Aprendizes de feiticeiros

Bancas disputam por assessores de ministros nos EUA

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9 de setembro de 2013, 11h30

O emprego dos sonhos para advogados em início de carreira é o de assessor de ministros da Suprema Corte dos EUA. Não porque é o melhor emprego do mundo. Eles mal duram um ano no cargo, no máximo dois. É porque é um trampolim inigualável para uma carreira meteórica na iniciativa privada. As grandes bancas lhes oferecem mais do que o dobro dos salários de seus chefes, os ministros da corte. E um bônus que já chegou a US$ 300 mil, pago no ato do contrato com o escritório.

No primeiro ano de contrato, o ex-assessor de ministro da Suprema Corte pode receber cerca de US$ 500 mil, somando-se as "luvas" do contrato e salários (mais um ou outro bônus e benefícios). O salário anual de um ministro da Suprema Corte é de US$ 214.969. O do presidente da Suprema Corte é de US$ 224.618. Detalhe: há uma quarentena de dois anos para que o novo advogado contratado possa atuar na Suprema Corte pela banca.

A disputa entre as grandes bancas por um ex-assessor de ministro da Suprema Corte é acirrada, por várias razões. Uma delas é que a oferta é pequena. São apenas 39, por ano. Cada um dos nove ministros em atividade tem quatro assessores e três ministros aposentados têm um cada. Detalhe: o emprego na Suprema Corte é temporário. Cada assessor tem um "mandato" de um ano, apenas em raros casos, dois.

Os assessores de tribunais superiores também são muito bem cotados no mercado, embora em um segundo nível. O bônus para a contratação de um assessor de tribunal superior está em US$ 50 mil. Também são jovens advogados brilhantes, altamente qualificados, para os quais não faltam perspectivas de trabalho. Mas ao fim do mandato, há sempre uma dúvida: aceitar a oferta de uma grande banca ou se tornar assessor de um ministro da Suprema Corte, para valorizar o "passe"? A segunda opção tem preferência, de uma maneira geral.

Aliás, perspectiva de um futuro brilhante não falta para qualquer deles, se forem realmente competentes. Se a oferta fabulosa de uma grande banca não aparecer, o que é pouco provável, eles podem ser recrutados por outros ministros ou podem ir para uma universidade, que estão sempre à espreita, na esperança de contratar algum ex-assessor. Podem, ainda, se efetivar no serviço público, em qualquer órgão do governo.

Alguns saem e voltam à Suprema Corte, um dia. Três dos atuais ministros da Suprema Corte, John Roberts (atual presidente da corte), Stephen Breyer e Elena Kagan, foram assessores da corte no passado, assim como os ex-ministros John Stevens, que se aposentou recentemente, e William Rehnquista, que morreu em 2005.

Explicações para contratações
Por que assessores da Suprema Corte e dos tribunais superiores são tão valorizados no mercado? Algumas publicações, como o The Economist, The New York Times, Above de Law e The Careerist tentaram explicar o fenômeno em reportagens recentes, algumas delas da última semana.

Não é preciso explicar que uma das razões é a competência jurídica dos jovens advogados. Não fosse por isso, sequer teriam conseguido o cargo de assessor nas cortes.

Já do ponto de vista das grandes bancas, há algumas razões. A primeira, é que esses assessores são "insiders" — têm conhecimento privilegiado do funcionamento da Suprema Corte, em suas minúcias, cultura e idiossincrasias. Conhecem bem os ministros, seus pensamentos, suas formas de trabalhar, suas reações e suas tendências jurídicas e políticas. Sabem o que é importante para seus ex-chefes (e têm uma boa noção sobre os demais) em matéria de justificativas jurídicas.

Essa é a boa intenção. Mas há interesses menos técnicos por trás dessas contratações. Por exemplo, uma contratação desse tipo é uma ótima ferramenta de marketing. Ajuda a conquistar clientes. Demandantes e demandados de peso ficam satisfeitos — e certamente mais confiantes — ao saber que a banca dispõe de um ou mais "insiders" da Suprema Corte em seus quadros, que ajudarão seus advogados a trabalhar em seus casos.

O prestígio também se espalha pela comunidade jurídica. Como muitos clientes chegam às bancas por recomendações de outros advogados, de assessores jurídicos ou de qualquer operador do Direito, a notícia de que a banca dispõe de "insiders" em sua equipe cumpre a mesma função.

A contratação também traz prestígio à banca. Há alguns "figurões" da advocacia no mercado que são difíceis de contratar. Afinal, eles não trabalham para qualquer um. Quando ficam sabendo que a banca tem ex-assessores da Suprema Corte e de tribunais superiores em sua equipe, sentem-se mais atraídos pela ideia de fazer parte dela. Uma banca que não está no topo da lista das mais prestigiadas, por sua história, entra nela por seu investimento em ex-assessores da Suprema Corte.

