Relações domésticas

Juízes divergem sobre aplicação da Lei Maria da Penha

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1 de setembro de 2013, 6h42

Dois casos semelhantes, com decisões divergentes, mostram que não há uniformidade na aplicação da Lei Maria da Penha — a Lei 11.340 — sobre uma questão recorrente: morar sob o mesmo teto do agressor justifica a aplicação da norma ou é necessário que haja relação amorosa?

Para o Juizado Especializado em Violência Doméstica do Rio Grande do Norte, a lei não vale para casos de agressão em ambiente doméstico se a vítima não for companheira do agressor — clique aqui para ler a decisão. A alegação foi adotada em caso envolvendo um homem e sua irmã, que foi agredida "de forma indireta" por ele — ela acabou atingida por acidente.

Ao analisar caso semelhante, porém, a Seção Criminal do Tribunal de Justiça de Goiás entendeu que a lei se aplica. Relator do caso, o desembargador Luiz Cláudio Veiga Braga afirmou em seu voto que a lei deve preservar a mulher da violência que ocorre em situação de submissão. Por isso, entendeu ele, o caso deveria ser analisado pela 3ª Vara Criminal de Aparecida de Goiânia — a cidade não possui Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher —, e não pelo Juizado Especial Criminal.

O desembargador explicou à revista Consultor Jurídico que a aplicação do tema é “angustiante”, uma vez que não existe entendimento uniforme na Justiça sobre a extensão da Lei Maria da Penha. Em sua visão, apenas mulheres podem ser vítimas, mas não há distinção de sexo para o agressor. Isso significa, por exemplo, que agressão em caso de relação homossexual feminina pode configurar a aplicação da Lei Maria da Penha.

Relação de poder
Para o criminalista Rafael Serra Oliveira, do escritório Feller e Serra Oliveira Advogados, é fundamental a configuração de vulnerabilidade financeira, física ou psicológica da vítima perante o homem. Assim, a menos que esse cenário fique claro, casos entre pai e filha — desde que ela tenha certo grau de independência —, irmão e irmã e tia e sobrinho, por exemplo, não devem ser incluídos no rol de crimes da Lei Maria da Penha.

Segundo ele, o intuito é proteger a mulher e encorajá-la a, caso seja agredida, procurar uma delegacia sem medo de ser vítima de retaliação quando voltar para casa. Isso justifica, por exemplo, a adoção de medidas restritivas caso o marido seja denunciado pela mulher.

Mas Oliveira ressalva que casos de relações homossexuais e agressões de patrões contra empregadas, por exemplo, não podem ser englobados pela Lei Maria da Penha. Ele explica que isso exigiria uma interpretação expansiva da lei penal para prejudicar o réu, o que não pode ser feito. "Não se pode fazer aplicação análoga para piorar a situação do investigado, e é por isso que nesses casos deve ser aplicado o Código Penal.

É o caso do que aconteceu na cidade de Aparecida de Goiânia. Como afirma o desembargador Luiz Cláudio Braga, a lei vale para agressões em “ambiente familiar, doméstico ou nas relações de afeto”, e sua aplicação se justifica no caso de agressão do irmão à irmã. De acordo ele, o irmão teria a ameaçado e, levado à delegacia, repetiu que a agrediria.

A ascendência sobre a irmã, continua o desembargador, é o motivo pelo qual a lei deve alcançar o caso. Além disso, como trata de agressões em ambiente doméstico, a Lei Maria da Penha pode ser aplicada também caso um patrão agrida sua empregada doméstica.

O advogado Rafael Oliveira lembra que a lei foi criada para proteger as mulheres no âmbito doméstico, mas sua amplitude é grande, o que permite análises mais expansivas. Isso justifica, por exemplo, que o juiz Mário Roberto Kono de Oliveira, do Juizado Especial Criminal Unificado de Cuiabá, tenha, em 2008, aplicado a lei em caso de agressão de um homem pela sua companheira — clique aqui para ler.

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