Valorização da magistratura

Uma sociedade justa precisa de juízes valorizados

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1 de setembro de 2013, 7h20

Em um programa jornalístico da televisão aberta, em agosto de 2013, o apresentador fez uma crítica aos juízes, afirmando que soltamos criminosos logo depois de prisões feitas pela polícia.

Alegou (pasmem!) que os juízes assinam mandados de soltura sem ler o que está escrito nos autos. Alegou, ainda, que essas informações foram-lhe repassadas pelo setor de inteligência das polícias civis e militares.

Fico triste, como juíza, ainda substituta, mas já calejada com o dia a dia dos fóruns da capital e dos interiores do estado, quando vejo um jornalista com tanta abertura na mídia e acesso ao público em geral fazer afirmações tão levianas, sem qualquer embasamento jurídico ou sem qualquer conhecimento acerca do nosso trabalho diário, fazendo com que mentiras ditas várias vezes virem verdades absolutas.

É muito fácil fazer críticas a nós juízes, que trabalhamos — e muito! — sem qualquer apoio ou convergência de interesses com o Poder Executivo ou com o Poder Legislativo.

Nas Varas da Infância e Juventude, por exemplo, vemos nossas decisões descumpridas diariamente, quando o Poder Executivo não oferece condições adequadas para a ressocialização dos menores infratores e proteção de crianças em risco.

Centros de detenção desestruturados, sem serviços de apoio psicológico, hospitalar, de educação ou profissionalização. Nenhuma forma de orientação sexual é fornecida, sendo comum haver menores infratoras com um ou dois filhos.

Abrigos que deveriam acolher e proteger menores em situação de risco e maus tratos também são sofríveis, transformando-se em depósitos de crianças tristes e doentes.

Nas Varas de Execução Penal, a mesma realidade, com relação aos presídios, locais de cumprimento de penas do regime semi-aberto, casas de albergado e delegacias superlotadas e sem estrutura mínima de ressocialização.

Nos juizados de violência doméstica — violência esta muitas vezes causada pelo excesso de drogas ou de álcool, não há qualquer tipo de apoio ao viciado ou à sua família, sendo muito mais comum a separação dos entes do que a reestruturação familiar.

Nesses dois casos, quando lemos as leis que tratam sobre execução penal e sobre violência doméstica (Leis 7.210/84 e 11.340/06), parece que estamos lendo tratados de direito internacional ou que estamos no “primeiro mundo”, tantos os direitos assegurados aos reeducandos e às vítimas de violência doméstica.

O grande senão é o fato de o poder legislativo garantir direitos, sem que este e o Poder Executivo se comprometam a criar condições para cumpri-los.

Nas Varas Criminais, as dificuldades em instruir os processos, com inquéritos mal conduzidos, também por falta de estrutura das polícias civis, são comuns. Muitas vezes, falta até combustível para os policiais realizarem as diligências investigativas necessárias.

Também o discurso de que os processos judiciais são demorados, por culpa dos juízes, é falso.

Em regra, a demora dos processos se deve à grande quantidade de recursos colocados nas mãos das partes, que, em vez de se resignarem após uma sentença e um acórdão revisor desfavoráveis, ainda possuem diversos mecanismos jurídicos para rediscutir suas demandas, tais como Recurso Especial no STJ, Extraordinário no STF, Ação Rescisória, Impugnações ao Cumprimento de Sentenças, etc.

Quem criou tais mecanismos? De certo, não foram os juízes, mas sim aqueles a quem interessa a demora dos processos, com o apoio, claro, do Poder Legislativo, casa política onde são discutidos e aprovados todos os projetos de lei sobre direito processual civil e penal.

E agora, o ponto central desse artigo: as leis brasileiras (novamente as leis!), aprovadas pelos representantes do povo, benéficas demais aos acusados em processos criminais, no que diz respeito a prisões cautelares ou definitivas.

