Repasse de verbas

Congresso Nacional sepultou o orçamento impositivo

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5 de setembro de 2013, 7h03

O direito financeiro, pai ultrapassado pelo filho rico, o direito tributário, está na crista da onda. Salvo raras exceções, como a coluna dos professores José Maurício Conti e Fernando Facury Scaff, poucos são os fóruns de discussão deste ramo jurídico tão fundamental.

Basta pontuar que toda a onda de protestos das chamadas “Jornadas de Junho” perpassa, obrigatoriamente, pelas discussões relativas ao orçamento público e ao planejamento orçamentário.

Passa despercebido que toda e qualquer efetivação de direitos pelo Estado, como no caso das políticas publicas, depende deste esquecido ramo jurídico já que, via de regra, todas as despesas devem ser incluídas no orçamento anual.

No dia 27 de agosto, aprovou-se na Câmara dos Deputados o Substitutivo 1 da PEC 565/06 de autoria do Deputado Edio Lopes (PMDB/PR). Tal proposta instalará na República a obrigatoriedade do repasse das verbas destinadas às denominadas emendas parlamentares individuais, previstas na Resolução 1/2006 do Congresso Nacional[1].

A proposta pretende tornar obrigatória a execução financeira da programação incluída na lei orçamentária anual a título de emendas parlamentares individuais, de forma isonômica, nos termos do regimento comum do Congresso Nacional.

O valor de tais emendas será correspondente à de 1% do montante de receita corrente líquida realizada no exercício anterior, entendida a receita corrente líquida como o somatório das receitas tributárias, de contribuições, patrimoniais, industriais, agropecuárias, de serviços, transferências correntes e outras receitas também correntes, ou seja, usuais, deduzidos os valores correspondentes aos repasses considerados obrigatórios pela Constituição.

Para ser ter noção da magnitude dos valores, em sendo concretizada no ano de 2014 a proposta aprovada pela Câmara dos Deputados os parlamentares brasileiros terão ao seu dispor no exercício financeiro de 2015 a quantia de R$ 6,5 bilhões de reais (1% da Receita Corrente Líquida prevista no Projeto da Lei Orçamentária do ano de 2014), o que implica num repasse de R$ 11,4 milhões para cada integrante do congresso a título de emenda parlamentar.

A mídia fala em orçamento impositivo. Há um equívoco de ordem técnica, pois o orçamento não se tornará impositivo. Somente os repasses para as emendas parlamentares individuais é que o serão.

Sucintamente, é possível extrair três concepções clássicas da lei orçamentária que consideram: i) lei em sentido formal, ou o que seria o orçamento meramente autorizativo, considerado inconstitucional pela consultoria da Câmara dos Deputados; ii) lei em sentido material, o que tornaria, via de regra, obrigatória as suas disposições; ou iii) lei em relação à receita, obrigando a sua ocorrência, e ato administrativo no tocante à despesa, ou seja, somente autorização para as despesas.

O cerne do problema é a arbitrariedade e obscuridade com a qual os contingenciamentos, medida de programação financeira pela qual se deixa de realizar algum gasto público, ocorrem na realidade brasileira[2]. Além disso, associa-se o fato de que tais medidas ocorrem em áreas sensíveis à população que mais necessita, como educação e saúde.

O orçamento impositivo é, em síntese, a vigência da obrigatoriedade da execução de todas as despesas previstas na lei orçamentária anual que foram, por óbvio, aprovadas democraticamente pelo Legislativo.

Em sendo instituído o denominado orçamento impositivo não seriam permitidos os incontáveis e indiscriminados contigenciamentos. Lembrando-se que em tempos de crise econômica permanente tal prática contábil é extremamente útil, desde que em padrões razoáveis e de forma justificada.

A discricionariedade deve ser ampla na fase do planejamento, atividade prevista constitucionalmente[3], mas mínima na fase de execução já que a realização do planejamento depende da previsão e execução orçamentária, ainda que parcial[4].

Na realidade, caso se desejasse um orçamento impositivo, não seria necessária qualquer emenda constitucional, como há muito defende uma pequena parcela dos estudiosos do direito financeiro. Seria necessária, tão somente, uma mudança na concepção do que é a lei orçamentária.

Considerando que a lei orçamentária é uma lei no sentido material, Régis Fernandes de Oliveira defende que “não pode o Chefe do Executivo contingenciá-lo, uma vez que apenas poderá fazê-lo no caso de não haver realização das receitas. Se o montante das receitas equivale ao das despesas previstas, o cumprimento exato do orçamento torna-se obrigatório” (Curso de Direito Financeiro. 5 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 416).

O interessante é que na redação original da PEC 565/06, de autoria do hoje presidente do Senado Renan Calheiros, tinha-se a proposição de orçamento impositivo de fato, com o contigenciamento ocorrendo somente de maneira democrática.

A proposta primitiva estabelecia que a programação constante da lei orçamentária anual seria de execução obrigatória, excetuando-se os casos de solicitação do Presidente aprovada pelo Congresso para o contigenciamento.

No horizonte do planalto central não se vislumbra o orçamento impositivo, mas, tão somente, a obrigatoriedade do repasse de verbas para as chamadas emendas parlamentares individuais.

Os descaminhos do Congresso Nacional sepultaram, ao menos momentaneamente, o chamado orçamento impositivo.


[1] Resolução n° 1/2006, do Congresso Nacional:

(…)

Art. 49. Cada parlamentar poderá apresentar até 25 (vinte e cinco) emendas ao projeto, cabendo ao Parecer Preliminar fixar o valor total do conjunto das emendas a serem apresentadas, por mandato parlamentar, nos termos do art. 52, II, i.

Art. 50. As emendas individuais:

I – que destinarem recursos a entidades de direito público, deverão observar a programação passível de ser objeto de emendas, definida pelo Parecer Preliminar;

II – que destinarem recursos a entidades privadas, deverão observar a programação passível de ser objeto de emendas, definida no Parecer Preliminar e, cumulativamente:

a) atender às disposições contidas na lei de diretrizes orçamentárias;

b) estipular as metas que a entidade beneficiária deverá cumprir, demonstrando a sua compatibilidade com o valor da emenda;

c) identificar a entidade beneficiada, seu endereço e o nome dos responsáveis pela direção;

III – deverão, no caso de projetos, resultar, em seu conjunto, em dotação suficiente para conclusão da obra ou da etapa do cronograma de execução a que se refere.

Parágrafo único. O Parecer Preliminar especificará os elementos que deverão constar da justificativa das emendas individuais.

[2] BUCCI, Maria Paula Dallari. O governo como instituição jurídica. Fundamentos para um método de análise jurídica de políticas públicas. 2011. 236 f. Tese de livre-docência. Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2011, p. 191.

[3] “Art. 174. Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado.

§ 1º – A lei estabelecerá as diretrizes e bases do planejamento do desenvolvimento nacional equilibrado, o qual incorporará e compatibilizará os planos nacionais e regionais de desenvolvimento.”

[4] BERCOVICI, Gilberto. Desigualdades regionais, Estado e Constituição. São Paulo: Max Limonad, 2003, p. 206.

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