Recursos públicos

É preciso melhorar a política pública via convênios

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18 de setembro de 2013, 6h10

Há muito tempo labutamos na matéria de convênios: tanto no âmbito da advocacia pública, prestando assessoria aos gestores previamente à sua celebração, quanto no magistério, demonstrando aos alunos o quanto é importante socialmente esse instituto.

Convênios, sem maiores tecnicismos, nada mais são do que recursos públicos, geralmente federais, que são transferidos a estados, municípios e entidades privadas sem fins lucrativos.

O atual diploma sobre a matéria, Decreto 6.170, de 2007, assim o conceitua no inciso I do parágrafo 1º de seu artigo 1º: acordo, ajuste ou qualquer outro instrumento que discipline a transferência de recursos financeiros de dotações consignadas nos Orçamentos Fiscal e da Seguridade Social da União e tenha como partícipe, de um lado, órgão ou entidade da administração pública federal, direta ou indireta, e, de outro lado, órgão ou entidade da administração pública estadual, distrital ou municipal, direta ou indireta, ou ainda, entidades privadas sem fins lucrativos, visando a execução de programa de governo, envolvendo a realização de projeto, atividade, serviço, aquisição de bens ou evento de interesse recíproco, em regime de mútua cooperação

Ademais, para deixar o registro técnico, as sucessivas Lei de Diretrizes Orçamentárias vêm diferenciando a nomenclatura quanto aos beneficiários desses recursos: denominando transferências voluntárias quando aqueles são os Estados e Municípios e transferências para o setor privado quando os mesmos forem as entidades privadas sem fins lucrativos.

Mas, nosso objetivo, aqui não é o caráter professoral, senão fazer uma reflexão sobre a importância dos convênios, motivo pelo qual retornaremos à nossa denominação: convênios.

Pois bem, a importância dos convênios é muito grande na estrutura de um Estado Federal, mormente quando a União, no caso brasileiro, tem, desproporcionalmente, mais recursos destinados do orçamento do que os demais Entes políticos.

É justamente o convênio que faz esse equilíbrio federativo, através da transferência desses recursos da União para os estados e municípios, ainda que de maneira voluntária (não obrigacional).

Milhares de municípios brasileiros e milhões de cidadãos dependem diretamente dos recursos públicos que são transferidos através dos convênios, haja vista que a esmagadora maioria dos estados e municípios já tem comprometida sua receita orçamentária com compromissos legais ou contratuais (como pagamento de servidores, de terceirizados, de encargos de dívidas, etc).

Assim, são os convênios decorrentes de transferências federais que possibilitam que investimentos sejam feitos na maioria dos estados e municípios brasileiros, como reforma de escolas, aparelhamento de bibliotecas, construção de cisternas, etc….

O que me causa estranheza, e isso já externalizei em diversos momentos em artigos, palestras e outros eventos públicos, é a imaturidade institucional com que os convênios são tratados.

Primeiramente, pelo próprio âmbito normativo: alguém concebe como razoável que bilhões de recursos públicos, transferidos por convênios, não tenham tratamento posto em uma Lei? Sim! Os convênios não têm uma Lei de regência! De 1996 a 2013, foram conveniados quase 295 bilhões de reais! Dados do site da Transparência Pública.

Na história recente, até 2007, a Instrução Normativa 01 de 1997, da Secretaria do Tesouro Nacional, e, desde aquele ano, o Decreto 6.170, e a Portaria Interministerial 507, de 2011, vêm regulando essa importante e vital forma de transferência de recursos públicos.

Não se quer dizer aqui que essa legislação infralegal é de todo ruim, mas, com certeza, incompleta e não de todo democrática, o que só o processo legislativo garante.

A propósito, o Decreto 6.170, de 2007, teve, no Tribunal de Contas da União o grande propulsor de seus institutos mais transparentes, como a criação do Portal dos Convênios (onde os cidadãos podem acompanhar todo o percurso de um convênio, desde sua celebração, até sua prestação de contas). O Acórdão 2.066, de 2006 – Plenário, ao constatar os mesmos problemas em vários convênios com recursos públicos federais, fez várias recomendações ao Governo Federal, muitas delas implementadas naquele Decreto.

Mas é de extrema urgência que tal instituto passe a ser disciplinado por lei, que tenha o mínimo de estabilidade nos seus requisitos, que tenha mais oportunidades de controle de constitucionalidade, o que só uma lei pode, minimamente, garantir. Ademais, é no Parlamento que ressoa no seu vigor máximo a fiscalização popular.

Alguém poderia dizer: mas os Decretos podem ser suspensos pelo Poder Legislativo, quando exorbitam sua função regulamentadora, nos termos do contido no inciso V do artigo 49, da Constituição Federal. Não adianta, isso não funciona no nosso atual modelo. Ademais, o Pretório Excelso tem entendimento em não admitir o controle de constitucionalidade concentrado em se tratando de Decretos, senão os que se entendam por abstratos.

