AP 470

Revisor diz que STF agravou penas para evitar prescrição

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5 de setembro de 2013, 19h11

A pena fixada pelo Supremo Tribunal Federal para condenar oito réus na Ação Penal 470, o processo do mensalão, pelo crime de formação de quadrilha, foi aumentada de forma desproporcional com o objetivo de evitar a prescrição e garantir que, somada a outras condenações, alguns deles tivessem de cumprir pena em regime inicial fechado. Foi o que voltou a afirmar, nesta quinta-feira (5/9), no plenário do STF, o ministro Ricardo Lewandowski: “Claro que isso aqui foi para superar a prescrição, impondo regime fechado. É a única explicação que eu encontro”.

O ministro apresentou uma tabela para comprovar seu ponto de vista (veja abaixo). Pelos dados, enquanto para o crime de corrupção ativa a pena base fixada para José Dirceu e Delúbio Soares foi agravada em 20%, para condená-los por formação de quadrilha os ministros aumentaram a pena em 75% e 63%, respectivamente. O mesmo, segundo o ministro, aconteceu com José Genoíno, que teve a pena agravada em 15% na condenação de corrupção ativa e 63% para quadrilha.

A mesma coisa aconteceu com os réus Kátia Rabello, José Roberto Salgado, Cristiano Paz, Ramon Hollerbach e Marcos Valério: foram aplicadas agravantes mais baixas para outros crimes e bastante altas para a formação de quadrilha — clique aqui para ver as tabelas compostas pelo ministro Lewandowski. Outros três ministros também votaram por alterar a pena dos oitos réus: Teori Zavascki, Dias Toffoli e Marco Aurélio. Mas ficaram vencidos pela maioria, que manteve as penas.

Na sessão desta quinta, o Supremo concluiu o julgamento dos Embargos de Declaração. E está julgando o cabimento de Embargos Infringentes, que, na prática, pode garantir um novo julgamento para 11 réus, 12 se considerado o caso de Simone Vasconcelos, que, embora condenada pelo crime de formação quadrilha, foi beneficiada com a prescrição. Em tese, a ré condenada poderia pedir para ter a inocência, neste delito, reconhecida.

O STF rejeitou também nesta quinta a tese divergente trazida no dia anterior pelo ministro Teori Zavascki, que propôs a redução de penas de todos os réus condenados por formação de quadrilha. O ministro retificou o voto na quarta-feira, depois que o Plenário reduziu a pena do réu Breno Fischberg, por reconhecer um erro de cálculo na dosimetria da pena do ex proprietário da corretora de valores Bônus Banval. 

O ministro Teori Zavascki afirmou que, até aquele momento, entendia que a corte trabalhava com um conceito mais restrito de Embargos de Declaração e por isso rejeitou os pedidos de reformulação das penas sob a justificativa de que aquele não era o meio processual adequado. Porém, frente ao entendimento do colegiado no caso de Breno Fischberg, o ministro disse sentir-se compelido a estender o entendimento às condenações por quadrilha já que as penas estabelecidas para réus diversos, condenados pelos mesmos crimes, estavam discrepantes entre si.

Apenas outros três ministros acompanharam Zavascki nesta quinta, mudando seus votos ao reduzir as penas dos oito réus, entre eles José Dirceu. Restaram vencidos, dessa forma, Ricardo Lewandowski, Teori Zavascki, Dias Toffoli e Marco Aurélio. 

Contradição por comparação
Quem se beneficiou de uma revisão de julgamento foi o ex-assessor do extinto PP, João Cláudio Genú. Depois de dois pedidos de vista (o primeiro por Luís Roberto Barroso há uma semana, e o segundo por Luiz Fux nesta quarta), o Plenário adotou a tese divergente proposta pelo segundo a partir de colocações do ministro Ricardo Lewandowski, que alertara para o fato de Genú ter sido punido com pena mais grave do que seus mandantes.

Barroso votou, desse modo, para que a pena de Genú fosse reduzida de cinco para quatro anos de prisão, o que abre a possibilidade de ser convertida em prestação de serviços comunitários ou ainda em prisão domiciliar. Restaram vencidos o presidente da corte e relator do processo, ministro Joaquim Barbosa, e Luiz Fux. A ministra Rosa Weber também restou vencida isoladamente, porque acolheu o pedido de redução de pena, mas por meio de Habeas Corpus de ofício e não por embargo.

