Invenção judicial

Prisão domiciliar restringe visita de advogado

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4 de setembro de 2013, 7h19

A prisão domiciliar de um acusado pode ser pior do que a cadeia. Pelo menos é o que mostrou o Tribunal de Justiça do Espírito Santo ao agravar as restrições ao pastor Gedelti Gueiros, líder da Igreja Cristã Maranata. Preso em sua casa há dois meses, o pastor, de 82 anos, está impedido de receber visitas, usar o telefone ou a internet e de conversar com seus advogados, "graças" a decisão do TJ que concedeu parcialmente Habeas Corpus pedido pela defesa. Para falar com seu cliente, os advogados dependem de uma agenda ainda a ser feita pelo juiz do caso — o que não ocorreria se Gueiros estivesse em uma detenção. A decisão foi contestada em recurso levado pela defesa de Gueiros ao Superior Tribunal de Justiça, ainda não julgado.

O caso está desde o dia 16 de agosto sob relatoria da ministra Assusete Magalhães, da 6ª Turma do STJ. O processo foi enviado ao gabinete da ministra por prevenção, já que ela foi relatora de outro caso envolvendo um membro da igreja. Desde o dia 21 de agosto, o processo está concluso para que a ministra decida sobre o pedido de liminar.

O pastor teve a prisão preventiva decretada com a justificativa de que tentou coagir testemunhas e que descumpriu medidas restritivas impostas pela Justiça no curso das investigações. Ele responde a duas denúncias por desvio de dinheiro da igreja, uma por estelionato e formação de quadrilha, ajuizada em maio, e outra por coação de testemunhas, de julho. Apenas a primeira já foi recebida pela Justiça. A segunda foi motivada pelo fato de a igreja ter processado testemunhas que denunciaram o pastor.

As testemunhas que sofreram processo cível ou criminal disseram ao Ministério Público que se sentiam ameaçadas. O MP entendeu que o mero fato de se processar civilmente e criminalmente as testemunhas que depuseram na investigação era uma tentativa de ameaça. Segundo essa segunda denúncia, a alteração do depoimento de algumas testemunhas teria ocorrido devido a coação, sem se explicar o teor dessas coações. O relato do MP dá conta de uma testemunha que, hospitalizada, teria recebido uma visita de um pastor da igreja — que é médico — e, em decorrência dessa visita, teria se sentido intimidada. Em todos os casos, porém, não se atribuem as denúncias a qualquer conduta direta do pastor, senão a outras pessoas. Segundo o MP, como presidente da igreja, Gueiros deveria ter o conhecimento de tudo isso. 

A alegação de que Gedelti Gueiros tentou coagir testemunhas já havia motivado sua prisão em 8 de março. Mas a ordem de prisão foi revogada pelo Juízo da Vara Central de Inquéritos de Vitória em 20 de março. O juiz entendeu que a prisão não era mais necessária, porque o período de prisão tinha sido suficiente para a “restauração do bom andamento do feito”. Portanto, quando a denúncia foi recebida, o juiz Ivan Costa Freitas, da 8ª Vara Criminal de Vitória, usou um fundamento que já havia sido superado pela Justiça meses antes para decretar novamente a prisão preventiva.

Outra justificativa para a prisão, a de descumprimento de medidas cautelares, também não foi comprovada. Uma das medidas impostas ao pastor no processo foi a de que ele fosse afastado das atividades de direção da igreja, o que ocorreu, e que não comparecesse aos locais onde fossem exercidos atos de administração da igreja. A decisão, de novembro do ano passado, ressalvou de modo expresso que a proibição não compreendia o acesso a locais próprios de culto, ensino e de retiro religioso, chamados de Maanains. Depois, em 24 de abril, a decisão foi revogada, o que permitiu que o pastor frequentasse até mesmo o centro administrativo e eclesiástico da igreja. O juiz da Vara Central permitiu que Gueiros pudesse se reunir com outros membros do conselho no chamado "Presbitério", para fins eclesiásticos. Ou seja, ao entender que, ao frequentar o "Presbitério", o pastor descumpria decisão judicial anterior, o juiz da 8ª Vara, que julgava a denúncia, ignorou o que disse a decisão a que se referiu.