Mas, enfim, ultrapassando esse ponto e deixando fixada a necessidade de tratamento em lei do instituto dos convênios, outro ponto que tem me deixado perplexo é a imaturidade institucional com que os convênios têm sido tratados.

Veja-se, somente a partir de 2011 ! (acreditem!) passou-se a exigir um processo de seleção de entidades privadas sem fins lucrativos a fim de receberem recursos federais mediante convênios, através de alteração no Decreto 6.170, que lhe foi promovida pelo Decreto 7.568.

Em várias oportunidades profissionais, muito antes de 2011, eu já vinha alertando que era necessário um processo seletivo para que entidades privadas sem fins lucrativos pudessem receber recursos federais via convênios. Isso porque o caput do artigo 37 da Constituição elenca os princípios da impessoalidade e da moralidade como padrões para a Administração Pública. Isso já era mais do que suficiente para realizar-se um processo seletivo, em que as entidades privadas sem fins lucrativos apresentariam seus projetos, e os melhores seriam declarados pelo Estado-concedente, a fim de celebrar os convênios.

Mas muitos diziam-me: o caput do artigo 4º do Decreto 6.170 diz que “poderá” ser feito esse processo, denominado de chamamento público, e não deverá! Caberá ao Gestor decidir se deve fazê-lo ou não!

Ora, é do gestor a missão de optar livremente por destinatários de recursos públicos? Não é o nosso Estado Republicano, pautado pelo mérito e pela impessoalidade? Claro que a Constituição Federal, no seu artigo 37, caput, já exigia isso.

Mas, enfim, a maioria dos gestores optou por realizar tal procedimento, como obrigatório, somente após a alteração do Decreto 6.170. Que força tem um Decreto no Brasil!

Até poderíamos entender não fazer essa seleção de projetos quando o beneficiário fosse estado ou município (em face da unidade do estado), mas quando o destinatário era entidade privada sem fins lucrativos? Inadmissível!

A propósito, quando defendemos que quando o destinatário é estado ou município não se proceda a seleção de projetos é por um motivo simples: são os estados e municípios mais pobres que mais necessitam de recursos federais transferidos por convênios. Como esses Entes poderiam competir com projetos de quilate igual de estados e municípios abastados? Nesse caso, a própria função dos convênios que é unir esforços para a realização de interesse público seria afetada, posto a população mais pobre daqueles estados e municípios carentes ficarem ainda mais pobres, e a população mais abastada de estados e municípios mais dotados de recursos orçamentários ainda mais rica, pois, afinal, apresentariam os melhores projetos.

Mas, com certeza, isso não dispensa, de maneira alguma, a transparência na transferência dos recursos aos estados e municípios, notadamente no cumprimento de dispositivo das leis de diretrizes orçamentárias sucessivas, como constante do artigo 59 da LDO para 2013, Lei 12.708, de 2012:

A execução orçamentária e financeira, no exercício de 2013, das transferências voluntárias de recursos da União, cujos créditos orçamentários não identifiquem nominalmente a localidade beneficiada, inclusive aquelas destinadas genericamente a Estado, fica condicionada à prévia divulgação na internet, pelo concedente, dos critérios de distribuição dos recursos, levando em conta os indicadores socioeconômicos da população beneficiada pela respectiva política pública.

Todavia nossa maior preocupação é quando o beneficiário é entidade privada sem fins lucrativos, objeto dos noticiários nesses últimos dias no país.

O que sói ocorrer é que, até 2011, quando o chamamento público não era obrigatório para a seleção daqueles entidades, a situação era por demais preocupante. Como a escolha acabava, de regra, sendo discricionária do alto escalão ministerial, os mais variados interesses políticos vinham à tona.

Mas não é só isso: se a entidade indicada pelos altos dirigentes fosse capaz de executar o objeto, ainda menos mal. Mas o que pode-se observar, de regra, é que as entidades privadas sem fins lucrativos beneficiárias terceirizavam todo o convênio (quando não faziam 100% faziam 99%!)

Isso tornava o beneficiário dos recursos meramente um repassados dos recursos a outra empresa privada que seria contratada, ainda que por prévia licitação, mas sem nenhuma capacidade de fiscalizaçaão na aplicação dos recursos por parte do beneficiário-convenente, no caso, a entidade privada sem fins lucrativos.

Nesse cenário, ficamos muito assustados com declaração do ministro do Trabalho, Manoel Dias, de que o Ministério do Trabalho não quer mais receber recursos para fazer convênios. Isso, no meu ver de mais de 20 anos de administração pública, é algo que não é, em absoluto, correto. Isso porque não pode o estado desistir de fazer política pública pela razão de haver problemas na sua execução. A ser assim, talvez chegássemos a quase nenhum o número de ministérios.

Essa não é a solução: não pode ser a solução não fomentar educação para o trabalhador dos estados e dos municípios mais pobres. Mesmo os convênios que têm como beneficiários entidades privadas sem fins lucrativos, não devem eles acaber, deve-se, sim, fazer Administração Pública. E isso requer, no meu sentir, algumas providências, ao menos no âmbito dos convênios.

