Direito de Família

"Hoje, bom advogado é o que sabe negociar, não brigar"

Autor

1 de abril de 2014, 15h44

Reprodução
Descentralizar a gestão, valorizar o interior do Estado e incentivar os advogados a participarem mais ativamente de suas atividades são as prioridades da nova direção do Instituto Brasileiro de Direito de Família no Rio Grande do Sul para o biênio 2014-2015. Os compromissos foram firmados pelos advogados Conrado Paulino da Rosa (foto) e Delma Silveira Ibias, presidente e vice respectivamente, que tomaram posse no último dia 22 de março, em Porto Alegre. A solenidade reuniu a imprensa e cerca de 170 convidados na Associação Atlética Banco do Brasil (AABB).

Durante a solenidade, os dirigentes discorreram sobre a principal novidade da futura gestão: a criação de 14 comissões para tratar de temas específicos do Direito de Família. Além dos assuntos tradicionais, estudos constitucionais da família e Direito Sucessório, aparecem temas como violência doméstica, proteção ao idoso e bioética. Entre membros da diretoria executiva, do conselho fiscal e das comissões especiais, mais de 50 associados integram a nova gestão.

O objetivo de todo este esforço, segundo Conrado, é intensificar as ações nestas matérias do Direito de Família para vencer o principal desafio: conseguir o crescimento da atuação política, social e acadêmica da instituição. ‘‘Hoje, temos cinco núcleos no interior: Bagé, Caxias do Sul, Passo Fundo, Santa Cruz do Sul e Santa Rosa. Em abril, iremos instalar mais um em Santa Maria’’, anunciou. Conrado disse que o Congresso Gaúcho de Direito de Família, que acontece em maio, em Santa Cruz do Sul, será itinerante entre as demais cidades do interior gaúcho.

O Rio Grande do Sul é considerado inovador na área do Direito da Família, pois produziu decisões paradigmáticas, como o reconhecimento de uniões de pessoas do mesmo sexo, quando o assunto ainda era considerado tabu no Judiciário. Por isso, os novos dirigentes tomam como marca estratégica o incentivo permanente à produção de conhecimento científico, além da atualização profissional. Afinal, estes estudos, no futuro, é que darão a base filosófica ou jurídica para o reconhecimento de novas formas de relacionamento humano, levando a outros formatos de família.

Perfil
Conrado Paulino da Rosa é advogado especializado em Direito de Família, professor universitário, escritor e mediador de conflitos. É doutorando em Serviço Social pela PUC-RS e mestre em Direito pela Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc), com defesa na Universitá Degli Studi di Napoli Federico II, na Itália. Coordenador da Pós-Graduação em Direito de Família Contemporâneo e Mediação da Faculdade de Desenvolvimento do Rio Grande do Sul (Fadergs), também leciona na Uniritter e em diversos cursos de pós-graduação de Santa Catarina, Goiás, Minas Gerais e São Paulo. É autor de quatro obras sobre Direito de Família.

O novo presidente falou com a ConJur sobre os principais temas que preocupam os cerca de 600 associados do IBDFam gaúcho, dentre os quais a alienação parental, a mediação, a interação com psicólogos e a assistentes sociais e até sobre ‘‘família virtual’’, assunto que o motivou a escrever um livro.

Leia a entrevista:

ConJur  Qual o grande desafio dos advogados que atuam no Direito de Família para melhorar a prestação de seus serviços?                             
Conrado Paulino da Rosa  Os operadores precisam se atualizar e se especializar. Infelizmente, no Brasil, muito profissionais não se atualizam. É como ocorre na Medicina. O profissional sem especialidade e sem experiência no Direito de Família e no Direito das Sucessões não terá uma boa atuação. Então, o grande marco vai se dar a partir do momento em que a população valorizar a necessidade da especialização.

ConJur  Qual o panorama da seccional gaúcha no conjunto da instituição?
Conrado Paulino da Rosa 
 No Brasil, o IBDFam é um dos maiores institutos de Direito, com 16 anos de história e mais de 7 mil associados – entre operadores do Direito, do Serviço Social e da Psicologia. Neste cenário, proporcionalmente, a seccional do RS é a maior e a mais atuante do Brasil, com certeza, embora São Paulo conte com maior número de associados.