Mas a nova decisão de prender Gedelti Gueiros trouxe como um de seus fundamentos o fato de que o pastor continuava a frequentar os Maanains, o que caracterizaria desobediência às restrições judiciais. O argumento não leva em consideração o fato de que o pastor nunca foi proibido de frequentar os retiros da igreja. Além disso, o juiz da 8ª Vara Criminal de Vitória ignorou a regra que manda o réu ser ouvido antes de tomar medidas cautelares e determinou a prisão depois de mais de 40 dias do pedido feito pelo Ministério Público capixaba, o que, segundo a defesa, revela a inexistência de urgência da medida ou o risco de sua ineficácia. 

O parágrafo 3º do artigo 282 do Código de Processo Penal é claro ao dispor que “ressalvados os casos de urgência ou de perigo de ineficácia da medida, o juiz, ao receber o pedido de medida cautelar, determinará a intimação da parte contrária, acompanhada de cópia do requerimento e das peças necessárias, permanecendo os autos em juízo”. Em resumo, foi negado ao pastor o direito ao contraditório exigido pela lei. 

Por conta disso, os advogados Fabrício Campos, Conceição Aparecida Giori e Joaquim Pedro de Medeiros Rodrigues, que representam o pastor, impetraram pedido de Habeas Corpus no Tribunal de Justiça do Espírito Santo. Mas os desembargadores da 2ª Câmara Criminal do tribunal rejeitaram o pedido sem enfrentar os argumentos de defesa. Em vez de analisar se o juiz pode ou não ignorar a existência do contraditório prévio e afastá-lo tacitamente, os desembargadores buscaram justificar os atos do juiz.

Para o colegiado, embora não se possa negar que o juiz cometeu erros, também não se poderia ignorar a nova denúncia contra o réu, dessa vez por coação de testemunhas. Acontece que a denúncia sequer foi recebida, ou seja, não foi analisada em primeiro grau nem mesmo sobre sua viabilidade. 

Ao determinar a manutenção da prisão, os desembargadores também inovaram, ao cumular com a privação de liberdade medidas chamadas pela própria lei de “alternativas”. Impuseram uma série de medidas que tornaram a prisão domiciliar mais rigorosa do que se o pastor estivesse detido em um presídio. Gueiros foi proibido de receber, sem permissão judicial, quaisquer visitas, inclusive de seus familiares próximos, e de usar o telefone ou a internet. Sua esposa, que mora na casa, também não pode receber visitas ou usar o telefone e a internet. Além disso, o acórdão do TJ capixaba fixa que a visita de seus advogados tem de ser regulamentada pelo juiz da 8ª Vara Criminal de Vitória, a quem cabe estabelecer os horários e dias em que podem visitar seus clientes. Ou seja, não havendo regulamentação, os advogados não podem ter acesso ao cliente. 

No STJ, os advogados aguardam o julgamento do pedido de liminar em HC até o fim desta semana. Caso isso não ocorra, pretendem entrar com pedido semelhante no Supremo Tribunal Federal, requerendo a extensão dos efeitos de liminar concedida pela corte suprema a outro acusado pelo mesmo caso. 

No caso de outro pastor preso graças ao mesmo decreto de prisão que determinou o encarceramento de Gueiros, o ministro Gilson Dipp, no exercício da Presidência do STJ, havia negado a liminar, que foi concedida mais tarde pelo ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo. O ministro registrou que, de acordo com a jurisprudência do STF, a prisão, antes da condenação definitiva, deve ser fundada em evidentes indícios da materialidade do crime e de autoria, “sob pena de mostrar-se ilegal”. Segundo Lewandowski, a ordem de prisão do juiz Ivan Costa Freitas “baseou-se, especialmente, na gravidade em abstrato dos delitos supostamente praticados e na comoção social por eles provocada”. E concluiu que isso provocava “constrangimento ilegal” ao acusado.

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