Jurista de escol

Celso de Mello autentica o devido processo legal

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20 de setembro de 2013, 13h05

Ministro Celso de Mello, "eis o homem"? Seguramente, não. O decano nada mais fez do que ser coerente; coerência esta que o credencia como jurista de escol.

O preocupante dos seis dias aos quais o ministro Celso de Mello foi submetido, desnecessariamente, por forças declaradas, vem do dilema, pouco shakespeariano: tecnicalidade ou impunidade? Observar as leis e os regimentos positivados ou ceder à grita popular?

Que ousadia se excogitar de que o decano sucumbiria, como alguns, aliás, aos encantos da popularidade efêmera, em prejuízo da sua consciência e da sua biografia perante a comunidade jurídica.

Mas a arte de informar, desinformando, vigora na AP 470-MG. O voto de admissibilidade dos Embargos Infringentes, que se somou a outros cinco, transformou-se em impunidade, risco de prescrição, em Judiciário elitista e, pasmem, na comparação da corte a um forno para assar pizza!

O editorial da Folha do dia 19 de setembro de 2013, com primor, fala por si: “Haja paciência. Haja tolerância. Haja também — e sobretudo — compreensão para o fato de que, num Estado de Direito, as decisões da Justiça precisam emergir da interpretação fundamentada do que prescrevem as leis”.

A propósito, na discussão de quinta-feira, dia 12 de setembro de 2013, no Plenário, entre os ministros Luís Roberto Barroso e Marco Aurélio, calou fundo a intervenção do dito “novato”: “Fico muito feliz quando uma decisão do tribunal constitucional coincide com a opinião pública. Mas se o resultado não for (coincidente), aceito a responsabilidade do meu cargo. Não julgamos para a multidão, julgamos pessoas (…) Gostaria de perguntar às pessoas sobre a seguinte situação: ‘se seu pai, seu irmão, seu filho estivessem na reta final do julgamento e fosse necessário mudar a regra para mudar a vida deles’, o que fariam?”.

Na ferida, ministro Luís Roberto Barroso. Na ferida!

Nós, humanos, temos muita facilidade para apontar o dedo, diagnosticar erros no alheio, no outro, porém, extrema dificuldade de nos enxergamos e de enxergamos defeitos nos nossos. É do homem.

Quando o ministro Luís Roberto Barroso mencionou que “não julgamos para multidão”, veio-me à memória passagem vivida, sofrida e escrita pelo velho Evaristo de Moraes, sobre causa de especial relevo, há mais de século, tratada como “a mais dolorosa das minhas recordações”, definindo a histeria coletiva: “A multidão anônima, irresponsável, sem forma, monstro de mil cabeças, intangível, que se não pode definir, espécie de invertebrado cuja cauda se move ainda depois de cortada a cabeça — eis o principal fator deste processo”[1].

Andou, como sempre, retilíneo o ministro Celso de Mello, ao votar pelo cabimento do recurso previsto no regimento, e não revogado, tácita ou expressamente, por qualquer legislação ulterior.

Andou, como quase sempre, guardiã do catálogo de direitos e garantias individuais a Suprema Corte do Brasil.

Longe de desacreditar o Tribunal, a posição do ministro Celso de Mello autenticará a decisão definitiva, que se avizinha, proporcionando aos réus, apenas e tão somente, o devido processo legal, porque, na leitura do ministro Eros Grau, em voto sublime, “a prevalecerem razões contra o texto da Constituição, melhor será abandonarmos o recinto e sairmos por aí, cada qual com o seu porrete, arrebentando a espinha e a cabeça de quem nos contrariar. Cada qual com o seu porrete!”[2].

Volvendo ao editorial da Folha, para arrematar, votasse em outro sentido o decano, depois de ter externado a sua convicção ao longo do mesmo julgamento, “seria mais simples se a Justiça se dividisse entre linchadores e comparsas, entre carrascos e quadrilheiros. Felizmente, as instituições republicanas e o Estado democrático não se resumem a tal esquema — por mais alto que seja o preço a pagar, em tempo, tolerância e paciência, em função disso”.


[1] Evaristo de Moraes, “Reminiscências de um Rábula Criminalista”, Ed. Briguiet, Rio de Janeiro, 1989, p. 93.

[2] Plenário, HC nº 84.078-7/MG, relator ministro Eros Grau, DJ de 26/2/2010.

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