Concurso de normas

TJ-RS anula condenação baseada em denúncia equivocada

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5 de abril de 2014, 8h32

O reconhecimento de crime diferente do tipificado na denúncia leva à absolvição do acusado. Isso porque a segunda instância não deve dar nova definição jurídica a delito em virtude de circunstância ausente na acusação. Com base neste entendimento, previsto na Súmula 453 do Supremo Tribunal Federal, a 6ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul absolveu um homem condenado por receptação de produto de crime — no caso, tênis falsificados .

Em recurso ao TJ-RS, a defesa invocou a aplicação da Súmula 453 e sustentou que a a conduta descrita nos autos viola, na verdade, a propriedade industrial, nos termos da Lei 9.279/1996, em seu artigo 190, inciso I. O dispositivo diz que é crime a compra e/ou venda de ‘‘produto assinalado com marca ilicitamente reproduzida ou imitada, de outrem, no todo ou em parte’’.

Para a desembargadora Vanderlei Teresinha Kubiak, relatora da apelação, ocorre no caso o chamado “concurso aparente de normas”. Como duas normas não podem incidir sobre um mesmo fato, e existindo lei específica que trata da questão da falsidade na propriedade industrial, esta deve ser aplicada à situação retratada nos autos. Assim, por ter sido condenado baseado em uma norma diferente à aplicável, o acusado deve ser absolvido.

‘‘Reconhecida a prática de delito diverso do tipificado na denúncia, impositiva a absolvição do denunciado, haja vista que se, no julgamento de uma apelação, o Órgão Recursal reconhecer que a definição jurídica correta para o fato é diversa daquela constante na inicial, sem que tenha sido aplicada a regra do artigo 384 do Código de Processo Penal, a consequência será a absolvição do imputado’’, escreveu a desembargadora.

O caso
Na denúncia encaminhada à Justiça, o Ministério Público descreveu que o acusado foi flagrado pela polícia com 37 pares de tênis falsificados. A mercadoria foi adquirida de um camelô de Porto Alegre, que lhe cobrou R$ 20 cada par e não forneceu Nota Fiscal.

Em juízo, o acusado admitiu parte da acusação. Disse não saber que vender tênis falsificado era crime, mas apenas infração tributária. Alegou que não possuía notas de todos os produtos e que os revendia por necessidade, para sua subsistência e da família.

O juiz Felipe Peng Giora, da 1ª Vara Judicial da Comarca de Parobé, não acolheu a tese do acusado. Entendeu que ficou comprovada a materialidade e a autoria do delito tipificado no artigo 180, parágrafo primeiro, do Código Penal, tal como apontou o MP. O dispositivo prevê punição para quem adquire, guarda, transporta ou vende coisa que sabe ser produto de crime.

O magistrado explicou que, no crime de receptação dolosa simples, a presença do elemento dolo é de difícil comprovação, pois se exige a certeza de que o réu tem conhecimento de que se trata de produto de crime. Já o crime de receptação qualificada pelo exercício de atividade comercial, em que o réu foi enquadrado, contenta-se com a figura do dolo eventual.

‘‘Assim, basta que o agente, comerciante ou industrial, não agindo com a cautela e a diligência necessárias ao exercício de sua atividade profissional, assuma o risco de a coisa ser produto de crime’’, complementou na sentença,

Em face da argumentação, o réu foi condenado a três anos de reclusão, em regime semiaberto, e ao pagamento de pena pecuniária no valor de 10 dias-multa, fixada sobre o valor unitário mínimo legal. Na dosimetria, a pena carcerária foi substituída por prestação de serviços à comunidade, pelo mesmo período, e ao pagamento de um salário-mínimo a uma entidade assistencial.

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