O que faz um assessor?
Na Suprema Corte — e nos tribunais superiores —, eles são Aprendizes de Feiticeiros, de acordo com o título de um livro que o escritor David Weiden dedicou a eles. Provavelmente porque aprendem muito mais do que assessorar ministros da corte, adquirindo um formação que lhes permite fazer algumas mágicas no futuro. Até mesmo alguma espécie de "magia negra", como o documento produzido por John Woo, ex-assessor jurídico do ex-presidente Bush e ex-assessor da Suprema Corte, que "justificou" juridicamente o emprego pelos militares de técnicas cruéis de interrogatório de prisioneiros, que bem podem ser classificadas como tortura.

No dia a dia na corte, eles fazem a maior parte do trabalho dos ministros e influenciam seus pensamentos, diz o New York Times. Fazem recomendações sobre que casos a corte deve decidir ou rejeitar, ajudam a preparar os ministros para a argumentação oral, discutem os casos e escrevem os votos. Ou pelo menos uma primeira versão ou porções do voto.

Cabe aos ministros supervisionar os trabalhos, revisar os textos escritos pelos assessores e editá-los. De acordo com o livro The New Republic, mais da metade dos votos produzidos pela Suprema Corte são inteiramente de autoria de assessores. A ministra Ruth Ginsburg disse, em entrevista recente, que ela faz uma revisão criteriosa e escreve a abertura do texto. "Uma espécie de press release sobre o voto, que descreve a questão e como ela foi resolvida", explicou.

"Criamos uma situação institucional em que damos uma enorme autoridade jurídica a jovens de mais ou menos 26 anos para determinar a redação das decisões e escolher as formas de composição", disse o historiador da Universidade de Cambridge, David. Garrow.

Caminho das pedras
Todos os anos, cada ministro da Suprema Corte dos EUA recebe currículos de cerca de mil candidatos a assessor. Mas o que mais pesa na contratação é o eterno QI — "quem indica". Os "QIs" favoritos dos ministros são membros do Judiciário, notadamente dos tribunais de recursos. Eles mesmos têm seus próprios assessores e sabem quem são os mais apetrechados para seguir para o Olimpo.

A maioria dos favorecidos é indicada por um pequeno grupo de velhas raposas dos tribunais de recursos, já apelidados de "juízes provedores". Eles sabem o que os ministros esperam de um novo assessor e, sobretudo, pertencem à mesma bancada conservadora-republicana ou liberal-democrata do Judiciário, à qual o ministro também pertence. E, geralmente, indica "um dos nossos", com competência para exercer o cargo, em suas funções jurídicas e ideológicas.

O historiador David Garrow diz que o Judiciário, a partir da década de 1980, começou a imitar o Executivo e o Legislativo. As autoridades judiciárias passaram a se cercar de gente com afinidades ideológicas que possam ajudá-los a construir votos e decisões que, afinal de contas, são mais políticos do que jurídicos. Os assessores precisam ter competência para buscar embasamento jurídico para o que, muitas vezes, já está decidido politicamente.

"Chegamos a uma composição da força de trabalho de assessores que se parece com a do Congresso", diz Garrow. "Cada lado escolhe seus puristas ideológicos".

Porém, há exceções à ortodoxia puramente ideológica. O ministro Antonin Scalia costumava — principalmente quando era juiz de um tribunal de recursos, tempos em que tinha mais energia — contratar assessores do campo ideológico adversário. Era uma maneira de avaliar o que o outro lado pensava e como defendia suas posições. E como atacaria os argumentos que ele iria apresentar.

A ministra Elena Kagan também tem suas próprias maquinações para a escolha de assessores. Ela costuma contratar, sistematicamente, candidatos que foram assessores do ministro Anthony Kennedy. Há uma razão estratégica para isso: Kennedy é o fiel da balança na Suprema Corte dos EUA (o "swing justice").

Enquanto quatro ministros conservadores e quatro ministros liberais decidem, costumeiramente, de acordo com suas linhas ideológicas — sabendo-se que, por eles, a votação tende a terminar em quatro a quatro — Kennedy costuma dar mais peso aos aspectos jurídicos dos casos e votar de acordo com a convicção formada. E ele, um conservador, pode votar com os liberais. Elena Kagan quer saber que aspectos jurídicos Kennedy tende a levar em consideração e como forma suas convicções.

Se a atuação desses jovens assessores da Suprema Corte for colocada no contexto da "common law", em que o Judiciário legisla tanto quanto o Legislativo — ou mais, a conclusão é uma só: a formação do arcabouço jurídico dos EUA passa pelas mãos de uma "rapaziada" que está apenas na segunda metade dos 20 anos.

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