Direito em jogo

"Estado só pode intervir em entidade que recebe verba pública"

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27 de outubro de 2013, 6h46

Spacca
O advogado Carlos Miguel Cástex Aidar é um homem dividido. As manhãs são dedicadas ao escritório Aidar SBZ, fundado há dois anos e meio e que, ele afirma, já pode ser considerado grande. Olhando de sua sala envidraçada para os advogados que atuam no andar abaixo, ele diz em tom de lamento que, de cada 15 profissionais, não conhece dez. 

Aidar conta ter se surpreendido uma vez em que, ao questionar no elevador duas mulheres que seguiam para o mesmo andar descobriu que não se tratava de possíveis clientes, mas de suas funcionárias.

Após o almoço, o advogado segue para o Morumbi. Vinte e cinco anos depois de ser substituído pelo também advogado Juvenal Juvêncio na presidência do São Paulo Futebol Clube, ele tem a chance de voltar ao comando do clube, substituindo exatamente Juvenal, que voltou ao comando do clube em 2006 e completará três mandatos consecutivos. Aidar foi escolhido pelo atual presidente para concorrer à sucessão, que ocorre em abril de 2014, e enfrenterá outro colega de profissão, o oposicionista Kalil Rocha Abdalla.

Carlos Miguel Aidar foi um dos idealizadores do Clube dos 13, que uniu os principais clubes do Brasil e assumiu a organização do Campeonato Brasileiro de 1987. Anos depois, colaborou com a redação da Lei Pelé, de 1998, que extinguiu o passe e deu aos atletas o direito de se transferir para onde bem entendessem após o fim de seus contratos.

Entre 2001 e 2003, dividiu seu tempo entre a presidência da seccional paulista da Ordem dos Advogados do Brasil e a criação do Estatuto do Torcedor. Foi em sua gestão à frente da OAB-SP que foi aprovada a polêmica resolução sobre pro bono, suspensa no último mês de junho, que restringia a advocacia gratuita por escritórios. Ele afirma, porém, que “não se pode proibir ninguém de advogar de graça”.

Já o Estatuto do Torcedor, criado para regulamentar os direitos e deveres de quem torce por seus clubes no país, completou 10 anos sem que tivesse sanado os problemas enfrentados por quem vai ao estádio. “Eu não acho que ele esteja desprestigiado, mas que algumas leis não são aplicadas de forma adequada”, pondera.

Na contramão das cisões em bancas, em 2011, Carlos Miguel Aidar uniu-se a Antonio Ivo Aidar, Alfredo Zucca Neto e Paulo Sigaud, deixando o Felsberg e Associados para fundar o Aidar SBZ. Responsável pela área de contencioso, que também é sua especialidade, ele recebeu a reportagem da revista Consultor Jurídico na sede do escritório, em um edifício na Avenida Paulista, na manhã de uma quinta-feira (3/10). 

Horas antes, o São Paulo havia sido derrotado pelo Santos e a preocupação era visível no rosto de quem vislumbrava a possibilidade de assumir um clube disputando a Série B do Campeonato Brasileiro — risco hoje minimizado após uma sequência de vitórias. O revés da noite anterior, porém, não foi capaz de fazer com que Aidar economizasse palavras para falar sobre Copa do Mundo, Justiça Desportiva, advocacia e gestão legal.