Fux justificou a negativa em acolher o recurso por entender que a discrepância entre as penas dos corruptores (parlamentares do PP) e seu funcionário (o assessor) é, de fato, o que chamou de “contradição por comparação” e não um equívoco de julgamento em si. “Não é erro judiciário, não é injustiça, é uma conclusão do grupo incumbido de julgar”, disse. O ministro rejeitou ainda o argumento de que a pena maior de João Cláudio Genú ofendia o argumento constitucional da isonomia.

Para tanto, Fux embasou sua conclusão em referências à doutrina germânica e  americana, mais especificamente em decisões do Senado alemão e em pareceres de acadêmicos e juristas norte-americanos. De acordo com Fux, a doutrina estrangeira rejeita o conserto de um suposto equívoco legal por meio de outro equívoco, isto é, não se pode, a pretexto de garantir a isonomia, o Estado corrigir uma decisão colegiada arbitrariamente, observou. Para o ministro, o resultado do julgamento expressa “o todo dos votos”, dos ministros, não configurando, portanto, um equívoco.

Luís Roberto Barroso disse, contudo, que a contradição que o convenceu a votar pela redução de pena de Genú não foi o princípio da isonomia, mas o fato da culpabilidade do réu ter sido reconhecida, de forma unânime, ser menor do que dos demais corréus. Barroso lembrou que Genú foi ainda beneficiado com atenuantes, mas, mesmo assim, teve a pena fixada em uma margem maior.

O ministro Teori Zavascki, a exemplo  do julgamento desta quarta, acolheu o voto de Barroso, mas estendeu seu efeitos ao caso de outro réu, Jacinto Lamas, assessor do PL. Enquanto o presidente do partido, deputado Waldemar Costa Neto teve a pena base agravada em virtude da continuidade delitiva em um terço da pena, Lamas, que seguia ordens, viu sua pena crescer em dois terços, observou Zavascki.

Barroso, porém, disse que não via semelhança entre a situação de Genú  e Lamas, porque, no segundo caso, a despeito da desproporção no cálculo, o réu ficou com uma pena menor do que a do dirigente do partido.

Referindo-se tanto ao caso de Genú quanto às condenações por quadrilha, o ministro Luiz Fux disse que, a despeito de corrigir supostas discrepâncias,  o Plenário da corte corria o risco de anular o princípio do colegiado. 

“Temos que ter cuidado para que o voto vencido não acabe fixando a pena, a despeito de ter prevalecido o voto do relator”, disse Fux. Ao que o ministro Gilmar Mendes respondeu: “É o que vai acabar acontecendo”.

Constrangida
Os ministros também rejeitaram os recursos do advogado Rogério Tolentino, o último réu a ter os Embargos de Declaração analisados pela corte no julgamento do processo do mensalão. Por seis votos a cinco, o Plenário manteve a pena de seis anos e dois meses de prisão, além de multa de R$ 494 mil, pelos crimes de corrupção ativa e lavagem de dinheiro.

O ministro Ricardo Lewandowski foi quem abriu a divergência ao acolher o argumento da defesa de Tolentino, que sustentava  que os parlamentares corrompidos foram condenados com base na legislação mais branda enquanto Tolentino teve sua pena estabelecida de acordo com a lei mais severa, que entrou em vigor depois de novembro de 2003. Lewandowski conseguiu convencer o decano do tribunal, Celso de Mello e os ministros Teori Zavaski, Dias Toffoli e Marco Aurélio. Mas a maioria dos ministros acompanhou o relator, ministro Joaquim Barbosa.

A ministra Rosa Weber disse que, não só não via uma situação de manifesta ilegalidade no caso de Tolentino, como se sentiria desconfortável se o tribunal  procedesse “com toda uma outra dosimetria”. Weber observou que algumas das correções sugeridas nos embargos vinham, de fato, ao encontro de alguns de seus votos que acabaram vencidos, mas que “ficaria constrangida se de vencida se tornasse vencedora” por meio da análise de um recurso processualmente limitado, como são os Embargos de Declaração.

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