Evidências em perigo

Provas da satiagraha devem sair de SP, diz Toffoli

Autor

30 de setembro de 2013, 8h44

Os autos da operação satiagraha, deflagrada em 2007 pela Polícia Federal de São Paulo, deverão ser enviados a Brasília, para ficar em poder do Supremo Tribunal Federal, e não mais com a PF em São Paulo. A decisão, do ministro Dias Toffoli, foi tomada para resguardar as provas colhidas na investigação, já que o “risco de perecimento é uma realidade, diante do reconhecimento (embora ainda não definitivo) da ilicitude das provas coligidas por agentes da Abin”.

A decisão foi tomada por Toffoli no Inquérito 3.152, um dos desdobramentos da satiagraha, megaoperação da PF para investigar denúncias de crimes financeiros supostamente cometidos pelo banco de investimentos Opportunity e por seus donos, Daniel Dantas e Dorio Ferman. O inquérito que está no STF apura se a operação da Polícia Federal foi patrocinada e conduzida pela iniciativa privada para alijar o banqueiro Daniel Dantas do mercado de telecomunicações do Brasil. Entre os acusados, o ex-delegado da PF Protógenes Queiroz, hoje deputado federal pelo PCdoB de São Paulo, e o empresário Luiz Roberto Demarco, grande inimigo de Dantas no mercado de telecom.

A ação penal que resultou da operação satiagraha acusa Daniel Dantas de contratar a empresa de investigações Kroll para espionar atividades empresariais da Telecom Italia, fundos de pensão e autoridades do governo federal durante a disputa pelo controle acionário da Telecom Italia. No entanto, o Superior Tribunal de Justiça derrubou todas as acusações justamente por ilegalidades nas investigações conduzidas pela Polícia Federal: ficou comprovado que o governo atuou para favorecer interesses privados durante uma disputa empresarial travada entre dois particulares. 

Protógenes Queiroz era o delegado responsável pela satiagraha. Ele é acusado de ter agido sob o comando de Luis Roberto Demarco, um dos interessados em tirar Dantas e seu banco do controle acionário da Brasil Telecom. As suspeitas estão na sentença do juiz federal Ali Mazloum, da 7ª Vara Federal Criminal de São Paulo. A decisão foi condenar o ex-delegado a 3 anos e 4 meses de prisão por violação de sigilo funcional e fraude processual. Ao remeter os autos para Brasília, por conta da eleição de Protógenes para a Câmara dos Deputados, soube-se de uma reviravolta. O mesmo Ministério Público Federal que tentara antes extinguir a investigação, agravou as acusações com novas qualificadoras: interceptação telefônica ilegal, prevaricação e corrupção passiva.

De acordo com a decisão de Mazloum, Protógenes fez centenas de ligações telefônicas a Demarco e vazou informações da satiagraha durante o curso das investigações. A conclusão de Mazloum é que Protógenes instaurou a satiagraha por motivos sem relação com o interesse público. Daí se originou o Inquérito 3.152, que investiga as relações do ex-delegado e deputado com o empresário durante a condução da megaoperação.

Fora de São Paulo
O pedido de remessa dos autos da satiagraha a Brasília foi feito por Demarco. Ele acredita que os documentos comprovam a “inexistência de qualquer relação” sua com a condução das investigações. Toffoli concedeu o pedido em nome da paridade de armas entre acusação e defesa e por entender que a manutenção dos autos em São Paulo configura risco real de perecimento de provas.

É o mesmo que alega a defesa de Daniel Dantas. Em petição enviada também ao Supremo, mas em outro caso, Dantas e seu sócio, Dório Ferman, alegam que “há receio fundado de que, pelo teor das provas, servidores públicos que, de alguma forma, possam se sentir prejudicados por elas, tentem danificá-las ou inutilizá-las”. A petição é assinada pelo professor e criminalista Renê Ariel Dotti e integram os Embargos de Declaração apresentado pela defesa do Opportunity na Reclamação 9.324.

