Conciliação possível

Paternalismo libertário é alternativa ao Estado-babá

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21 de setembro de 2013, 14h03

É comum a crítica — importada, em gramática e sensibilidade, dos Estados Unidos — ao estado-babá. O estado brasileiro haver-se-ia tornado, graças a um poder público agigantado, e a uma sociedade dócil, numa espécie de deus Jano, que tudo pretende prover, e a quem tudo se pede. A crítica, afora certo exagero, possui elementos certeiros. A sociedade brasileira não é a americana: para nós, o governo não é visto como inimigo; para a maior parte dos brasileiros, ele é, antes, provedor universal. Vivemos num estado-babá porque talvez não conseguíssemos viver em qualquer outro.

Essa sensibilidade, explicada por razões históricas, engrossa o caldo de cultura que leva a vários fenômenos. A judicialização da vida social é apenas o mais saliente. Ajuizar demanda pedindo casa e comida a órgão público é reclamar ao padrasto as falhas do pai. O desprestígio de projetos de empreendedorismo também se explica, em parte, por essa força gravitacional do Estado; a cultura do concurso público não seria, então, apenas resposta pragmática a certo estado de coisas, mas o encontro sinérgico entre estado de coisas e sensibilidade cultural.

No campo do Direito Administrativo a tendência também se faz sentir. Vivemos a prática do paternalismo regulatório antiliberal: em nossa experiência regulatória, liberdade vigiada se torna, cada vez mais, opção imposta. Problema é que seus efeitos econômicos raramente são positivos: há desestímulo à inovação, dificuldade de planejamento, desprestígio à autonomia privada, vilanização, simplismo.

Por outro lado, como responder à nossa urgência por regulação pública?

Sofisticando a regulação. Tornando-a mais inteligente, talvez mais eficaz, e, certamente, mais sensível à preservação de liberdades. Nos EUA, desde o primeiro governo Obama, surgiu a proposta do paternalismo libertário. A ideia é o Poder Público se utilizar estrategicamente de vieses comportamentais do ser humano — por exemplo: pessoas escolhem primeiro o que veem antes; opções pré-definidas (default) raramente são desmarcadas — como estratégia regulatória. Esse paternalismo é libertário pois os cidadãos ainda podem escolher — não se trata de proibições de comportamentos, como no paternalismo antiliberal —, mas ainda é paternalista, pois as opções são arquitetadas de tal modo a facilitar determinada escolha. Ao invés de só radares e multas, também listras progressivamente descontínuas nas estradas, sugerindo sub-repticiamente menos velocidade. Em vez de proibir comidas gordurosas para crianças, exigir que fiquem expostas, nos supermercados, à altura do olhar de adultos. A própria restrição à exposição de remédios não controlados em gôndolas de farmácias é exemplo de paternalismo libertário, se bem que de tipo rigoroso: ele impõe, ao consumidor, o ônus de se dirigir ao farmacêutico e solicitar o remédio.

O paternalismo libertário não está, ele próprio, imune a falhas. Por vezes, o que menos há é opção real dentro do esquema decisório. Às vezes, ele é o primeiro passo numa escala que leva a abusos. Ele também pode ser realizado de modo pouco transparente, ou pretender simplificar escolhas complexas, que não se prestam a induções por parte do governo. Mas é uma tentativa de equacionar liberdade individual e intervenção pública. Em nosso inevitável estado babá, talvez represente uma conciliação possível entre quem não deixaremos de ser e certos espaços de liberdade individual que, ainda assim, deveríamos preservar.

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