Bônus demográfico

Situação cíclica desafia políticas públicas preventivas

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5 de setembro de 2013, 7h00

O IBGE divulgou, dia 29 de agosto, uma pesquisa alertando para a tendência de inversão do bônus demográfico. A queda da fecundidade e o aumento da expectativa de vida vêm provocando um envelhecimento acelerado da população brasileira, representado pela redução da proporção de crianças e jovens e um aumento na proporção de idosos na população. O envelhecimento virá a afetar a razão de dependência da população, que é representada pela proporção entre os segmentos economicamente dependentes (abaixo de 15 e acima de 64 anos de idade) e o segmento etário potencialmente produtivo (15 a 64 anos de idade), ou seja, a parcela da população que, teoricamente, deveria ser sustentada pela parcela economicamente produtiva. Em 2013, cada grupo de 100 indivíduos em idade ativa está tendo que sustentar 46 indivíduos, este número ainda está decrescendo e vai chegar a 43,3 em 2022. Depois, a tendência é que comece a aumentar, chegando a 66, em 2060. O percentual da população com 65 anos ou mais de idade passará de 7,4%, em 2013, para 26,8%, em 2060.

Esta tendência, que sequer começou a se expressar em números, deve ser o argumento ultraliberal para a restrição ainda mais ampla de direitos sociais. Paradoxalmente, porque hoje deveríamos estar nos beneficiando dos efeitos do bônus demográfico, que, para o brasileiro, pouco avanço trouxe, senão que foi desperdiçado por políticas públicas equivocadas.

A transição demográfica é um dos fenômenos estruturais que ameaça os Estados Sociais desde a segunda metade do século passado. Embora se cuide de um fenômeno universal, recebendo o influxo das condições históricas dos diferentes países e regiões, ele se manifesta de formas não lineares e assimétricas. Há uma tendência de ocorrer de forma diferente nos países desenvolvidos, nos países em desenvolvimento e no chamado terceiro mundo.

O que há hoje de relevante na crise financeira do Estado Social é justamente esse fenômeno que afeta mais drasticamente alguns países da Europa, vale dizer, o desequilíbrio na pirâmide etária ou transição demográfica: houve um considerável aumento da expectativa de vida dos indivíduos em detrimento das taxas de natalidade. Tiveram alguns países europeus uma redução drástica na população economicamente ativa (Camada ativa – PIA – composta por pessoas de 16 a 64 anos) e um aumento considerável na população economicamente inativa (idosos com idade acima de 65 anos), de que se ocupa mais de perto a Previdência Social. Esse desequilíbrio afeta sobremaneira a relação receita pública/despesas sociais. Resulta numa espécie de geração sacrificada (dos 20 aos 45 anos), que, estando economicamente ativa, no sistema de seguro social, culmina por pagar a conta da antecessora: os jovens pagam pelo serviço prestado aos idosos.

As razões de dependência demográfica partem do pressuposto de que a população jovem, de 0 a 14 anos, e a idosa, de 65 anos e mais, podem ser consideradas dependentes da população em idade ativa, de 15 a 64 anos. Os países desenvolvidos, desde o final da Segunda Guerra Mundial, precisaram suprir parte das suas necessidades de mão de obra por meio da migração internacional, caso da Itália e da França, por exemplo, em que hoje a população economicamente ativa é menor. Hoje, com crise do Euro isso mudou bastante. Já não há vagas para os nacionais.

O Brasil, atualmente, assim como os países chamados tigres asiáticos, se beneficia do chamado bônus demográfico (menos crianças e idosos, mais jovens economicamente ativos: a pirâmide está em forma de pera). Isso deve perdurar até aproximadamente 2040, quando passaremos a ter uma população idosa maior, com tendência ao desequilíbrio das contas da Previdência.

A situação é cíclica e desafia sempre políticas públicas preventivas. Por exemplo, não adianta ter uma grande população economicamente ativa, como ocorre em alguns países da América Latina, que se beneficiam do bônus demográfico, e não ter políticas econômicas de geração de emprego e de controle de natalidade para prevenir problemas certos no futuro. O que se vai ter é um aumento do quantitativo de desempregados, que, por sua vez, irá onerar o Estado Social. O interessante é que, por ser um fenômeno que não oferece surpresas, pois leva décadas para se consumar, a transição demográfica permite aos Estados planejarem, por meio de políticas públicas, o controle de seus efeitos com muita antecedência.

