Registro comercial

Papel efetivo das juntas comerciais pode evitar laranjas

Autor

19 de setembro de 2013, 16h49

Nada pode ser mais frustrante para o litigante na Justiça do Trabalho do que a demora na satisfação de um crédito assegurado por uma decisão. Essa frustração se espraia para todo o tecido social, chegando mesmo a criar uma imagem ruim para o Poder Judiciário, na medida em que provoca a descrença, o desânimo e a percepção de ineficiência do sistema de justiça.

O debate em torno da efetividade das tutelas jurisdicionais, diante das taxas atuais de congestionamento dos processos na fase de cumprimento das sentenças (vide relatório Justiça em Números, Conselho Nacional de Justiça), ainda é tímido, e precisa de urgente centralidade. É a morosidade que edifica barreiras ao acesso à justiça, e promove uma ambiência muitas vezes favorável aos “acordos de contingência”, assim compreendidos aqueles em que o credor aceita receber apenas uma parte do crédito como forma de se poupar de todas as experiências (judiciais e emocionais) decorrentes de uma demora na satisfação integral de seu crédito.

O enfrentamento do tema da efetividade, no entanto, é de grande complexidade, já que envolve diversos aspectos (estrutura, organização do tempo, ferramentas de investigação patrimonial, protagonismo do credor e/ou do juiz, dentre outros).

Gostaria aqui, porém, de destacar um, a despeito da entrevista publicada aqui na ConJur com o presidente da Junta Comercial do Estado de São Paulo (Jucesp), Armando Luiz Rovai, em 21 de agosto de 2013.

Trata-se do problema da ocultação de patrimônio por meio de sucessivas alterações do quadro societário de empresas, prática que tem como objetivo a retirada dos reais empreendedores e a admissão de novos “sócios”, de maneira meramente formal, para dificultar uma eventual execução forçada contra a empresa.

Conhecido no “jargão” das fraudes como “laranjas”, esses novos “sócios” não possuem patrimônio, renda ou mesmo exercem de fato qualquer ato empresarial.

O tema não é novo. Sobre ele, escrevi um texto em 2005, onde pontuei:

Nessa modalidade do ser social, o `laranja`, encontramos pelo menos dois tipos: o que sabe que seu nome está sendo usado para tais fins e aquele que sequer tem notícia que é sócio-gerente de uma importante rede comercial desta ou daquela cidade, por exemplo.

É dizer, há os ‘laranjas’ que sabem das operações e outras pessoas que delas participam porque tiveram a má sorte de um dia disponibilizarem seus documentos pessoais, que foram, então, utilizados sem seu conhecimento para a montagem das fraudes.

Muito já se foi noticiado sobre pessoas que são rés em ações de cobrança e até em ações criminais por terem seus nomes associados a ilícitos, principalmente no meio fiscal e previdenciário, porque constavam como gestoras de pessoas jurídicas. Algumas chegaram a ser presas. Outras tantas lutam até hoje para recuperar seu crédito, seu ‘nome’, sua identidade social, hoje profundamente vinculada à higidez de seus negócios, de suas relações jurídicas.

No Poder Judiciário, em especial na Justiça do Trabalho, a presença do ‘laranja’ há muito deixou de ser rarefeita. Pelo contrário, é bastante comum a alguns devedores ocultarem seu patrimônio através do uso de interpostas pessoas, que são designadas, através de alterações contratuais, para figurarem no quadro societário da empresa executada ou em vias de execução judicial.

Como pontuou o presidente da Jucesp, na referida entrevista, aos órgãos de registro de comércio não cabe qualquer exame de mérito quanto ao conteúdo dos aditivos contratuais, submetidos ao registro e ao depósito no órgão, nomeadamente quando cumprida as normas formais previstas em lei. E arrematou que tal exame cabe ao Poder Judiciário.

Nada obstante, posso assegurar que o enfretamento das situações de ocultação de patrimônio — embora enormemente facilitado, nos dias atuais, pelo uso das diversas ferramentas eletrônicas de investigação patrimonial —, continua sendo uma tarefa árdua, demorada e que demanda um grande investimento de pessoal, de tempo e de estrutura da Justiça do Trabalho.

Esse esforço, que conspira contra a efetividade processual e a eficiência do sistema de Justiça, poderia ser evitado, se os atores sociais e do processo sempre observassem uma pauta ética. Mas, essa, por enquanto, é uma aspiração legítima, mas ainda distante, diante de nossas tradições culturais.

Por essa razão, creio que a sociedade brasileira deve oferecer às juntas comerciais um papel mais ativo nesse propósito da eticidade dos atos de registro de comércio, exigindo, para o depósito de contratos sociais e suas alterações, mais garantias de legitimidade do quadro societário, evitando-se, assim, a atual quadra de facilitação na admissão de sócios “laranjas”.

E, nessa linha, não creio que isso seja um fator de incremento na burocracia. Uma rápida entrevista com os candidatos à admissão no quadro societário, com os vogais da junta comercial, por exemplo, já seria suficiente para comprovar os eventuais propósitos simulados da alteração contratual. Essa simples providência poderia reduzir a insegurança jurídica que hoje gravita em torno de muitos contratos e alterações no quadro societário de empresas.

Mais do que isso. Essa e outras medidas simples poderiam colaborar com a efetividade das sentenças e com o enorme esforço que hoje tem empreendido a Justiça do Trabalho na localização de patrimônio de alguns devedores.

Autores

  • Brave

    é Juiz do Trabalho, titular da 2ª Vara do Trabalho de Natal, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!