Dispositivo esdrúxulo

STF parou por obra do instituto do foro privilegiado

Autor

  • Sergei Cobra Arbex

    é advogado sócio do Zulaiê Cobra Ribeiro Sociedade de Advogados. Foi presidente da comissão de direitos e prerrogativas da OAB/SP (2007/09) e Diretor Secretário Geral da CAASP (Caixa de Assistência dos Advogados) (2010/2014) ex-presidente da Comissão de Direitos e Prerrogativas da OAB-SP e ex-diretor Secretário Geral da Caasp.

23 de setembro de 2013, 15h00

Privilegiar-se tem sido a marca do político brasileiro, com raras exceções. Beneficia-se o político a si próprio e a seus pares na rotineira prática do fisiologismo, praga incrustrada em todas as esferas do Poder. Privilegiados, nossos parlamentares se autoconcedem aumentos de vencimentos, entre outras benesses. Há muitas formas de privilégio neste Brasil e uma das mais absurdas é o foro judicial por prerrogativa de função, por todos conhecido como foro privilegiado.

A situação em que se viu o Supremo Tribunal Federal, particularmente seu decano, ministro Celso de Mello, em hora crucial da Ação Penal 470, o famigerado mensalão, é consequência desse instrumento equivocado, ultrapassado e injusto. Por que deputados federais são julgados diretamente pela mais alta corte do país? Seriam eles cidadãos mais importantes que os demais? Seriam as instâncias inferiores incapazes de julgar crimes praticados por essa classe que recebe salário do erário público?

O foro privilegiado se revela duplamente aberrante, pois cria tanto tribunais quanto cidadãos de primeira e segunda classes, quando o princípio da igualdade perante a lei deveria nortear a Justiça acima quaisquer outros valores. Some-se a essa constatação conceitual uma outra, esta de ordem prática: nada justifica que nossa corte constitucional permaneça em regime de dedicação quase exclusiva a crimes de corrupção — o processo do mensalão, por exemplo, arrasta-se desde 2005.

Independentemente do voto conferido pelo ministro Celso de Mello quanto aos embargos infringentes na Ação Penal 470, a situação em se viu o STF foi dramática, quer em razão do tempo decorrido, quer em função da reclamação dos próprios ministros do cansaço provocado pelo processo.

Por conta das limitações recursais, nem mesmo os condenados defendem o foro dito privilegiado. A conclusão é inevitável: o foro por prerrogativa de função a parlamentares acusados de crime limita tais ações a um único julgamento, sem direito a recursos que ofendem o duplo grau de jurisdição e não perfazem a escalada comum à maioria dos cidadãos. No caso específico do mensalão, é equivocada a invocação do duplo grau de jurisdição em defesa dos réus — claro está que o que se tem é o duplo grau de análise, não de jurisdição, porque os tratados internacionais assinados pelo Brasil garantem a ampla defesa dos acusados.

Em síntese, o julgamento do mensalão deveria não apenas servir de exemplo punitivo a políticos corrutos, mas também de como a Justiça brasileira não prima pela celeridade. Uma vez aceitos os embargos infringentes, resta demonstrado que o Supremo Tribunal Federal reconheceu o direito dos réus a novo julgamento com base em princípios importantes e jurisprudências da própria corte. Mas, convenhamos, não fosse a substituição de dois dos seus integrantes em razão de aposentadoria, nova análise constituiria medida completamente inócua.

O fato aqui em destaque é que o Supremo Tribunal Federal parou por obra do instituto do foro privilegiado, sem que ninguém tenha se mobilizado no sentido de promover a revogação desse esdrúxulo dispositivo no âmbito legislativo. O direito de defesa é sagrado, e certamente o ministro Celso de Mello atuou com base em seu notável saber jurídico. De qualquer forma, este mais recente capítulo do mensalão contribui para desgastar a imagem do Judiciário brasileiro, desta vez em decorrência de uma legislação anacrônica, que mancha a história do único Poder da República que não pode claudicar.

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