Modernização no MP

Estado deve permitir a procuradores exercer a advocacia

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31 de outubro de 2013, 6h07

A função de Procurador do Estado é exercida no Estado de São Paulo com “dedicação exclusiva, vedado o exercício da advocacia fora do âmbito das atribuições previstas nesta Lei Complementar” – artigo 74, da Lei Complementar Paulista n. 478, de 18 de julho de 1986).

O tema a respeito da dedicação exclusiva do procurador do Estado, em detrimento do exercício concomitante da advocacia privada, voltou a surgir no âmbito da PGE-SP, por ocasião do polêmico projeto de Lei Complementar n. 25/2013 (projeto de Lei Orgânica da PGE/SP).

A propósito, a revista Consultor Jurídico já divulgou mais de uma dezena de notícias a respeito do projeto de Lei Orgância da PGE/SP, verba gratia “Márcia Semer: Alteração na Lei Orgânica da PGE-SP cria neocoronelismo” em 12/3/13; Elival Ramos: Princípio da eficiência guia trabalho da advocacia pública, em 12/3/13; Procuradores de SP fazem abaixo-assinado contra mudanças na Lei Orgânica, em 22/6/2013, Geraldo Alckmin retira ponto polêmico da nova Lei Orgânica da PGE, em 29/7/13, dentre outras notícias).

Não vou aqui destacar todos os pontos polêmicos do projeto de lei paulista (todos importantes, principalmente a questão do (i) poder exageradamente concentrada na figura do Procurador Geral, (ii) a criação de uma “malha” de cargos comissionados e (iii) a falta de autonomia financeira da instituição), meu foco está concentrado em apenas um ponto, a da inconstitucionalidade da vedação ao exercício profissional do procurador fora das atribuições de sua função.

Repetindo a redação da atual lei orgânica paulista (de 1986) o projeto de lei datado de 2013, dispõe que:

“Artigo 93 – Os Procuradores do Estado sujeitam-se a Jornada Integral de Trabalho, caracterizada pela exigência da prestação de 40 horas semanais de trabalho, com dedicação exclusiva, vedado o exercício da advocacia fora do âmbito das atribuições previstas nesta lei complementar.”

Apenas em um primeiro olhar já é possível concluir que o projeto de lei – que busca modernizar a PGE/SP – não ousou evoluir no tema da advocacia privada por procurador do Estado. Repetiu – ipses litteris – a ultrapassada redação de 1986.

Além de não acrescentar algo novo, o projeto de lei prevê um rigor absurdo para aqueles que praticarem a advocacia fora das atribuições da função. O projeto de lei complementar 25/2013 prevê a pena de demissão direta, qualquer que seja a circunstância que levou o procurador a exercer sua capacidade profissional da advocacia, ainda que seja “pro Bono” ou em causa própria.

Por outro lado, nestes 30 anos em que está em vigor a Lei Orgânica Paulista novos fatos jurídicos relevantes aconteceram, dentre elas a retomada por diversos Estados da Federação da única vedação legítima e constitucional prevista no Estatuto da OAB (Lei 8.906, de 1994), em seu art. 30, I, ou seja, somente proibido o exercício profissional da advocacia frente ao Ente público que remunera o procurador.

Neste sentido, em outubro de 2013 contamos com 22 Estados que permitem a advocacia por Procurador do Estado, nos termos do Estatuto da OAB, sem enumerar a grande maioria das procuradorias dos municípios, das Assembleias Legislativas, das Câmaras Municipais, que também permitem o exercício da profissão nos termos do Estatuto.

Apenas São Paulo, Acre, Rio Grande do Sul, Paraná e Mato Grosso do Sul vedam o exercício da advocacia fora das atribuições institucionais, não modernizando o regime jurídico do Procurador do Estado à nova concepção de liberdade, administração pública e eficiência administrativa adotada por quase a totalidade dos Estados membros (22 dentre 27 entes) ao permitir o exercício profissional, com as restrições do órgão que regula a profissão, a Ordem dos Advogados do Brasil.

A Constituição Federal determina em seu artigo 5º, XIII que “é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer”.

Trata-se de artigo inserido no capítulo dos “direitos e garantias fundamentais”, que, conforme preleciona a doutrina, impõe interpretação restritiva no que se refere as normas ou atos estatais tendentes a diminuí-los.

Ainda em relação ao exercício profissional, determina a Constituição Federal em seu artigo 22, XVI, que compete privativamente à União legislar sobre “condições para o exercício de profissões”.

Apenas o Estatuto da OAB pode criar condições para o exercício da profissão de advogado, é competência privativa da União legislar sobre este assunto. Cabe às leis orgânicas que regulam as respectivas procuradorias gerais do estado tão somente a organização da própria instituição e disciplinar o regime jurídico de trabalho, sem descaracterizar a atividade do advogado, sem abusos no processo de estabelecimento da restrição ao direito fundamental à liberdade de profissão.

O Estatuto da OAB, em estrito cumprimento aos comandos constitucionais, não reduziu a liberdade do exercício profissional, além dos moldes previstos na Constituição Federal de 1988.

Com efeito, quando a Constituição Federal quis restringir o direito fundamental do exercício profissional do advogado, o fez expressamente, conforme se observa no comando que regula a Defensoria Pública:

Artigo 134. A Defensoria Pública é instituição essencial à função jurisdicional do Estado, (…)§ 1º Lei complementar organizará a Defensoria Pública da União e do Distrito Federal (…)assegurada a seus integrantes a garantia da inamovibilidade e vedado o exercício da advocacia fora das atribuições institucionais. 

