Para a posteridade

Sociedade vai demorar a entender voto de Celso de Mello

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28 de setembro de 2013, 18h05

A sessão do dia 18 de setembro de 2013 do STF (Supremo Tribunal Federal) e o voto de minerva do decano da Corte ministro Celso de Mello aceitando os embargos infringentes na ação penal 470 de competência originária do STF já integra uma das mais belas páginas escritas na mais alta corte jurídica do país em defesa dos direitos e garantias fundamentais, em especial, em respeito à Constituição Federal, ao devido processo legal e ampla defesa.

O voto do ministro Celso de Mello foi uma verdadeira aula magna, a qual deverá ser reproduzida nas centenas das faculdades de direito do país, em todos os fóruns, em cada tribunal da República, para que nenhum estudante, nenhum estagiário, advogado, juiz, promotor ou outro profissional do direito se esqueça de que todo e qualquer acusado, qualquer que seja o crime, por mais grave e odiosa que seja a acusação, lhe possa ser negado o direito de ser tratado como pessoa, como ser humano e, portanto, titular de direitos, entre os quais, o sagrado e constitucional direito da mais ampla defesa.

O processo penal, ensinam os doutos e o ministro não se olvidou, não pode constituir instrumento de arbítrio do Estado. Ao contrário, representa meio de delimitação e contenção do poder punitivo. Como bem asseverou Celso de Mello, “O dever de proteção das liberdades fundamentais dos réus, de qualquer réu, representa encargo constitucional de que este Supremo Tribunal Federal não pode demitir‐se, mesmo que o clamor popular se manifeste contrariamente, sob pena de frustração de conquistas históricas que culminaram, após séculos de lutas e reivindicações do próprio povo, na consagração de que o processo penal traduz instrumento garantidor deque a reação do Estado à prática criminosa jamais poderá constituir reação instintiva, arbitrária, injusta ou irracional.”

Muitos estão e permanecerão inconformados e, até mesmo, revoltados com a decisão do STF. Os linchadores de plantão continuarão falando em impunidade, novo julgamento, injustiça e corrupção. Sem ouvir a voz das ruas sem identidade, sem medo de se tornar impopular, sem se importar com a opinião pública que há séculos é a pior das opiniões, como já disse o poeta francês Sébastien-Roch Chamfort, o experiente e culto ministro Celso de Mello com serenidade e racionalidade votou: “se é certo, portanto, que esta Suprema Corte constitui, por excelência, um espaço de proteção e defesa das liberdades fundamentais, não é menos exato que os julgamentos do Supremo Tribunal Federal, para que sejam imparciais, isentos e independentes, não podem expor‐se a pressões externas, como aquelas resultantes do clamor popular e da pressão das multidões, sob pena de completa subversão do regime constitucional dos direitos e garantias individuais e de aniquilação de inestimáveis prerrogativas essenciais que a ordem jurídica assegura a qualquer réu mediante instauração, em juízo, do devido processo penal.”

Como bem salienta Luigi Ferrajoli “A principal garantia processual que forma os pressupostos de todas as outras é a da submissão à jurisdição expressa pelo axioma nulla culpa sine iudicio. Ensina, ainda, o jurista italiano, que “o Estado de direito equivale à democracia, no sentido que reflete, além da vontade da maioria, os interesses e necessidades vitais de todos” (FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão: Teoria do Garantismo Penal. São Paulo: RT, 2010).

Não resta dúvida que a decisão do STF expressa no magnânimo voto do decano da Suprema Corte não atendeu à vontade da maioria e, tão pouco, aos interesses de uma minoria, mas as “necessidades vitais de todos”: da maioria e da minoria; do pobre e do rico; do branco e do negro; do católico, do protestante e do judeu; do homem, da mulher e de todo ser humano, porque o direito a ampla defesa, o respeito ao devido processo legal e aos direitos humanos pertencem a todos.

A sociedade pode demorar a entender, pode até jamais entender, mas os verdadeiros vitoriosos desta decisão do Supremo Tribunal Federal foram os direitos e garantias fundamentais, foi o Estado de Direito.

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