Direito empresarial

Aferição de contratos pelo MP desvirtua propósitos

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3 de setembro de 2013, 7h00

Pulsam no meio jurídico as discussões em torno do novo código comercial brasileiro.

A reformulação da legislação do direito empresarial está tramitando na Câmara dos Deputados, através do Projeto de Lei 1.572/11, de assinatura do deputado federal Vicente Cândido do PT/SP. O Projeto foi todo construído pelo renomado professor doutor Fábio Ulhoa Coelho, e tem por finalidade a criação de um novo Código Comercial Brasileiro.

O projeto possui tanta importância que tramita a passos largos em Brasília conjuntamente com o projeto do Código de Processo Civil, o que implicou no congelamento da tramitação do novo Código de Processo Penal em razão da limitação prevista no regimento interno da Câmara dos Deputados, que permite a análise conjunta de apenas dois projetos de códigos.

No Senado Federal, paralelamente ao Projeto da Câmara, já se instalou uma comissão de juristas para a elaboração de um anteprojeto, também sob relatoria de Fábio Ulhoa Coelho, o que indica uma definição mais rápida das discussões e votações.

É neste contexto que se discute a viabilidade (ou talvez a necessidade) de se criar um novo Código Comercial Brasileiro. Longe de ser uma unanimidade, o que não se poderia esperar diante da importância do tema para um país que experimenta o capitalismo há pouco mais de 20 anos, parece que os críticos ao projeto de Fábio Ulhoa Coelho têm razões suficientes para a contundência das críticas.

Segundo a exposição de motivos do Projeto, os objetivos do novo Código são “reunir num único diploma legal, com sistematicidade e técnica, os princípios e regras próprios do Direito Comercial”, “simplificar as normas sobre a atividade econômica, facilitando o cotidiano dos empresários”, bem como eliminar lacunas quanto à “inexistência de preceitos legais que confiram inquestionável validade, eficácia e executoriedade à documentação eletrônica, possibilitando ao empresário que elimine toneladas de papel”, de modo que o Projeto – diz a exposição de motivos – justifica-se “também sob o ponto de vista da sustentabilidade ambiental” (sic).

O professor Alfredo Lazzareschi Neto[1] ponteia as críticas no centro do país, e de maneira clara e objetiva diz que “o projeto, além de conter inúmeras deficiências, não consegue satisfazer nenhum daqueles objetivos”.

Afirma ele que “a ausência de regramento para várias espécies de contratos empresariais relevantes, já que o projeto não tratou da alienação fiduciária em garantia, concessão comercial, arrendamento mercantil, faturização, fiança e penhor mercantil, abertura de crédito, conta corrente, financiamento à exportação, cartão de crédito, contrato de câmbio, construção por encomenda (built to suit), dentre outros”.

Outro ponto destacado pelo professor Alfredo Lazzareschi Neto é que apesar de anunciar a unificação do regime de títulos de crédito, “o projeto surpreendentemente não cuida do cheque, das cédulas de crédito rural, comercial e industrial, da cédula de crédito à exportação, certificado de depósito agropecuário, da cédula de crédito bancário, da cédula de crédito imobiliário, etc.".

De fato, a ausência de regramentos específicos no “novo código” para atividades comerciais/empresariais tão corriqueiras dá azo a tão pesadas críticas que vem sofrendo o projeto.

Algumas alterações implicam em uma mudança substancial nas relações entre os sócios de uma Sociedade por Quotas de Responsabilidade Limitada. A estipulação de quórum único de deliberação – por maioria simples – é um exemplo. A estipulação de um quorum único traria um poder exacerbado para o sócio majoritário. As principais alterações do contrato social ficariam sujeitas a vontade deste. 

Como não há disposição expressa no projeto de que o contrato social poderia estabelecer quórum inferior, a concentração do poder sepultará as sociedades limitadas de propósito específico, nas quais o sócio minoritário é quem desenvolve a atividade econômica e administra a sociedade, enquanto ao sócio majoritário cumpriria, apenas, o aporte de capital. 

O projeto traz, ainda, uma inovação que pode abalar as relações comerciais/empresariais. Pasmem: o Ministério Público teria a legitimidade para requerer a anulação de um contrato privado por “descumprimento da função social”.

Salvo melhor juízo, ao Ministério Público não se deve conceder o poder de zelar pelo adequado exercício da liberdade de contratar, sob pena de afronta ao artigo 127 da CF/88 que prevê as atribuições do Ministério Público. Vejam que dentre elas não está a vigilância do exercício da autonomia privada.

O projeto permite que o Ministério Público intervenha em direitos fundamentais como, por exemplo, o da liberdade de contratar, o da autodeterminação ou o do livre exercício de atividade econômica. O Ministério Público já goza de amplos poderes para o exercício de suas prerrogativas. Estender seu alcance à aferição da função social de contratos eminentemente empresariais seria desvirtuar seus propósitos e a própria noção de função social do contrato.

Ora, a segurança jurídica e construção de uma tradição jurídica são tarefas da jurisprudência e não do Ministério Público. É inquestionável que estas alterações e inovações parecem estar totalmente dissociadas da realidade da sociedade brasileira, afetando a tão sonhada segurança jurídica, verdadeiro pilar do desenvolvimento econômico e social de uma sociedade capitalista.

Também preocupa o fato de o projeto estar sendo dirigido por apenas uma pessoa sem que as classes mais interessadas tenham sido convidadas para debate.  Nem o gênio Miguel Reale se sentiu capaz de fazer um código sozinho, tendo composto notável comissão por nomes como Moreira Alves, Agostinho Alvim, Sylvio Marcondes, Clóvis do Couto e Silva, Ebert Chamoun e Torquato Castro.

A ausência de um anteprojeto, sem espaço para que as classes interessadas pudessem dizer suas angústias e opinar sobre as soluções dadas, faz cair por terra as alegadas preocupações com o empresariado e fomento do setor econômico. Ademais, “abrir novas empresas é uma questão burocrática que um Código Comercial isoladamente não resolve porque há inúmeros outros interesses envolvidos que dizem respeito, sobretudo, a questões fiscais, licenças administrativas e assim por diante[2]”.

Diante do dinamismo empresarial, parece óbvia a necessidade de readequar as normas do Direito brasileiro à realidade das atividades empresariais atuais. O simples fato de se discutir a conveniência da criação de um novo código colocou em pauta, salutarmente, o Direito Empresarial brasileiro.

O que todos compartilham é a necessidade de modernização e desburocratização da legislação empresarial. Em meio a essa efervescência de discussões entre os movimentos legislativo, acadêmico e da sociedade organizada espera-se o surgimento de adequadas soluções e evoluções para o nosso ordenamento jurídico.

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