normativo. Não se intimida com percepções analíticas que veem no mundo jurídico algo de lógico. Mangabeira provocou profissionais do direito com temas de teoria do conhecimento, teoria política, economia, para identificar apenas alguns campos; suas reflexões colocam em risco nossos conceitos triviais de política.

Também muito criticado, Mangabeira fora indicado como não merecedor de atenção mais séria, por parte da academia, segundo um opositor. Seu projeto conceitual é ambicioso, transcendendo ao modelo que informa a tradição ocidental, centrado em Marx, Durkheim e Weber.

Mangabeira rejeita o fatalismo, quebra barreiras, imagina soluções para o Brasil, com prestabilidade universal, para desespero de seus críticos, que ainda o acusam de superestimar as próprias habilidades teóricas, bem como de ser obscuro. Pregando a solidariedade e a desagregação prospectiva dos direitos de propriedade, Roberto Mangabeira Unger revê todo o sentido da democracia.  E não hesita em surpreender-nos com categorias conceituais que desconhecemos.

Mangabeira foi reputado como o mais denso intelectual do movimento Critical Legal Studies, que agitou o pensamento jurídico norte-americano, especialmente ao longo das décadas de 1970 e de 1980. O movimento perdeu coesão e convergência temática. De uma certa forma, sucumbiu em face de um suposto triunfo de uma ideologia apologética da ordem capitalista. O movimento fora academicamente ligado às universidades Harvard (Cambridge) e Yale (New Haven); rapidamente granjeou adeptos e críticos. Com referencial conceitual na onda de realismo jurídico que marcou a cultura normativa norte-americana, o Critical Legal Studies, doravante CLS, apresentou algumas relações com o pensamento de Roscoe Pound, Oliver Wendell Holmes Jr. e Louis Brandeis, entre outros.

Verificou-se forte influência do marxismo ocidental, especialmente em sua vertente frankfurtiana, aspecto potencializado com a presença de Max Horkheimer, Theodor Adorno e de Herbert Marcuse nos Estados Unidos a partir da década de 1940, quando fugiram da Alemanha nazista.

Há também traços do estruturalismo francês de Claude Levi-Strauss e da historiografia crítico-social de Edward Palmer Thompson, bem como de um modo crítico de se pensar a história, o que qualificou essa ciência nos Estados Unidos no início do século XX. Percebe-se ainda a influência de Max Weber, para quem a ação social, por meio da organização normativa, deveria também ser implementada por categorias não jurídicas que demonstrassem um direito em ação, cuja dinâmica transcenderia o direito encontrado nos livros.

Os principais protagonistas do movimento, que conceberam os textos principais do CLS foram, além de Mangabeira: Duncan Kennedy, Mark Tushnet, Morton Horwitz e Elisabeth Mensch, entre tantos outros. Identificado por profunda, sólida e bem engendrada crítica ao liberalismo e ao positivismo, o CLS proclamava a indeterminação do direito que emergiu no ambiente do modo de produção capitalista.

Técnicas de desconstrução literária foram utilizadas (sob notória influência de Jacques Derrida), chegando-se ao procedimento de trashing, que pretendia relegar ao lixo textos de doutrina jurídica e excertos de julgados forenses. Desenvolveu-se a patchwork thesis, que defendia a ideia de que o direito norte-americano subsumia colcha de retalhos, pelo que não haveria comunicação entre seus vários conceitos e suas inúmeras normas, costumeiras ou legisladas. Para o CLS o Direito é Política e a assertiva caracteriza o núcleo conceitual do movimento.

Mangabeira transcendeu ao CLS. Virou o disco. Sua obra posterior avançou de forma inesperada. Mangabeira é um crítico dos arranjos institucionais com os quais contamos. É um dos mais importantes pensadores das ciências sociais na atualidade.

Autores

  • é livre-docente pela USP, doutor e mestre pela PUC- SP e advogado, consultor e parecerista em Brasília, ex-consultor-geral da União e ex-procurador-geral adjunto da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional.

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