Após a Lei 12.403/2011, por meio da qual o Poder Legislativo — com o total apoio do Poder Executivo, incapaz de construir e administrar presídios, casas de detenção e abrigos — empurrou goela abaixo dos juízes uma série de restrições para a decretação de prisões preventivas:

a) Ao receber um auto de prisão em flagrante, se a prisão tiver sido ilegal ou se não estiverem presentes os requisitos da prisão preventiva, o juiz é obrigado a liberar o flagranciado. Antes, o preso em flagrante só era liberado de imediato, via de regra, em caso de ilegalidade da prisão ou do auto de prisão em flagrante.

b) Para os crimes com pena máxima de 4 anos, é terminantemente proibida a decretação de prisão preventiva, lembrando que os crimes de lesão corporal simples, maus tratos, constrangimento ilegal, ameaça, sequestro e cárcere privado simples, violação de domicílio, furto simples, dano, incluindo o dano qualificado, apropriação indébita, receptação, dentre outros, possuem penas máximas iguais ou inferiores a 4 anos.

Em caso de não observância das restrições acima, existe a possibilidade de sermos processados por abuso de autoridade ou termos a nossa conduta investigada (e punida) pelas corregedorias dos tribunais e pelo próprio CNJ, que nasceu pra corrigir certas distorções nas administrações dos tribunais, mas acabou se tornando o grande algoz dos juízes, em especial os de primeiro grau, ao suspender liminarmente todo e qualquer ato impugnado naquele órgão e afastar juízes sem contraditório prévio.

Aos juízes, especialmente aos de primeiro grau, todas as críticas e cobranças, sendo nítida a adoção de dois pesos e duas medidas no que diz respeito aos magistrados “de piso”, como comumente se refere o STF.

Além de tudo, normalmente, adotamos posições pacíficas e dificilmente refutamos críticas ou colocamo-nos contra o cumprimento de metas do CNJ ou dos tribunais em geral, não porque sejamos acomodados, mas porque a sociedade nos exige conduta imparcial e a Lei Orgânica da Magistratura (Loman), veda expressamente a manifestação, “por qualquer meio de comunicação, opinião sobre processo pendente de julgamento, seu ou de outrem, ou juízo depreciativo sobre despachos, votos ou sentenças, de órgãos judiciais, ressalvada a crítica nos autos e em obras técnicas ou no exercício do magistério”.

A Loman determina que mantenhamos conduta irrepreensível na vida pública e particular, sendo normalmente criticado o juiz que briga pelos interesses da categoria, muitas vezes crucificado porque, em vez de estar sentenciando, está defendendo seus próprios interesses.

Costumamos ficar calados, mesmo diante das críticas mais absurdas como as feitas pelo apresentador de televisão referido acima, de modo que não emitamos opiniões que possam vir a parecer pré-julgamentos ou violação aos preceitos da Loman.

Na verdade, percebo que somos ótimos em defender os direitos dos outros, porém, pouco eficientes na hora de defender os nossos direitos.

Lembremos, entretanto, que os interesses e as garantias dos magistrados deveriam ser defendidos, na verdade, por toda a sociedade.

Um juiz com remuneração e tratamento dignos tem muito mais condições de atender aos jurisdicionados com imparcialidade, serenidade e rapidez.

Quem nunca precisou do Poder Judiciário em momentos difíceis e importantes da vida? Nos divórcios, adoções, guardas de menores, violência doméstica, cassação de perseguições políticas e de atos ilegais, reintegrações de posses, etc.

Será que as pessoas que têm que recorrer ao Judiciário saem, via de regra, satisfeitas, atendidas, ou não? Será que essas pessoas prefeririam ser atendidas por juízes estressados, preocupados com pressões descabidas e com problemas familiares ou financeiros?

Acho covardes as acusações feitas a uma classe que vive para garantir os direitos fundamentais dos cidadãos.

É lógico que cometemos erros — todos passíveis de correção pelas instâncias superiores — porém, na imensa maioria dos casos, conseguimos levar justiça às pessoas que precisam e que não podem realizá-la com as próprias mãos.

O início do fim de uma sociedade justa e democrática são juízes com medo, sem dignidade, sem garantias, sem segurança, ganhando pouco e desacreditados.

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