Leia abaixo os principais trechos da entrevista:

Conjur — O Direito Desportivo deve ser uma questão do Estado?
Carlos Miguel Aidar —
 Levando em conta que as federações e confederações são sociedades civis autônomas, regidas pelo Código Civil, o Estado não pode intervir na iniciativa privada. O que é a Fifa ou a CBF? Uma sociedade civil sem fins econômicos, imune e fora do alcance do Estado. Mas o artigo 217 da Constituição rege o desporto. Pela primeira vez na história constitucional do país há um dispositivo que constitucionaliza a Justiça Desportiva. E só é possível uma questão seguir para a Justiça Comum depois de esgotados os prazos da Justiça desportiva, que tem 60 dias para decidir em caráter definitivo. Não acho que seja questão do Estado. Porém, se o Estado proporciona recursos financeiros para as entidades, passa a ser. Por exemplo, o Congresso aprova a possibilidade de reeleição única, com mandado máximo de quatro anos. Então, a pessoa pode presidir uma entidade por oito anos. A CBF já disse que não está sujeita, porque não receberia dinheiro público. Não sei se é verdade, mas se não receber verba pública, realmente está isenta.

Conjur — Isso não é uma crise de identidade das instituições? Quando precisam de apoio para renegociar dívida, é questão do Estado, mas na hora de oferecer contrapartida, não.
Carlos Miguel Aidar —
 Não acho que seja crise de identidade, mas de oportunismo. As federações e confederações, na medida de suas necessidades, usam as oportunidades. Por exemplo, uma entidade precisa de dinheiro para construir um centro de treinamento. Ela utiliza a Lei de Incentivo ao Esporte, apresenta o projeto, a comissão do Ministério do Esporte analisa, aprova, e permite a captação no mercado. O recurso é dinheiro de Imposto de Renda que o empresário ou a pessoa física deixam de recolher para pagar ao Banco do Brasil, porque a conta é aberta lá, e o BB libera para o projeto, de acordo com a especificidade. É dinheiro público, de renúncia fiscal, que será aplicado em um projeto. Sem projeto algum que envolva verba de renúncia fiscal ou da Lei de Incentivo ao Esporte, como é o caso da CBF, a entidade está fora da restrição.

ConJur — As entidades não abrem mão desse caráter privado.
Carlos Miguel Aidar — Se a nova regulamentação dissesse que todas as entidades estariam sujeitas às normas, algumas questionariam no Judiciário, alegando que é inconstitucional ou não se aplica a elas. Há uma coisa interessante: a análise da Lei Zico e depois da Lei Pelé permite ver que os mecanismos de controle estão sendo melhorados. Atualmente, há mais controle, os clubes perderam a imunidade tributária, são obrigados a apresentar a declaração do Imposto de Renda e, se há lucro, é preciso pagar imposto. Seria necessária uma aplicação mais eficiente da legislação. Tudo que o dirigente não faz na empresa dele, porque não é legal, ele faz no clube. O endividamento dos clubes é assustador. Se a legislação for aplicada ao sonegador e um dirigente for responsabilizado pessoalmente, em um processo de desconstituição de personalidade jurídica, perdendo os bens, isso muda.

Conjur — A Lei Anticorrupção, que responsabiliza as empresas por atos de corrupção, se aplica aos clubes?
Carlos Miguel Aidar —
 A legislação de compliance é um espetáculo e eu acho que deve valer para os clubes. Todos os mecanismos e iniciativas para inibir práticas irregulares são bem vindos, o problema é que é muito difícil descobrir os casos.Você ouve falar que alguém desviou dinheiro, que houve suborno, a empresa admite o caso, mas não acontece nada. O problema é a aplicação da legislação moralizadora.

ConJur — Por que não funciona?
Carlos Miguel Aidar — A culpa, em parte, é do Judiciário pela lentidão e dos interesses pessoais, políticos e partidários. Quando eu presidi a seccional paulista da OAB, precisava dar parecer opinativo sobre a criação de novas faculdades de Direito. O assunto era estudado, o parecer feito justificando porque a abertura de determinada faculdade era um absurdo, se ao redor existiam outras, com vagas sobrando. O documento era enviado para o Ministério da Educação e começava a pressão política. O responsável se curvava. Essa troca de interesses mata o país, mas é um problema sociológico mais profundo, da cultura de terceiro mundo.

