Direito de Defesa

Celso de Mello exemplifica independência do magistrado

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30 de setembro de 2013, 15h12

Spacca
Deixo de lado os usuais temas jurídicos para tecer breves comentários à atuação do magistrado Celso de Mello ao votar pela admissibilidade dos Embargos Infringentes na Ação Penal 470.

Fui advogado no caso, fato que me impede uma análise isenta sobre teses, premissas e conclusões jurídicas, mas não a manifestação sobre um comportamento, uma forma de votar, independente de seu conteúdo.

A discussão sobre a existência ou não dos embargos foi técnica. Envolvia uma apreciação de conflito de normas, de hipóteses de revogação, de princípios incidentes, da natureza jurídica dos tratados incorporados. Cada julgador formou sua convicção intima de acordo com sua visão do direito, do mundo, da vida.

O ministro Celso de Mello já havia mencionado concordar com a admissão dos embargos em duas oportunidades durante o julgamento da Ação Penal 470. No entanto, no dia 12 de setembro, encerrada a sessão e consolidado o empate sobre o tema, criou-se uma atmosfera de mistério, de suspense, e de pressão sobre o decano, único e decisivo voto faltante.

Revistas, jornais e programas de televisão, com colunistas, editores e especialistas — com raras exceções — desfilaram notas e capas para convencer o ministro a rechaçar os embargos, algumas beirando uma histeria incompatível com o dever de informar. Jogaram na cara do julgador o fantasma da morosidade, como se seu voto fosse redimir o Brasil ou jogá-lo de vez na vala comum da impunidade. Sacaram a faca, segurando-a no pescoço do ministro, indicando que a aceitação do recurso seria o fim de sua imagem, que sua memória estaria para sempre manchada pela infâmia de dar abrigo à protelação do processo, contra os anseios da sociedade.

Não adiantou. O ministro votou pelos embargos. Certo ou errado, acompanhou sua consciência, foi coerente com suas ponderações anteriores, seguiu sua convicção. Ponderou que o papel do STF não é seguir a vontade popular, mas proteger direitos, muitas vezes da voracidade dessa própria vox populi. A voz do povo acerta muitas vezes, mas também erra, e quando o faz as consequências são graves (a Marcha da Família com Deus pela Liberdade e a Marcha sobre Roma falam por si próprias…).

No século XVIII, o rei prussiano Frederico II desistiu de desapropriar um pequeno moleiro quando este, diante das pressões reais, reagiu exclamando “ainda há juízes em Berlim”, indicando que buscaria um magistrado para por fim à tormenta. É o que se espera do Judiciário — um órgão composto por juízes imparciais, isentos, que julguem com olhos na Justiça e não no tamanho das ameaças.

Defender o ministro Celso de Mello não significa desmerecer os demais — em especial aqueles que votaram contra sua posição. Mais uma vez, não se discute aqui o mérito da decisão, mas a atitude diante das pressões descontroladas de certos setores.

A capacidade de olhar de frente a grita, erguer a cabeça, e votar de acordo com o que acha certo, fez do gesto do ministro um exemplo para todos os demais juízes. Não se trata de um ato heroico, mas do mero cumprimento de um dever, o que se espera de todo e qualquer magistrado. Porém, mesmo esse simples ato merece aplausos daqueles já cansados de ver certos desmando praticados em nome da opinião pública.

A crítica, o luto dos artistas e as vaias do público têm a efemeridade do momento. A história lida com fatos e não com impressões, e aqueles revelam que a coerência, a coragem e a independência são os atributos que marcam o nome de alguém como digno de lembrança.

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