Lei de Concessões

A relação entre bancos e infraestrutura é promissora

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30 de outubro de 2013, 7h24

O interesse de instituições financeiras por investimentos em infraestrutura é algo que acompanhou a própria história de desenvolvimento dos setores de transporte, energia, telecomunicações e saneamento no mundo. Eduardo Galeano, em sua obra clássica sobre a América Latina, demonstra, sob uma análise crítica, como os bancos britânicos foram responsáveis por investimentos em boa parte da infraestrutura mundial no século XIX. Em um excerto do premiado musical Mary Poppins, o inglês Mr. Banks explica aos seus filhos, Jane e Michael, as possibilidades de investimentos em ferrovias na África, canais no Nilo, ou frotas de navios transoceânicos, que uma simples moedinha poderia proporcionar ao ser aplicada no Fidelity Fiduciary Bank.

A possibilidade expressa de cessão fiduciária da receita originária das concessões de serviços públicos foi uma das ferramentas que resgatou a importância do papel das instituições financeiras na viabilização de projetos de infraestrutura no país. Com a evolução do conceito de project finance a partir do advento da Lei das Parcerias Público-Privadas, uma das fontes mais “confiáveis” de garantia desses projetos passou a ser os próprios recebíveis da concessão, com relação aos quais sempre se pairava uma dúvida jurídica acerca da possibilidade de se utilizar essa fonte de recursos para a concretização desses projetos. Não obstante isso, cumpre ressaltar que já se permitia esse tipo de operação, no direito brasileiro, quanto à cessão fiduciária dos direitos creditórios decorrentes de contratos de alienação de imóveis, além do que a cessão dos direitos emergentes da concessão já fora vislumbrada, mesmo antes da introdução do artigo 28-A em comento, pelo próprio texto original da Lei de Concessões.

Com as reformas introduzidas na MP do Bem em 2005 e a sua posterior incorporação na atual Lei de Concessões, a fim de tornar as concessões mais atrativas a investidores, essa prática consagrada internacionalmente passou a ser uma realidade rotineira aos profissionais engajados com projetos de infraestrutura, melhorando a financiabilidade desses empreendimentos. Cumpre destacar que a iniciativa encontra paralelo em outros países latino-americanos, como na Argentina, com a Ley de Hidrocarburos, pela qual a cessão fiduciária nos contratos de exploração no setor de óleo e gás é possível desde 1967. No Chile, a Ley de Concesiones de 1996 também já previa a cessão fiduciária tanto dos direitos emergentes da concessão quanto de seus recebíveis — o que, para muitos juristas andinos, foi um dos principais fatores que impulsionou o desenvolvimento das concessões no país e o deixou na vanguarda, na década de 1990, quanto ao melhoramento de sua infraestrutura pública pela iniciativa privada.

Em breve síntese, a alteração legislativa passou a permitir as operações de mútuo mercantil e de escopo com relação aos recebíveis, devendo haver notificação formal ao poder concedente para a produção de efeitos perante o poder público. Também passou a ficar autorizado o constituto possessório, tendo em consideração que o cedente (concessionária) também pode ser um dos depositários dos recebíveis, em nome do mutuante.

Uma questão que merece discussão é com relação à modelagem dessas operações estruturadas. Os editais de concessões mais recentes variam na forma de operacionalização da cessão fiduciária, (i) permitindo-a para receitas tarifárias e não tarifárias; (ii) exigindo prévia autorização do poder concedente; (iii) vedando a sua utilização entre partes relacionadas, para que não configure distribuição “disfarçada” de dividendos; (iv) restringindo-a a certos limites e condições. Algumas Agências, como a ANEEL (Resolução 532, de 2013), já editaram resoluções a fim de definir os limites aceitáveis nessas operações, visando a que não haja o comprometimento da execução do próprio serviço público em questão; outras ainda estão trabalhando na regulamentação, carecendo, portanto, de uniformidade com relação ao entendimento dessas limitações.

Debate-se, atualmente, a respeito de uma interpretação mais extensiva do artigo, a fim de permitir também a cessão de recebíveis oriundos de outros direitos emergentes (como o direito à indenização em caso de encampação), bem como a ampliação da utilização para contratos de fornecimento, além de outros contratos de financiamento (por exemplo, na securitização de recebíveis). A praxe adotada pela Administração Pública e pelo mercado até então tem conduzido a essa interpretação mais abrangente para o instituto.

As reformas introduzidas nessa quase última década representaram apenas a “pavimentação” das vias que permitem viabilizar inúmeras alternativas para o financiamento de projetos. Com essa multiplicidade de possibilidades e a evolução prática da cessão fiduciária de recebíveis nos contratos de concessões de serviços públicos, talvez o Mr. Banks consiga fazer com que Michael repense a respeito da ideia original de aplicação de sua moedinha para alimentar os pássaros, e passe a também ser um fomentador e investidor, por meio do Fidelity Fiduciary Bank, em infraestrutura pública no Brasil.

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