Em relação aos Procuradores do Estado e do Distrito Federal a Constituição Federal, em seu art. 132, não restringe a capacidade postulatória do advogado.

Também merece destaque a Constituição Paulista de 1989 que – de igual forma – não veda a advocacia por Procurador do Estado fora de suas atribuições institucionais e mais, ainda foi além, ao determinar que a Lei Orgânica da PGE/SP deve obediência aos limites previstos no artigo 132 da Constituição Federal, ou seja, na leitura restritiva que se faz aos limites de um direito fundamental, não pode o Estado pretender criar uma limitação a direito fundamental – desarrazoada – que o próprio texto constitucional estadual buscou balizar, limitando seu campo de atuação ao art. 132 da Constituição Federal. A propósito, confira a redação da Constituição Paulista:

Artigo 98 – A Procuradoria Geral do Estado é instituição de natureza permanente, essencial à administração da justiça e à Administração Pública Estadual,(…) § 1º – Lei orgânica da Procuradoria Geral do Estado disciplinará sua competência e a dos órgãos que a compõem e disporá sobre o regime jurídico dos integrantes da carreira de Procurador do Estado, respeitado o disposto nos artigos 132 e 135 da Constituição Federal. 

Em se tratando de comando constitucional que regula o exercício da profissão, qualquer interpretação tendente a aniquilar esta garantia constitucional, criando embaraços ao exercício profissional, tem que obedecer primeiro aos limites previstos no próprio texto constitucional, que, como visto, não prevê vedação ao “exercício da advocacia fora das atribuições institucionais”.

Além deste primeiro limite, em um segundo momento o intérprete deve analisar quem detém competência legislativa para regular este direito fundamental. No presente caso, a iniciativa é privativa da União (artigo 22, XVI, CF “condições para o exercício de profissões”), portanto, somente a União, por meio do Estatuto que regula a profissão (Estatuto da OAB) pode criar tais limitações.

E, por último, na análise de eventuais lesões ao direito fundamental, deve-se observar se a limitação imposta cria requisitos e condições intransponíveis para o exercício profissional, se inexistem meios de se compatibilizar os dois direitos (exclusividade x liberdade), ou seja, se a limitação fere – ou não – o próprio exercício do direito fundamental protegido, se a restrição imposta acaba por violar os princípios da igualdade, da proporcionalidade e da razoabilidade.

A vedação existente no Estatuto da OAB é eficiente, atende à moralidade pública, inexiste razoabilidade em maiores vedações. Aliás, é até despiciendo, pois evidente, em qualquer esfera, seja pública ou privada, que o advogado não pode exercer sua profissão contra aquele que o remunera. Trata-se, antes de uma norma geral de direito, uma norma de conduta ética que sequer precisaria estar estampada no art. 30, I, do Estatuto da OAB, que é claro ao afirmar:

“Artigo 30. São impedidos de exercer a advocacia:
I – os servidores da administração direta, indireta e fundacional, contra a Fazenda Pública que os remunere ou à qual seja vinculada a entidade empregadora;
Mas – para deixar ainda mais clara a discussão – o mesmo Estatuto prevê determinados cargos dentro da chamada “advocacia pública” em que é vedado o “exercício da advocacia fora das atribuições institucionais”, conforme determina o seu art. 29, in verbis:

Artigo 29. Os Procuradores Gerais, Advogados Gerais, Defensores Gerais e dirigentes de órgãos jurídicos da Administração Pública direta, indireta e fundacional são exclusivamente legitimados para o exercício da advocacia vinculada à função que exerçam, durante o período da investidura.

Ora, (I) se a Constituição Federal não veda a advocacia privada, e quando quis vedar fez expressamente (art. 134, Defensoria Pública); (II) se a Constituição Estadual também não veda, e ainda faz expressa ressalva de que o limite da legislação estadual é aquela prevista no art. 132 da CF; (III) se o Estatuto da OAB não veda e quando quis, fez expressamente (art. 29 e 30, I), conclui-se que: não há fundamento legal para que a legislação paulista limite o direito fundamental ao exercício da profissão de advogado.

Somente “lei complementar federal” poderia delegar aos Estados o poder legiferante para tratar deste assunto, nos termos do artigo 22, parágrafo único da Constituição Federal, in verbis: 

Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre: (…)
XVI – organização do sistema nacional de emprego e condições para o exercício de profissões; (….)
Parágrafo único. Lei complementar poderá autorizar os Estados a legislar sobre questões específicas das matérias relacionadas neste artigo.

Inexiste no ordenamento jurídico Lei Complementar Federal que permita ao Estado legislar a respeito da questão específica da “condição para o exercício de profissões”. Diante da inexistência de lei complementar específica autorizadora (artigo 22, § único da CF), não pode o Estado-membro legislar em sentido contrário à legislação federal, que detém a competência privativa (art. 22, XVI, CF) para disciplinar a atividade do advogado de forma ampla (Estatuto da OAB).

Diante de tal quadro normativo, é inegável que – com a devida vênia – a Lei Orgânica do Estado de São Paulo (e também a do Acre, Paraná, Rio Grande do Sul e Mato Grosso do Sul) longe de disciplinar a instituição PGE em si, acaba por descaracterizar um direito fundamental (ao exercício profissional) do advogado, aniquilando parte deste direito ao proibir a advocacia fora das atribuições da função.

 

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