Conjur — Outro projeto que está no Senado prevê a responsabilidade penal dos dirigentes. Ela pode valer, por exemplo, em caso de briga de torcidas dentro do estádio?
Carlos Miguel Aidar —
 Não é preciso um projeto para isso. A Lei Penal já prevê que é crime de qualquer jeito, no esporte ou fora dele. Atualmente, os tribunais desportivos penalizam os clubes por atos de desmando das torcidas. Esse é um problema de responsabilidade objetiva que não existe. O clube não é responsável pelo ato do torcedor que está no estádio ou pela briga fora dele. Eu acho que o clube não deve ser responsabilizado, mas o Superior Tribunal de Justiça Desportiva da CBF entende que sim. Fecha o estádio, tira mando de jogo e não resolve o problema. Adianta você punir o presidente do clube porque a torcida brigou com a torcida do adversário e matou alguém? Qual é a responsabilidade direta objetiva? Não existe.

ConJur — A punição deve ser restrita ao torcedor.
Carlos Miguel Aidar —
A questão é punir o torcedor. Como punir quem briga, joga garrafa, atira um sapato no auxiliar? É preciso um sistema de monitoramento que identifique o cidadão. Depois, é preciso copiar alguns países da Europa: duas horas antes do jogo, o torcedor se apresenta à delegacia e só duas horas depois do fim ele é liberado. Você não pode punir o clube pelo ato do seu torcedor. Mas não há alternativa por enquanto. O que poderia ser feito é obrigar os donos de estádio a ter um monitoramento eficiente. A torcida inteira é monitorada, o cidadão em questão é identificado. Ele vai querer trocar de camisa, botar um casaco, mas está sendo acompanhado. É possível utilizar policiais disfarçados, com rádio comunicador.

Conjur — O Brasil tem a cultura do dano moral. Se algum clube tentar vender carnê, a punição de ter que mandar jogo a 100 km de distância não permite indenização por danos morais?
Carlos Miguel Aidar —
 Permite e não tem solução. Depende do bom senso do magistrado. Há outro exemplo interessante. O cidadão é dono de uma cadeira cativa no Maracanã, por exemplo, e quer sentar na cadeira cativa dele durante a Copa do Mundo. Alguém vai comprar ingresso para sentar naquela cadeira. Ele vai entrar na Justiça e pedir indenização por dano moral, porque comprou uma cadeira cativa e não pode exercer o direito. Ele vai processar a Fifa, que tem uma carta do governo que a deixa imune a qualquer indenização, de qualquer natureza. Ele entra com uma ação contra o governo, vai brigar na Justiça Federal. Quando for vitorioso, vai pegar um precatório e entrar na fila para receber.

Conjur — A Fifa pode se sobrepor ao Estado?
Carlos Miguel Aidar —
 A Fifa é um outro mundo e usa uma argumentação simples: se quiser a Copa do Mundo, é assim; se não assinar o caderno de encargos, acabou. É legal o presidente da República assinar sem consultar o Congresso? Quando o Lula assinou, ele assumiu um compromisso enorme para o governo, para o país, sem consultar o Congresso.

Conjur — Existe uma ADI sobre a Lei Geral da Copa no STF. Se os pontos forem decretados inconstitucionais, com a Fifa dizendo que o governo é réu, como fica a questão?
Carlos Miguel Aidar —
 Talvez seja decretada a inconstitucionalidade de um ou outro ponto. O sindicato das escolas privadas de Brasília, por exemplo, entrou na Justiça Federal para suspender o dispositivo que obrigava as escolas a decretar feriado nos dias de jogos. Em primeira instância, a Justiça Federal do Distrito Federal deu ganho de causa, deixando a critério do estabelecimento. A Justiça brasileira não tem jurisdição sobre a Fifa, não pode obrigá-la a fazer ou deixar de fazer algo.

