AP 470

Empate milita em favor do cabimento dos infringentes

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18 de setembro de 2013, 16h05

Em que pese a minha enorme admiração pelo insigne ministro Marco Aurélio, tendo ele, nesta data, por meio de artigo publicado originalmente pelo jornal O Globo e republicado pela revista eletrônica Consultor Jurídico, vindo a público externar sua opinião sobre o cabimento de embargos infringentes na AP 470 (famigerado caso “mensalão”), devo reeditar aqui as razões objetivas, e data maxima venia irrefragáveis, que demonstram estar equivocado o preclaro ministro.

Para logo, cumpre chamar a atenção para o fato de que o ministro Marco Aurélio, ao expor seu entendimento no artigo ora comentado, não deu os fundamentos legais específicos no ponto em questão, tendo-se limitado a negar o cabimento aos embargos infringentes sob a consideração de que houve “a revogação tácita do Regimento, porquanto a Lei 8.038/90, ao disciplinar as ações penais da competência do Supremo e do Superior Tribunal de Justiça, silenciou a respeito da matéria”.

Esse argumento, contudo, não encontra respaldo na lei nem na melhor técnica de interpretação da lei.

O caso trata de ação penal originária. A Lei 8.038/1990, em seu capítulo I, artigos 1º a 12, disciplina as ações penais originárias no âmbito do STJ e do STF.

O artigo 12 desse diploma legal remete expressamente para o Regimento Interno do STF ao dispor que a ação penal será julgada “na forma do regimento interno” do tribunal. Logo, cai por terra o argumento usado pelo ministro Marco Aurélio de que teria ocorrido revogação tácita do Regimento Interno do STF. Ao contrário, exatamente porque o artigo 12 remete para o regimento interno do tribunal, o RI/STF foi preservado subsistente e aplicável tanto naquilo em que não antagoniza com disposições expressas da Lei 8.038/1990 quanto naquilo em que esta lei for omissa.

O próprio artigo 12 manda que o julgamento observe, particularmente, o seguinte: “I – a acusação e a defesa terão, sucessivamente, nessa ordem, prazo de 1h para sustentação oral, assegurado ao assistente 1/4 do tempo da acusação; II – encerrados os debates, o tribunal passará a proferir o julgamento, podendo o Presidente limitar a presença no recinto às partes e seus advogados, ou somente a estes, se o interesse público exigir”. Ora, nenhuma dessas duas determinações afigura-se conflitante com a possibilidade de interposição de embargos infringentes. Portanto, não são incompatíveis com a regra regimental que os admite.

Não fora isso suficiente, o fato de alguém dever ser julgado pelo STF em ação penal originária por determinação de competência absoluta funcional em razão da pessoa (Constituição Federal, artigo 102, I, ‘b’ e ‘c’), não significa que deva ter cortada a garantia constitucional de ampla defesa (Constituição, artigo 5º, LV).

O princípio da isonomia, que determina a igualdade jurídica de todos, sem distinção de qualquer natureza, dadas as mesmas circunstâncias (Constituição, artigo 5°, caput) articula-se com o primado da ampla defesa e do devido processo legal.

A amplitude da defesa ao réu no processo penal deve ser igual para todo réu, independentemente da competência do órgão jurisdicional perante o qual deva correr a ação penal. Ou é assim, ou haverá gradação nos limites da ampla defesa: uma defesa não tão ampla quanto outra implica que o princípio da igualdade não atua como fora concebido, pois haveria distinção entre pessoas sob a mesma circunstância jurídica de estarem sendo processadas pelo cometimento de crimes comuns, de modo que um terá sua defesa mais ampla do que outro, o que constitui fragorosa contradição a abalar os alicerces principiológicos das próprias garantias constitucionais.

Por outro lado, vale trazer à balha, o artigo 96, I, ‘a’, da Constituição Federal confere aos tribunais a competência para elaboração de seus próprios regimentos internos, “com observância das normas de processo e das garantias processuais das partes”. É de sobrelevada importância a correta leitura desse trecho da regra constitucional. Se, de um lado, os tribunais, ao elaborarem seus regimentos internos, devem observar as normas processuais, por outro, devem também, e por maioria de razão, observar as garantias processuais das partes.

Cumpre, então, indagar, que garantias são estas. São as garantias asseguradas no texto constitucional, nomeadamente no artigo 5º da Constituição Federal, a saber: a garantia de igualdade (princípio da isonomia), a garantia do devido processo legal (Constituição Federal, artigo. 5º, LIV), a garantia da ampla defesa (Constituição, artigo. 5º, LV), a garantia do duplo grau de jurisdição (Constituição, artigo 5º, LV, in fine, combinado com os parágrafos 2º e 3º, combinado com CADH, artigo 8º, ‘h’).

Além do mais, a revogação tácita de que fala o ministro Marco Aurélio, seria aquela decorrente da expressão “Revogam-se as disposições em contrário” que abre o artigo 44 da Lei 8.038/1990. Porém, tal expressão não alcança o Regimento Interno do STF exatamente porque o “caput” do artigo 12 da mesma lei remete para o regimento interno a regulamentação da ação penal originária, de modo que não há aí antagonismo a justificar a suposta revogação tácita pretendida, a menos que o ministro Marco Aurélio suponha que o artigo 44 da Lei 8.038/1990 tenha revogado o seu próprio artigo 12, “caput”, o que seria não só um grande absurdo, mas um absurdo delirante, tal a atecnia da suposição.

Então, partindo das premissas postas pelo próprio ordenamento jurídico em vigor, sem que isso signifique qualquer alinhamento ideológico partidário, mas tão somente o compromisso com os princípios regentes de uma verdadeira democracia, e afinamento com os suportes ideológicos que estão na base do estado democrático de direito instaurado pela Constituição Federal, ouso afirmar que o insigne ministro Marco Aurélio, também neste caso está bastante equivocado.

Por fim, como também já manifestei alhures, o só fato de o STF ter-se dividido quanto à questão (5 a 5 é um placar de empate técnico) inculca dúvida razoável sobre o cabimento ou não dos embargos infringentes, dúvida esta com aptidão para dirimir a questão sem mais e independentemente dos fundamentos acima desfiados, a admitir que o voto derradeiro a invoque como pressuposto idôneo e hábil para a intervenção e aplicação do primado aforístico in dubio pro reo.

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