Ônus da acusação

Prova de ação trabalhista não serve para Ação Penal

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23 de setembro de 2013, 11h22

As mesmas provas que fundamentam a condenação no âmbito civil e trabalhista não são idôneas para embasar a condenação criminal pelo mesmo fato. Esse foi o fundamento do juiz federal Omar Belloti Ferreira, de Castanhal, no Pará, para absolver o proprietário de cinco fazendas acusado de manter 55 trabalhadores em condições análogas à escravidão. Também foram acusados o administrador das fazendas e o responsável pelo recrutamento dos empregados.

A acusação foi formulada em sete itens: 1) contratação sem registro na carteira de trabalho e falta de pagamento regular dos salários; 2) acomodação dos trabalhadores em locais sem condições mínimas de conforto, saúde e higiene; 3) ausência de instalações sanitárias; 4) não fornecimento de água potável, com consumo de água proveniente de um córrego ou igarapé; 5) falta de local adequado para armazenamento e preparo de alimentos e para as refeições; 6) falta de equipamentos de proteção e de primeiros socorros; e 7) dificuldade em sair das fazendas e voltar para casa, devido à distância.

Em relação ao primeiro item da acusação, o juiz Belloti Ferreira considerou-a parcialmente comprovada. Segundo ele, de fato, o proprietário da fazenda não registrou o vínculo de emprego nas carteiras de trabalho dos empregados. Os pagamentos, porém, eram feitos, ainda que exista dúvidas se eles estariam de acordo com a legislação trabalhista. Segundo testemunhas, os trabalhadores recebiam por diárias e os valores chegavam a ser menores do que um salário mínimo.

Os itens 2 e 3 o juiz considerou comprovados, já que, além dos depoimentos, fotografias mostram que os trabalhadores ficavam alojados em um barraco coberto de lona plástica, sem paredes e no meio da mata.

Em relação ao item 4, sobre a água consumida pelos trabalhadores, o juiz disse que ela vinha realmente de igarapés e de um córrego, segundo admitiu um dos acusados. Entretanto, por falta de exame pericial, não foi possível comprovar se ela era própria para consumo humano.

“Cumpre observar que, ao contrário do que ocorre na seara trabalhista, em que se pode exigir da empresa a exibição de certificado de potabilidade da água, na seara penal é a acusação quem tem o ônus de provar que a água não é potável, não podendo a imprestabilidade ser simplesmente presumida em razão da fonte de captação”, disse.

Os itens 5 e 6, que tratam da falta de local adequado para alimentação e de equipamentos de proteção e primeiros socorros, o juiz considerou a acusação comprovada, especialmente diante da precariedade do alojamento em que eles ficavam.

Já em relação ao item 7, o juiz julgou a acusação improcedente, uma vez que, em sua avaliação, a região em que os trabalhadores vivem (Irituia) não está distante dos locais de trabalho (Paragominas e Ipixuna), e e aére seria bem servida de rodovias e estradas vicinais. De Irituia, de onde os trabalhadores saem, são 153 km até Paragominas e 101 km até Ipixuna.

Condutas características
Segundo o juiz, as condutas que caracterizam o trabalho escravo, como jornada exaustiva ou cerceamento de liberdade, não ficaram provadas. Em relação às condições de trabalho, Ferreira disse que o conceito de “condições degradantes” é indeterminado, o que tornaria sua comprovação problemática e sujeita à influência de concepções ideológicas.

“Observo, inicialmente, que, em razão da indeterminação do conceito ‘condições
degradantes’, este é o modo de execução do delito cuja comprovação se apresenta mais problemática, estando naturalmente sujeita à influência exercida pelas concepções ideológicas do julgador”, afirmou.

Ao formar seu juízo pela absolvição, o juiz considerou ainda que existe uma diferença entre “trabalho degradante”, que é admitido pela legislação trabalhista, e “trabalho em condições degradantes”, vedado tanto pela legislação trabalhista quanto pela penal. No primeiro caso, o empregador tem obrigação de pagar adicionais de insalubridade e periculosidade.

“Ainda que se admita que esse é um conceito demasiadamente restrito da conduta
típica, notadamente por desconsiderar outras importantes questões relativas ao meio ambiente do trabalho, uma coisa parece certa: nem todo trabalho degradante pode ser taxado de criminoso”, afirmou Belloti.

No caso em questão, o juiz entendeu que os acusados cometeram apenas infrações trabalhistas, como contratar empregados sem registro em carteira e submetê-los a condições precárias de higiene e salubridade.

Como não ficaram provados os elementos típicos de trabalho escravo, como omissão de pagamentos, aliciamento de trabalhadores, vigilância armada ou jornada exaustiva, segundo o juiz, ele decidiu absolver os acusados.

“Não se pode legitimamente afirmar que as condições de trabalho, de moradia, de segurança e de salubridade a que estavam sujeitos os obreiros tenham lesionado as suas dignidades de modo a reclamar a intervenção do Direito Penal, que, como se sabe, é a ultima ratio. Há, portanto, que se entender que as infrações às normas de Medicina, saúde e segurança do trabalho foram suficientemente reprimidas mediante a aplicação das penalidades administrativas previstas na própria legislação trabalhista”, afirmou.

Os acusados foram defendidos pela advogada Thais Pires de Camargo, do escritório Camargo Lima Sinigallia Moreira Lopes Advogados.

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