A nossa transição demográfica necessita ser compreendida e tratada dentro do nosso contexto social. A extensa pauta de mudanças sociais e econômicas que o Brasil definiu, a partir do ideário neoliberal, representa causa e efeito. Paradoxalmente, tanto pode criar possibilidades demográficas que potencializem o crescimento da economia, aumentando o bem-estar social, quanto exacerbar as adversidades econômicas e sociais, ampliando as graves desigualdades sociais que caracterizam a sociedade brasileira.

Os bônus demográficos, no caso do Brasil, estão condicionados pela gravidade do quadro de exclusão social. Isso fica evidente quando se constata que a maioria da população jovem, no Brasil, é pobre e que os índices de desemprego já estão perto de 10%. Deve-se lembrar que os países desenvolvidos, quando enfrentaram a transição demográfica, tinham uma economia com crescimento sustentado e, sobretudo, um Estado do Bem-Estar Social devidamente consolidado. O Brasil, ao invés, não tem registrado taxas satisfatórias de crescimento da sua economia, mas se apressa em reformar seu sistema de Seguridade Social, que está muito distante dos padrões dos países desenvolvidos, embora seja utópica uma comparação para fins de definição de prestações sociais.

O desafio crucial para as políticas públicas é de dupla contingência: projetar a situação tanto dos jovens como dos idosos. Se levarmos em conta que os idosos tiveram um incremento de renda a partir da Constituição de 1988, com a Aposentadoria Rural e Benefício Assistencial (PPC), que constituem políticas de transferência de renda, de fato devemos nos preocupar com a perspectiva de insustentabilidade que o futuro apresenta, sem uma alternativa séria de custeio. É fundamental, para equacionarmos a questão dos idosos, uma rigorosa política de investimentos de curto e médio prazo na população jovem pobre, com o objetivo não só de garantir sua dignidade atual, mas, sobretudo, para projetar as condições de mobilidade e definitiva inclusão social, como garantia de um futuro melhor, francamente condicionado às possibilidades criadas pelo crescimento da economia, principalmente a geração de mais empregos e ocupações que aumentem o número de contribuintes.

Ninguém duvida que o sistema de Previdência Social, no qual, em princípio, haveria uma contrapartida adequada da parte dos futuros beneficiários, precisa estar sintonizado com a emergência no novo padrão demográfico, sob pena de implodir. A situação demográfica hoje é favorável, o número de contribuintes potenciais é, dizem os economistas, quase dez vezes maior do que o de idosos. A dificuldade, então, não se verifica, no atual estágio, na existência de uma geração sacrificada, como disse Rosanvallon, mas, sim, na maioria da população jovem (PIA) que, à míngua de oportunidades de emprego e incentivo, não contribui, produzindo uma situação de autoinsustentabilidade.

A informalidade é um problema prioritário, que deve atacado antes do enxugamento da Previdência. De fato, os últimos censos mostram uma relação entre população ocupada e população contribuinte muito desfavorável à política previdenciária: perto da metade dos ocupados não contribui para a Previdência, gerando um profundo desequilíbrio atuarial. Nós sabemos que a maioria da massa trabalhadora brasileira não tem carteira de trabalho assinada. Perto de 45% das pessoas em idade economicamente ativa não possui carteira assinada ou trabalha por conta própria, na informalidade. Temos cerca de 11 milhões de pessoas trabalhando na informalidade. De cada 10 (dez) novos empregos gerados nos últimos 14 anos, 7 (sete) são informais (Organização Internacional do Trabalho – OIT). Micro e pequenas empresas têm 12,5% de empregados informais e 10,9% dos empregadores são informais, segundo dados do SEBRAE.

Parece evidente, ademais, que qualquer compromisso com a redução das desigualdades sociais passa, obrigatoriamente, pela implementação de políticas públicas que traduzam ações efetivas de esclarecimento e apoio às populações mais pobres e, portanto, em tese, menos esclarecidas, para que tenham condições de regular seus níveis de fecundidade.

Equacionar o sistema de previdência social, sem que o país tenha implantado um verdadeiro Estado do Bem-Estar Social é um desafio para as políticas que visem a incrementar os objetivos do Estado Democrático de Direito com a justiça social, a redução das desigualdades e o desenvolvimento econômico, sob pena de as oportunidades demográficas, que ainda nos são favoráveis, continuarem a ser desperdiçadas.

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