ConJur  A política de promover eventos continua nesta nova gestão? Conrado Paulino da Rosa  Sim, e vamos ampliar. Nos últimos quatro anos, sob a presidência da doutora Delma Silveira Ibias, realizamos pelo menos um grande evento por ano. Nesta gestão que se inicia, a partir de 2014, vamos fazer dois eventos por ano e também dois eventos mensais de caráter continuado. Já agendamos, neste primeiro semestre, o 1º Congresso Gaúcho de Direito de Família, de 15 a 17 de maio, em Santa Cruz do Sul e, no segundo semestre, o 6º Congresso Mercosul de Direito de Família, de 4 a 6 de setembro, no hotel Plaza São Rafael, em Porto Alegre. Os eventos acadêmicos viraram uma marca de excelência da nossa seccional, levando ao crescimento do número de associados nos últimos anos.

ConJur  Quer dizer, a busca incessante do conhecimento científico virou estratégia permanente…
Conrado Paulino da Rosa
  Na verdade, nossa grande marca é a preocupação com a produção do conhecimento científico. No ano passado, por exemplo, criamos o projeto que se chama ‘‘Almoço em Família’’, porque somos um instituto que estuda a família. Então, criamos esta reunião-almoço na segunda sexta-feira de cada mês e que hoje já se tornou tradicional. Para quem não consegue ir no evento de sexta-feira, promoveremos, no último sábado do mês, pela manhã, os colóquios em Direito de Família e Direito das Sucessões, na Escola da Magistratura da Associação dos Juízes do RS (Ajuris), em Porto Alegre. O nosso grande diferencial é conciliar, acima de tudo, não só teoria, mas muito foco na prática. Nós sabemos que o Direito de Família é um direito do caso concreto. Então, precisamos muito do estudo continuado, que é tudo muito dinâmico no conceito de família.

ConJur  O IBDFam não abrange só o Direito de Família. Tem profissionais de áreas congêneres que atuam em conjunto com os advogados. Qual a importância desta interação?
Conrado Paulino da Rosa
  O Direito de Família é o mais humano dos direitos, porque lida com o amor. Mas o que chega até os operadores do Direito é a pior face do amor. É por isso que incentivamos muito a prática interdisciplinar, porque de nada vai ser o Direito sem o Serviço Social e a Psicologia. Tradicionalmente, o curso trazia a ideia de que o profissional do Direito era autossuficiente. Hoje, há um trabalho, efetivamente, conjunto, possibilitando que as pessoas passem por este momento de crise com o menor sofrimento possível, a fim de que a partilha dos bens ou a guarda dos filhos não sirva como instrumento de vingança pelo fim do relacionamento.

ConJur  Até que ponto estes profissionais contribuem para o expertise do instituto?
Conrado Paulino da Rosa
  Hoje, estes profissionais são essenciais para o sucesso do nosso trabalho. O juiz, o promotor de Justiça e o advogado conhecem o Direito. Mas como verificar qual o genitor que tem as melhores condições de ficar com a guarda da criança? Isso só será possível saber a partir de uma perícia social, feita por assistente social; ou do estudo psicológico, feito por psicólogo. É por isso que, hoje, não dá para imaginar o Direito de Família sem estas áreas. A mediação de conflitos, prática muito utilizada e que o novo Código de Processo Civil dá um espaço privilegiado, é um conhecimento interdisciplinar.

ConJur  A prática da mediação é vantajosa para todos? Também em relação aos honorários do advogado?                                                               Conrado Paulino da Rosa  Como o paradigma mudou, os advogados só têm a ganhar com a mediação. Até há pouco tempo, o bom profissional do Direito era aquele que sabia brigar. Hoje, é o que sabe negociar, pois irá trazer resultado para o seu cliente em menos tempo. Afinal, somos prestadores de serviço. A Constituição e a Emenda Constitucional 45 asseguram a todo brasileiro o direito a uma razoável duração do processo. A mesma Constituição diz, no artigo 226, que a família é a base da sociedade. Então, se o processo de Direito de Família não andar rápido, estaremos colocando em risco a base da sociedade. A mediação tem agregado muito, também, a nós advogados, porque somos o rosto do Poder Judiciário. Se uma ação demora seis meses até a audiência, não é o juiz que leva a carga, mas o advogado. Então, a utilização dessas ferramentas [de mediação e conciliação] só tem a agregar não só à questão dos honorários, mas, principalmente, pela melhoria da qualidade de atendimento.