Conjur — Como foram as discussões pelo Estatuto do Torcedor?
Carlos Miguel Aidar —
 Eu participei da redação do estatuto durante a gestão do Caio Luiz de Carvalho como ministro do Esporte, no governo Fernando Henrique Cardoso. O processo era o seguinte: os responsáveis pensavam se o torcedor tinha direito a determinada coisa, e se a resposta fosse positiva, ele entrava no texto. O mesmo valia para punição. Discutiu-se muito se não era possível adequar o Estatuto do Consumidor, para transformá-lo. A conclusão era de que seria tecnicamente mais complicado do que fazer algo voltado para o esporte. Só que o estatuto ficou muito voltado para o futebol, como a Lei Zico, a Lei Pelé.

ConJur — Ele não está desprestigiado?
Carlos Miguel Aidar —
Eu não acho que está desprestigiado, mas que algumas leis não são aplicadas de forma adequada. Qual é o objetivo? Dar segurança ao torcedor. Algumas coisas funcionam bem, como a venda antecipada de ingressos e a mudança de calendário. O juiz não dá mais liminar para mudar o jogo, dois dias antes, se os ingressos já foram vendidos. Tem uma pergunta interessante: qual é o torcedor protegido pelo estatuto? Eu fui voto vencido, porque acho que torcedor é quem vai ao estádio. Quem está em casa, assina o pay per view, não deveria ser albergado pelo estatuto, mas ele é. Isso cria problemas com horário de jogo, mudança de programação e grade de transmissão.

ConJur — A arbitragem pode inspirar a Justiça Desportiva?
Carlos Miguel Aidar —
 Não. A Justiça Desportiva é muito mais célere que a Justiça arbitral. Os tribunais arbitrais, embora sejam mais rápidos do que a Justiça Comum, são ainda bem mais lentos do que a Justiça Desportiva. Também não vejo com bons olhos  levar o instituto da arbitragem para o âmbito desportivo. O que se poderia fazer é o Tribunal de Penas na competição, para o que ocorrer entre o início e o fim do jogo. Esse tribunal elencaria as alternativas possíveis, com uma pena pré definida por tipo de infração. O árbitro faz o relatório, a comissão faz a adequação e aplica a pena imediata. O modelo é semelhante ao adotado na Itália, Alemanha, Reino Unido. Eu sou um grande entusiasta da Liga Nacional de Futebol. Se for criada, seria possível criar um Tribunal de Penas dentro da liga.

Conjur — O esportista tem uma situação específica, o direito de imagem. É comum o Judiciário decidir que este contrato está mascarando o salário. Existe uma proporção ideal?
Carlos Miguel Aidar —
 Não é possível o atleta ter um contrato de trabalho igual a 10% do ganho e o de cessão de imagem responder por 90%. Até porque a imagem está ligada à prática da modalidade, que deve dar remuneração maior. Os abusos nesse caso são significativos, e é por isso que existe uma quantidade grande de decisões em primeira instância, nos tribunais regionais e mesmo no Tribunal Superior do Trabalho. Um contrato é consequência do outro, mas eles são distintos. Um é de trabalho e o outro é no campo civil. Eles podem até ter prazos de validade distintos, porque os objetivos são diferentes. Não tem como vincular uma questão trabalhistas a uma questão civil. São justiças autônomas, distintas, legislações autônomas, distintas.

Conjur — Como a legislação influenciou as mudanças na organização dos clubes?
Carlos Miguel Aidar —
 Começou com a Constituição de 1988, depois a Lei Zico [Lei 8.672/1993] e só depois a Lei Pelé [Lei 9.615/ 1998, que revogou a anterior]. A legislação era extremamente autoritária, e o Estado possuía mão pesada, até mesmo para determinar a organização. Era necessária a constituição de sociedade civil, com um conselho com no mínimo 200 e no máximo 300 integrantes. Em 1987, o Clube dos 13 questionou isso. Os clubes queriam liberdade para se organizar de acordo com a sua realidade. Se a realidade do ASA de Arapiraca é completamente diferente da realidade do São Paulo Futebol Clube, como pode a organização ser igual? Essa foi a luta do Clube dos 13, e resultou no artigo 217 na Constituição, com autonomia de organização e funcionamento. Cada clube se organizou como quis. Algumas criaram conselho deliberativo, mantiveram o conselho como órgão máximo, outras transformaram o órgão máximo em uma Assembleia Geral. O momento era propício para mudanças, porque o presidente da CBF disse que ela estava falida e não faria o Campeonato Brasileiro.