Dessa maneira, para “arrumarmos a casa” dos convênios, devemos seguir alguns passos, que, sem nenhuma pretensão, são exaurientes, mas fruto de minha experiência na área, que, com certeza, no mínimo, muito melhorariam a execução da política pública via convênios federais. Senão vejamos:

1) Devem ser rescindidos os convênios com entidades privadas sem fins lucrativos que não tenham passado por chamamento público. A realidade é que centanas, talvez, milhares, vêm sendo prorrogados há muuuito tempo, e acabam fugindo da obrigação instituída pelo próprio Decreto, em 2011;

2) Previamente à celebração, devem os Gestores atentarem, cuidadosamente, às recomendações feitas pela Advocacia Pública, que tem o dever de exarar parecer jurídico, com base no parágrafo único do artigo 38 da Lei .8666, de 1993. Muitas dessas recomendações, todas previstas em dispositivos normativos vigentes, são, de regra, solenemente, descumpridas pelos gestores, o que, a despeito do caráter não-vinculante desses pareceres, no mínimo maior atenção a eles deveria ser dada. Na maioria dos convênios, recomendações jurídicas são dadas, como melhorar a pesquisa do custo do convênio, adequar a transferência dos recursos à execuão física do convênio, comprovar a qualificação técnica da entidade privada sem fins lucrativos, divulgar os critérios de elegibilidade pelo concedente no início de cada exercício financeiro, necessária consulta a cadastros como CADIN, CAUC, CEIS, etc antes da celebração dos convênios. Isso somente a título de exemplo;

3) Os entes públicos devem dimensionar a sua força de trabalho, a fim de não somente querer celebrar convênios (e tirar fotos no dia da celebração, a fim de atender a interesses políticos tão-somente), mas de poder fiscalizar a execução dos convênios celebrados. Eu digo que mais importante do que celebrar um convênio é fiscalizar a sua execução;

4) Devem-se exigir prestações de contas parciais, não deixando tudo para o final do convênio. Esse procedimento associado à falta de fiscalização do concedente-repassador dos recursos é a “fórmula mágica” para termos recursos repassados e execução descumprida;

5) As prestações de contas devem ser diligentemente analisadas pelos concedentes, devendo pessoal especializado da Administração Federal trabalhar com essa matéria. Dessa análise de prestação de contas do beneficiário dos recursos depende a boa instrução de um processo de tomada de contas especial, o que, um dia, poderá redundar na devolução dos recuros para o concedente, em tendo sido a execução do convênio frustrada;

6) O ajuizamento de ações próprias pela Advocacia Pública, como ação de improbidade administrativa, ação de ressarcimento, bem como representações ao Ministério Público Federal de casos irregulares, para o exercício da devida ação penal, é procedimento que se impõe de maior efetividade prática, a despeito de a Advocacia PúblicaFederal estar se organizando recentemente nesse sentido;

7) A maior fiscalização dos recursos federais repassados pela União pelos Legislativos do Ente público recebedor dos recursos;

8) Concedentes federais que não tenham condições materiais de implementar as recomendações acima deveriam suspender a realização de novos convênios, a fim de centrarem-se exclusivamente na fiscalização dos já vigentes.

Como dissemos, não são, em absoluto, medidas exaurientes, mas medidas da nossa experiência jurídica na área de convênios federais, que devem ser pensadas não só pelos gestores, mas por toda a sociedade brasileira.

Assinale-se que a Advocacia Geral da União tem dado grande contribuição para que os convênios federais sejam levados a contento com efetividade, e observando-se à legalidade. Nesse sentido, existêm Câmaras Permanentes, tanto no âmbito da Consultoria-Geral da União (dirigida para a Administração Direta Federal) quanto na Procuradoria-Geral Federal (afeita à Administração Pública Federal indireta, autarquias e fundações), que fazem modelos de termos de convênios, estudos específicos consubstanciados em pareceres, modelos de listas de verificação prévias à celebração dos convênios, dentre outros procedimentos.

Basta serem essas recomendações postas nos pareceres específicos dos casos específicos, pelos Advogados Públicos Federais, observadas pelos altos gestores públicos federais. A Advocacia Pública Federal tem dado sua notável contribuição ao controle prévio da legalidade para a realização desses ajustes conveniais, tão fundamentais, repetimos, à manutenção do equilíbrio federativo nacional brasileiro.

Dessa forma, não é fugindo-se do problema que ele é resolvido, e, no caso, não é mais não realizando-se novos convênios que serão resolvidos os problemas, haja vista, repetimos, que os convênios são patrimônio do Estado brasileiro, deles depende o equilíbrio federativo.

O que se impõe, com rigor, é fazer o quê deve, sempre deveria ter sido feito: bem administrar a coisa pública !

São os convênios os instrumentos, se adequadamente usados, de maior alcance social a fim de operacionalizar as demandas sociais dos movimentos recentemente deflagrados no nosso País. Não podemos abrir mão deles, temos é de, repito, saber bem administrar a coisa pública.

A sociedade exige!

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