Ao contrário do que pediu Demarco, a reclamação ajuizada por Dantas tem um alvo específico dentro dos autos da satiagraha. São os CDs, discos rígidos e computadores apreendidos pela Polícia Federal durante diligência na seda da Angra Partners, sucessora do Opportunity no fundo de investimentos que controlava a Brasil Telecom, o Opportunity Fund. Essa diligência foi feita “sem querer”, pois o verdadeiro alvo era o banco de Daniel Dantas. Só que, à época das buscas, o Opportunity Fund já não estava mais nas mãos dele, mas nas da Angra Partners. A diligência foi feita no dia 10 de julho de 2004.

Entre os materiais apreendidos pela PF estava uma agenda que pertencia a Alberto Guth, sócio da Angra. Nela, ele fez anotações consideradas suspeitas pelos advogados de Dantas. Havia coisas como “FIA comprou juíza via advogados”, ou “STJ reforçar? Reforçar acesso aos ministros. Custos + R$ 10M”. Há ainda referências a "LRD", que os advogados de Dantas creem ser uma sigla para "Luis Roberto Demarco". Por si só, as anotações pouco esclarecem, mas a defesa do Opportunity acredita que as mídias levadas pela PF na mesma diligência comprovam as ligações que a agenda de Guth apenas sugere.

Risco iminente
O acesso de Dantas e Ferman às mídias apreendidas pela PF na sede do Angra Partners já foi garantido pelo Supremo Tribunal Federal, depois de decisão da ministra Cármen Lúcia referendada pelo Plenário à unanimidade. O problema é que os técnicos da Polícia Federal teriam constatado que os HDs e CDs estão danificados e não há como ver o que há neles. A decisão do Supremo, no entanto, foi de que Dantas deve ter acesso a cópias dos documentos independentemente das alegadas falhas técnicas.

Os Embargos de Declaração foram impetrados porque a ministra determinou que as mídias fossem copiadas na área técnica da PF em São Paulo. A contradição aí é que parte desses documentos já está em Brasília, então não faria sentido enviá-los a São Paulo.

Mas o principal problema alegado nos embargos é o risco que essas provas correm de desaparecer. “Os manuscritos apreendidos na sede da Angra Partners fazem referência a informações evidentemente indiciárias de corrupção de autoridades, inclusive judiciais. Não faz sentido que provas potencialmente capazes de atingir pessoas com foro privilegiado sejam encaminhadas à Polícia Federal de São Paulo”, diz a petição.

Uma das principais suspeitas é a de que as mídias apreendidas nas diligências à sede da Angra Partners foram danificadas pela própria Polícia Federal. Perícia do Instituto Brasileiro de Perícias constatou que, entre os documentos, está um arquivo alterado no dia 5 de setembro de 2004, dois meses depois da apreensão das mídias pela PF — quando, portanto, tudo já estava em mãos da equipe técnica da PF de São Paulo.

Também foram encontrados problemas nas escutas telefônicas feitas pela PF. Em algumas delas foram encontradas “evidências de fraudes”, como “disparidade entre a data em que foram interceptados alguns diálogos e a data de gravação do arquivo”, ou ‘zonas de silêncio’ atípicas na gravação”, o que indicaria supressão de falas.

Outra conclusão de Renê Dotti nos embargos é que Protógenes Queiroz, ex-delegado da PF e deputado federal, está condenado por fraude processual e violação de sigilo. “Atualmente, o deputado federal Protógenes é investigado por arapongagem: em busca e apreensão realizada em seus domicílios, foram encontrados arquivos contendo gravações telefônicas de autoridades com prerrogativa de foro e, inclusive, um dossiê contendo informações da vida pessoal e profissional da atual presidente da República, Dilma Rousseff”, afirma a petição.

Clique aqui para ler a decisão.

Inquérito 3.152

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!