ConJur  A ferramenta chamada Depoimento Sem Dano, comumente usada no Judiciário estadual para apurar abusos sexuais contra crianças, pode trazer benefícios para a área de família, como a melhoria da prova oral? Conrado Paulino da Rosa  Dentro do Direito de Família, existem aqueles profissionais contrários a esta prática. Eu sou muito simpático ao Depoimento sem Dano. Todas as ferramentas que pudermos disponibilizar para minimizar os danos à criança são bem-vindas, porque o filho é o que mais sofre num caso de alienação parental, por exemplo.

ConJur  Como se dá esta alienação?
Conrado Paulino da Rosa
  A alienação parental decorre do desfazimento de vínculos, quer do casamento, quer da união estável. Mas o que é esta alienação? Um dos genitores passa a promover campanha de desqualificação do outro, começando por falar mal deste, criando obstáculos para o direito de visitas. Ou seja, isso impede a convivência entre genitor e o filho. Em casos extremos, o alienador pode apresentar falsa denúncia de abuso sexual contra o ex-marido ou a ex-mulher. E o que acontecia há um tempo atrás? Os juízes suspendiam a convivência, e este pai só voltava a ter contato com o filho depois de dois anos, e ainda de modo assistido. Então, dois anos, numa história de um filho de quatro anos, é metade da vida. A ideia do alienador é criar um filho órfão de pai vivo. Enfim, a alienação parental pode chegar nesse quadro preocupante e que existe desde que o mundo é mundo.

ConJur — Com a crise das famílias tradicionais, o IBDFam luta pelo reconhecimento legal dos novos relacionamentos?
Conrado Paulino da Rosa
— A Constituição Federal de 1988 já inovou pelo fato que, antes, só tínhamos o casamento enquanto família. A partir de então, passamos a ter a união estável e a família monoparental, aquela formada por qualquer dos pais e seus descendentes. Entretanto, como a Constituição não pode prever todos os modelos possíveis de relacionamento, nós temos um papel muito grande na formação da jurisprudência e da doutrina dos novos conceitos de família. O afeto não está preso à vontade do legislador. A pessoa que deseja se realizar afetivamente não vai abrir o Código Civil para ver se pode responder a um olhar ou se pode se apaixonar por alguém. O afeto é muito dinâmico. Sempre trazemos o estudo destas novas famílias, tanto formadas por pessoas do mesmo sexo como aquelas chamadas mosaicos (ou pluriparental), que se formam a partir do descasamento de pessoas com filhos. Tem ainda a família poliafetiva, constituída por três pessoas que moram juntas; e as chamadas famílias simultâneas.

ConJur — E a possibilidade do relacionamento virtual, retratado no livro ‘‘iFamily: Um Novo Conceito de Família’’, de sua autoria?                     Conrado Paulino da Rosa  O livro, lançado no ano passado, mostra que as tecnologias revolucionaram nossa forma de agir, de trabalhar, de contratar e, é claro, a maneira de nos relacionarmos afetivamente. Assim, defendo, também, a possibilidade de constituição de uma família virtual, que seria denominada de ”iFamily”. A ideia do livro é que distância física não é distância afetiva. Afetivamente, eu posso, por uma rede social, estar perto de alguém que vive no Canadá, assim como eu posso dividir a mesma cama com alguém me encontrando a quilômetros de distância. Hoje, nós fechamos contratos via e-mail. Então, está chegando a hora do Direito de Família se atualizar, reconhecendo outros modelos de famílias.

ConJur A instituição tem uma posição quanto à possibilidade de redução da maioridade penal?
Conrado Paulino da Rosa
  Temos uma postura bastante rígida quanto à proteção dos direitos da criança e do adolescente. Prova disso que no Congresso de Santa Cruz do Sul, em maio, uma mesa-redonda irá discutir o trabalho infantil no campo. Nós sabemos que é prática reiterada e que não existe infância com trabalho. O próprio Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), no artigo 15, diz que a criança e o adolescente são uma pessoa em processo de desenvolvimento, merecendo toda a proteção do Estado. Então, a redução de maioridade penal é um discurso muito mais para angariar votos do que para a realidade. O que nós precisamos é de um instrumento efetivo de aplicação de medidas socioeducativas. Que se aplique o ECA, separando os adolescentes infratores por idade, compleição física e gravidade do ato infracional. Precisamos garantir a ideia de que o Estado deve educar esta pessoa em formação, e não apenas puní-la, porque se sabe que isso não dá certo.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!