Conjur — O clube-empresa deve se submeter ao Código Civil ou tem a mesma relação de clubes sociais?
Carlos Miguel Aidar —
 O clube empresa se sujeita às regras das sociedades empresariais. Ele está vinculado ao Código Civil, pois é uma entidade com fins lucrativos. As obrigações são iguais às das demais empresas: publicar balanços, publicidade dos atos, dependendo da forma de constituição, responsabilidade civil e responsabilidade penal de dirigentes. Eu sempre defendi a transformação obrigatória dos clubes de associações civis em sociedades empresarias. Esse é o caminho da responsabilização.

Conjur — Os grandes clubes possuem muitos sócios e várias atividades sociais. Seria necessário criar empresas de futebol?
Carlos Miguel Aidar —
 Eu tenho a ideia de transformar o Centro de Formação de Atletas de Cotia (utilizado pelas categorias de base do São Paulo) em uma unidade de negócios autônoma, com a ajuda de especialistas na área societária. O acionista, o administrador, será o São Paulo Futebol Clube, mas a ideia é transformar em uma empresa. No escritório, eu tenho um diretor de finanças, um diretor de gestão e pessoas, um comitê de marketing institucional, um comitê de clientes, um management partner, um sócio que é meu chefe. Isso é uma estrutura profissional, com plano de meta, avaliação, plano de carreira. Uma empresa foi contratada para fazer programa de avaliação de desempenho. Porque não fazer isso em um clube?

Conjur — E como funciona o relatório de avaliação de desempenho no escritório?
Carlos Miguel Aidar —
 O advogado e o estagiário são avaliados duas vezes ao ano. Na segunda avaliação, no fim do ano, ele é informado se continuará no escritório ou se pode procurar emprego. O colaborador se autoavalia, o gestor colhe os dados e fecha a avaliação. Eu pergunto sobre o conhecimento técnico, a responsabilidade junto ao cliente, coordenação de casos jurídicos e responsabilidade interna. São esses quatro pontos que eu avalio. Envolve aspectos que contribuíram para o desenvolvimento do colaborador, como cursos de extensão, palestras e seminários frequentados, mestrados, doutorados, curso de idiomas. O gestor de cada advogado passa os dados para a avaliação final do comitê de gestão de pessoas. Sócio é avaliado por sócio, todos passam por isso. No caso do conhecimento técnico, o advogado excede o esperado, atende ou tem melhorias necessárias? O mesmo vale para coordenação de caso jurídico, responsabilidade junto ao cliente, responsabilidade interna. É definido um critério de pontuação, e o funcionário que excede vai ganhar por isso.

ConJur — E os resultados?
Carlos Miguel Aidar —
Também entra na avaliação o resultado da gestão de demandas, volume de casos, assuntos gerenciados, níveis de atendimento aos prazos, teses desenvolvidas e participação em solução de casos. A responsabilidade junto ao cliente envolve resultados relacionados à gestão do cliente, nível de satisfação, aumento de autonomia, elogios espontâneos, aumento de escopo do trabalho. Para o resultado interno do escritório, são analisadas novas prospecções, aumento do faturamento, redução de custo, representação interna, resultados alcançados.

Conjur — Acha válido estabelecer prazo para resolução de determinado número de casos?
Carlos Miguel Aidar —
 Aqui a meta não é fixada com base no número de casos ganhos. Isso não é matemático, depende do nível do caso, da complexidade. Tem cliente que quer tirar o processo da frente e dá liberdade total para isso. Tem cliente que não aceita de jeito nenhum, e diz que só paga na ultima alternativa.

