Mídia inglesa

Jornais britânicos rejeitam nova regulamentação

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31 de outubro de 2013, 16h18

Trinta de outubro de 2013 entrou para a história da imprensa britânica como o dia em que a mídia perdeu a sua total separação do Estado. É o que estão alegando os jornais do Reino Unido com a aprovação nesta quarta-feira (30/10) da nova regulamentação da imprensa. De acordo com as publicações, depois de mais de três séculos, o Estado resolveu interferir na indústria de notícias.

No Reino Unido, é a imprensa que faz a sua autorregulação, sem a interferência do governo ou de qualquer entidade política. Com a nova regulamentação, essa liberdade fica mais restrita. A autorregulação continua sendo a regra, mas os parlamentares podem eventualmente interferir nas diretrizes.

A mudança aprovada na quarta-feira prevê a criação de uma comissão especial para analisar reclamações contra reportagens publicadas em jornais, revistas e em sites na internet. Atualmente, essa função é exercida pela chamada Press Complaints Comission (PCC), criada em 1991. Desde os últimos escândalos de grampos ilegais feitos pelo já extinto jornal News of the World, a eficácia do controle exercido pela PCC vem sendo questionada.

A grande questão é que a comissão não tem poder mandatório. Ela pode recomendar que um jornal publique uma retratação, mas não obrigar. Depende, portanto, da cooperação das publicações. Já a nova comissão que deve ser criada teria o poder de não só ordenar retratações e a publicação de direito de resposta como aplicar multas de até 1 milhão de libras (R$ 3,5 milhões) em caso de falhas graves.

Outra diferença também é que a nova comissão não teria em sua composição nenhum jornalista, esteja ele atuando no mercado ou não. A PCC, por outro lado, tem pelo menos sete jornalistas na ativa em seu quadro. Para a indústria de notícias, impedir a participação de jornalistas nas decisões da nova comissão significa excluir a visão de quem está dentro da mídia e pode, por exemplo, batalhar para manter a liberdade de expressão.

Proposta concorrente
A regulamentação foi aprovada por meio de um instrumento conhecido como Royal Charter, usado desde a época mediável na Inglaterra para criar novas instituições, como universidades. Embora tenha força de lei, o Royal Charter é aprovado por um comitê especial da coroa britânica e pode incluir algumas garantias contra a interferência do Parlamento. No caso da regulamentação da imprensa, por exemplo, alterações no Royal Charter só podem ser feitas se aprovadas por dois terços dos parlamentares, e não apenas por maioria como funciona em outras leis.

Para o instrumento ser aprovado, os principais partidos políticos no Reino Unido chegaram a um acordo sobre como deveria ser essa nova regulamentação. Essa discussão política e o fato de os jornais terem sido excluídos do debate não agradaram aos jornalistas. E são justamente esses dois fatores que podem inviabilizar o surgimento da nova comissão reguladora.

O Royal Charter prevê que a submissão à nova comissão é voluntária. Quer dizer, cabe a cada veículo decidir se assina e passa a se submeter ao controle da comissão ou não. A maior parte dos jornais do Reino Unido já avisou que não vai aderir à comissão.

A decisão de não aderir, no entanto, não é tão fácil e os veículos podem acabar tendo de ceder. Legislação já em vigor na Inglaterra garante uma proteção extra aos jornais que fazem parte de comissões fiscalizadoras e expõem aqueles que optaram por ficar de fora. Por exemplo, se alguém resolve processar um jornal diretamente na Justiça, o fato de o jornal fazer ou não parte de uma comissão fiscalizadora é determinante para decidir quem paga as custas. Se o jornal não fizer parte, ele paga as custas se ganhar ou perder a ação. Já se fizer, os gastos ficam todos com a parte contrária, ainda que o jornal perca.

Em julho deste ano, uma associação que reúne centenas de jornais e revistas, entre eles o Daily Mail e o Daily Telegraph, propôs uma alternativa ao Royal Charter. A proposta deles é criar uma comissão com as regras que eles definirem, garantindo assim a liberdade da mídia para se autorregular. Por essa proposta, jornalistas fariam parte da comissão de fiscalização e multas só seriam aplicadas em casos de reincidência em erros graves.

O grupo de impressos tentou na Justiça fazer prevalecer a sua comissão à aprovada pelo conselho da rainha, mas seu pedido foi rejeitado pela Corte Superior da Inglaterra. A disputa agora deve ser levada para a Corte de Apelação.

Fator desencadeador
A grande mudança na maneira como funciona a imprensa no Reino Unido começou a se desenhar em 2011, quando vieram à tona os grampos ilegais feitos pelo tabloide News of the World para conseguir notícia. Os escândalos provocaram o fechamento do jornal, que publicou sua última edição em 10 de julho de 2011 depois de 170 anos de existência.

A descoberta dos grampos também colocou em xeque o trabalho feito pela Press Complaints Comission (PCC), que passou a ter sua capacidade de fiscalizar a imprensa questiona. Julho de 2011 também foi o mês que foi instituída uma comissão de inquérito para apurar as falhas no sistema de regulação da mídia no Reino Unido e propor melhorias. O grupo foi capitaneado por um juiz, Lord Justice Leveson, e recebeu o nome de Leveson Inquiry.

Em novembro de 2012, Leveson publicou seu relatório e propôs mudanças na autorregulação da imprensa. Essas propostas deram origem ao Royal Charter, aprovado na quarta-feira.

Clique aqui para ler o Royal Charter — em inglês.

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