Antígone de Sófocles

Situação de Celso de Mello parece com tragédia grega

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17 de setembro de 2013, 9h00

Em Antígone, de Sófocles, podemos encontrar o rei de Tebas, Creonte, vivendo um dos dilemas mais famosos da literatura clássica: manter ou não a proibição do sepultamento dos restos mortais de Polinice, traidor da pátria, bem como o encarceramento subterrâneo da bela Antígone, que ousou desobedecê-lo; condenações essas que seriam castigadas pelos deuses com a morte do seu único herdeiro vivo, o jovem Hémon.

Naquela obra imortal, depois de alertado pelo velho Tirésias, em famoso trecho que sempre deveria ser citado com destaque em ações rescisórias[1], o rei Creonte vive momentos de indecisão até que resolve por fim ao seu dilema, determinando a libertação de Antígone – noiva do seu filho Hémon – e que fosse erigido um túmulo para honrar os restos mortais de Polinice.

As fúrias, deusas vingadoras, e os próprios deuses, porém, não aceitaram as titubeações de Creonte, e por conta da profanação do cadáver de Polinice e do encarceramento em túmulo da bela Antígone, que se enforcou na sua prisão subterrânea, nada fizeram para impedir que Hémon tirasse a sua vida, sob o olhar aflito de Creonte, com a própria espada paterna. E mais: a esposa do já desgraçado Creonte, ao saber da morte do filho, também se suicida.

Esse intróito é necessário para colocarmos, num ensaio comparatista, os contemporâneos personagens no palco atual: o ministro Celso de Mello, respeitadíssimo – assim como Creonte – decano do  Supremo Tribunal Federal, vivencia, como o rei de Tebas, o dilema jurídico mais palpitante dos últimos tempos. Em suas mãos, em seu decidir, paira o destino de pessoas, sombras dos homens que foram um dia, que como Polinice, traíram sua pátria.

Se decidir sobre o cabimento de embargos infringentes no bojo da Ação Penal nº 470, o ministro Celso de Mello estará honrando a Constituição Federal, preservando seu rebento exarado publicamente em agosto de 2012? Ou estará dando à Carta Magna o mesmo destino da bela Antígone, encarcerando-a viva nos subterrâneos das inúmeras possibilidades recursais, ao mesmo tempo em que deixa insepultos os restos mortais dos homens de outrora?

Os embargos infringentes garantem aos réus um desfecho mais digno aos seus despojos mortais ou prolongarão ainda mais a exposição em praça pública dos cadáveres viventes, sujeitos às aves e cães, que a toda hora arrancam sem misericórdia e abocanham famintos mais um pedaço das carnes já sem vida dos acusados?

Ao que tudo indica e assim antevejo, o ministro Celso de Mello decidirá seu dilema contemporâneo pensando salvar seu querido Hémon, consentindo no cabimento dos embargos infringentes, mas não pestanejará em acatar – também – o encarceramento imediato dos condenados, como pedirá a Procuradoria Geral da República em ato contínuo ao desdobramento da próxima semana.

O dilema de Creonte, vivido pelo ministro Celso de Mello, em verdade não tem solução simples, que reste impune. Qualquer que seja sua decisão, haverá conseqüências graves e inflexivelmente trágicas, pois “não é lícito aos mortais evitar as desgraças que o destino lhes reserva!”.

Penso que mesmo que dê com uma mão (a esperança) e tire com a outra (a liberdade), numa inglória tentativa de agradar tanto aos gregos como aos troianos, o ministro Celso de Mello sofrerá as angústias e o isolamento inerente aqueles que detêm o poder de decidir destinos, vidas.

Como Tirésias, presto atenção nos presságios e busco em oráculos os signos que se anunciam para o futuro: “Mais algum tempo, e angustiosos lamentos de homens e mulheres se ouvirão neste palácio! Contra ti já se erguem as cidades irritadas, cujos altares estão poluídos pelas exalações dos cadáveres que não receberam sepultura…”.


[1] “O erro é comum entre os homens: mas quando aquele que é sensato comete uma falta, é feliz quando pode reparar o mal que praticou, e não permanece renitente.”

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