Conjur — O que seu escritório oferece aos profissionais?
Carlos Miguel Aidar —
 O escritório tem dois anos e meio e as pessoas querem trabalhar aqui. O nível de satisfação dos advogados é alto. Não há timesheet, só para cliente que paga por hora. Eu quero ver o cara produzindo. Também adotamos o home office e se ele está trabalhando de bermuda é problema dele. Para quem está no escritório, é só estar vestido adequadamente. Só dois ou três advogados usam gravata.

Conjur — O mercado passa por um momento de cisões de escritórios, e o escritório de vocês foi na contramão. Como foi a operação com o Almeida Bugelli e Valença?
Carlos Miguel Aidar —
 Foi na contramão da história, mas é fácil explicar. A Silvia Bugelli é minha amiga, trabalhamos juntos no Felsberg e sempre gostei de sua atuação no Direito Societário. O Marcelo Valença, marido dela, é especialista em Imobiliário. Eu não tinha grandes profissionais em Imobiliário e Societário, mas não tinha pensado nela. Um dia nos cruzamos, defendendo o mesmo cliente, com questões distintas. Conversamos um pouco e dois meses depois me liga a dona de uma empresa que faz gestão de escritórios. Fomos almoçar e ela me perguntou por que eu não convidava a Silvia para o escritório. Eu quis saber se ela foi autorizada pela Silvia a falar aquilo, e ela me disse que sim. Voltei correndo para o escritório e juntei o comitê executivo, formado pelo diretor financeiro, diretor de gestão de pessoas, o management partner e eu. Eles me autorizaram a tocar o negócio, fechado em dois meses. Ela passou a fazer o que não fazíamos e nós fazemos o que ela não fazia. Juntou a fome com a vontade de comer. Tecnicamente, não é uma fusão. Ela fechou o escritório dela e se tornou sócia aqui. Se fosse uma fusão, implicaria regras que só complicam a operação.

Conjur — Durante a polêmica envolvendo a quarentena de ex-juízes, você disse que não tinha ex-ministro ou juiz trabalhando no escritório. Há algum modelo que não prejudique a banca?
Carlos Miguel Aidar —
 A resolução da OAB é um absurdo. Eu já formei estagiários que viraram advogados, passaram em concurso e passaram a atuar como desembargadores. Amanhã, um dos profissionais faz um concurso, ou entra pelo quinto constitucional, e o escritório inteiro não pode advogar no tribunal porque ele está lá? É uma inadequação, uma impropriedade. Qual é o grande escritório que não tem filhos de desembargadores, filhos de ministros?

Conjur — Como ex-presidente da seccional paulista da OAB, qual é sua avaliação sobre o desempenho do Marcos da Costa e do Marcus Vinícius no Conselho Federal?
Carlos Miguel Aidar —
 Sobre o Marcus Vinicius eu não posso falar, porque não conheço. Os pronunciamentos dele seguem uma linha de coerência. Eu gosto muito do Marcos da Costa. Ele assumiu depois de três gestões do Luiz Flávio D’Urso, que não se preocupou com a advocacia, e sim com política partidária. O Marcos da Costa tem inegavelmente uma dificuldade muito grande, e estou gostando da postura política e do que ele vem fazendo.

Conjur — Acha que a OAB perdeu força e representatividade nos últimos anos?
Carlos Miguel Aidar —
 Muito por conta da postura do presidente. O D’Urso foi meu conselheiro, dono de uma oratória muito boa, e dava para perceber o desejo de galgar cargos políticos. Ele assumiu a presidência e instrumentalizou a OAB para o projeto pessoal. Isso não é de graça, e fez com que a Ordem se esvaziasse politicamente. A OAB deixou de ser uma entidade de respeito perante a sociedade, vanguardista, reivindicadora, defensora de direitos humanos, políticos e sociais, para virar um instrumento de política partidária na mão do presidente.

