Lastro probatório

Parecer de procurador não pode ser criminalizado sem prova

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23 de outubro de 2013, 12h45

A 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça concedeu Habeas Corpus para trancar a ação penal a que respondem uma procuradora do município de Campos dos Goytacazes (RJ), responsável por parecer técnico que amparou a dispensa de licitação para construção de apartamentos populares, e o procurador-geral daquele município, que teria aprovado o documento.

Para a ministra Laurita Vaz, relatora do recurso em Habeas Corpus, os procuradores foram denunciados “apenas pela simples emissão e aprovação de parecer jurídico, sem demonstração da presença de nexo de causalidade entre a conduta a eles imputada e a realização do fato típico”.

Segundo a relatora, “o regular exercício da ação penal exige um lastro probatório mínimo para subsidiar a acusação. Não basta mera afirmação de ter havido uma conduta criminosa”. Ela explicou que a denúncia deve apontar elementos capazes de respaldar o início da persecução criminal, “sob pena de subversão do dever estatal em inaceitável arbítrio”.

No caso, a obra foi feita sob a vigência do Decreto Municipal 1/07, que declarou estado de calamidade pública no município. Entre os meses de dezembro de 2006 e janeiro de 2007, as chuvas provocaram enchentes que deixaram muitas famílias desabrigadas ou em áreas de risco. Há informações de que a empresa Construsan Serviços Industriais, contratada para a obra, teria sido beneficiada com a quantia R$ 21 mil.

Os procuradores foram denunciados pelo Ministério Público estadual, juntamente com outros dez corréus, como incursos no artigo 89, caput, da Lei 8.666/93 (dispensar ou inexigir licitação fora das hipóteses previstas em lei). Diante disso, eles impetraram Habeas Corpus no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, que denegou a ordem.

No recurso para o STJ, a defesa afirmou que “o crime imputado pelo Ministério Público exige, além de dolo específico, dano ao erário”. Segundo ela, as condutas são atípicas, visto que a manifestação feita por advogado público no exercício da profissão é inviolável, não podendo ser criminalizada.

“Ambos os acusados atuaram dentro dos limites legais e funcionais do ofício”, sustentou, acrescentando que “eventual parecer possuía caráter meramente opinativo, e não vinculativo”. Além disso, argumentou que não cabia aos procuradores decidir sobre a conveniência ou não da dispensa de licitação, tanto que, segundo ela, o parecer da procuradora restringiu-se a um exame jurídico da situação. Diante disso, pediu que fosse determinado o trancamento da ação penal, por entender que a denúncia não foi acompanhada de provas para sustentar a acusação.

A ministra Laurita Vaz acolheu a tese dos procuradores, afirmando que não foi comprovado o nexo causal. Ao proferir seu voto, a relatora citou precedente da 6ª Turma, no julgamento do RHC 7.165, segundo o qual, “não comete crime algum quem, no exercício de seu cargo, emite parecer técnico sobre determinada matéria, ainda que pessoas inescrupulosas possam se locupletar às custas do estado, utilizando-se desse trabalho. Estas devem ser processadas criminalmente, não aquele”.

Em seu entendimento, ainda que os fundamentos jurídicos do parecer estejam totalmente equivocados e que não se possa presumir, de forma absoluta, que os procuradores não tiveram qualquer participação no episódio, “o órgão acusador não se desincumbiu da imprescindível tarefa de declinar algum elemento de prova para sustentar a acusação”. Laurita Vaz concluiu que, “faltando o requisito indiciário do fato alegadamente criminoso, falta justa causa para a ação penal”. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.

RHC 39.644

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