Conjur — Você mudou sua opinião sobre advocacia pro bono?
Carlos Miguel Aidar —
 Não. Eu sempre fui favorável. Ninguém pode proibir ninguém de advogar de graça, esse é o princípio. Há determinadas seccionais na OAB, como São Paulo, em que existe um convênio com a Procuradoria Geral e com a Defensoria Pública. Se o estado não pode prestar assistência jurídica, os advogados o fazem. O advogado se inscreve para o convênio e presta o serviço com o estado remunerando. Eu acho que a advocacia pro bono deve ser voltada para pessoas jurídicas de direito privado, porque a pessoa física tem o defensor público. Deve existir uma limitação, mas não é possível proibir que eu advogue para a minha secretária, de graça, se ela sair com o carro e sofrer um acidente.

Conjur — Mas aí seria classificado como advocacia pro bono ou um favor? Não fica uma zona nebulosa?
Carlos Miguel Aidar —
 É um favor. Mas pro bono é favor. Fica uma zona nebulosa. Uma opção é o banco de horas, mas o Brasil não tem a tradição de remunerar em horas. As empresas estrangeiras que contratam advogados brasileiros adotam a prática, porque é o modelo da origem deles. Dentro do país, ele não existe. Eu faço advocacia pro bono há muitos anos. Eu sou um dos fundadores do Instituto Pro Bono, advogo para o Coral e Orquestra Jovem Baccarelli e para uma ONG como pro bono. Eu advogo para minha empregada, que vendeu a moto do filho para uma mulher, não transferiu e está com o nome negativado no Cadin, porque as multas não foram pagas. Eu não vou cobrar nada.

Conjur — Os advogados que julgam em órgãos administrativos devem ser liberados para atuar nos órgãos?
Carlos Miguel Aidar —
 Não nos órgãos em que atuam. Esse foi um problema que eu enfrentei na minha gestão, envolvendo os advogados do Tribunal de Impostos e Taxas. Eles estavam sofrendo restrições e foi feita uma resolução permitindo que o advogado que atuava no TIT poderia advogar sem restrição de dispensa, salvo no tribunal em que ele é julgador.

Conjur — Pela lógica da quarentena, a banca desse advogado não deveria ser impedida de atuar no TIT ou no Carf?
Carlos Miguel Aidar —
 Não. Dois membros da minha equipe tributária fazem parte do Carf. Eles não assinarão nada dentro do Carf nem julgarão nada por impedimento ético. Mas eu deixo de atender outros clientes por conta dos dois advogados? O problema da quarentena é que tudo depende da divulgação. A quarentena foi adotada porque o ministro deixava o tribunal e, no dia seguinte, estava sustentando com o companheiro de câmara. Isso é muito constrangedor, mas é o ministro, não o escritório para o qual ele advoga. Eu acho que não deveria existir esse tipo de proibição. A quarentena pessoal sim, mas a quarentena do escritório ao qual o advogado pertence não.

Conjur — Para encerrar, o que acha da nova composição do Supremo?
Carlos Miguel Aidar —
 Eu gosto do ministro Roberto Barroso como pessoa, pela cultura, conhecimento. Como advogado ele é espetacular e como professor é excelente. Mas não sei avaliá-lo como ministro, porque não tenho caso no Supremo em que ele tenha se pronunciado e só é possível avaliar no caso concreto. Já o Teori Zavascki era ministro do STJ e eu tinha um caso bastante sofisticado. Marquei audiência, ele me recebeu, prestou muita atenção, deixei o memorial e oito dias depois ele acatou meu Recurso Especial por meio de um despacho monocrático. Eu tenho uma experiência com o Teori e sei que ele é um ministro que atende bem, presta atenção e decide rápido.

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