Política institucional

Efetividade da Justiça depende da priorização do 1º grau

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22 de outubro de 2013, 6h00

Qual a relação possível de se estabelecer entre a valorização dos Juízos de 1º grau e a efetividade processual? O que se entende por “priorização” nesse caso? Quais as questões envolvidas?

Trago à baila essas indagações a despeito do lançamento da Política Nacional de Priorização do 1º Grau pelo Conselho Nacional de Justiça, a ser desenvolvida, inicialmente, por um grupo de trabalho com o fito de “elaborar propostas de melhorias para o primeiro grau de jurisdição da Justiça brasileira”.

As notícias colhidas até aqui dão conta que milhares de sugestões foram enviadas ao CNJ.

A existência do projeto já indica que o 1º grau de jurisdição foi suficientemente diagnosticado como a instância do Poder Judiciário que experimenta a maior dificuldade para cumprir sua missão, pois é a que mais recebe processos e que menos, de forma proporcional, recebe investimentos.

Não é preciso sequer recorrer aos dados do Relatório Justiça em Números do CNJ para se chegar a essa conclusão. Trata-se de uma constatação que pode ser notoriamente extraída da percepção de qualquer dos profissionais que militam nos diversos órgãos do Poder Judiciário brasileiro.

A assimetria na alocação de recursos humanos e materiais reverbera em distorções institucionais que precisam ser enfrentadas. E mesmo no Judiciário essas assimetrias se revelam de diferentes intensidades, dependendo do ramo da Justiça e da comarca tomada como referência.

Por tais razões, já seria importante considerar que essa proposta, se tiver o apoio e o fôlego de se tornar uma política pública, há de merecer o suporte para os avanços necessários, inclusive pelo fato de que, nesse particular, o CNJ está atuando sob os auspícios de suas mais estratégicas competências constitucionais: zelar pelo autogoverno do Poder Judiciário e concretizar os preceitos da Administração Pública, contidos no artigo 37 da Constituição (cf. artigo 103-B, § 4º, I e II, CF).

Com efeito, os últimos 25 anos de experiência democrática, desde a promulgação da Constituição de 1988, permitem-nos observar que as estruturas da Justiça brasileira sofreram poucas alterações. Em que pese a reforma introduzida pela Emenda 45/2004 e a criação do próprio CNJ, o modelo de gestão dos órgãos do Poder Judiciário sofreram poucos avanços institucionais importantes, sendo relativamente baixa a interação entre os membros da Magistratura e reduzida a autonomia do 1º grau de jurisdição.

Mesmo as administrações descentralizadas nos foros deixam poucos exemplos de protagonismo no que se refere à ideia de desconcentração administrativa.

Não é sem propósito que o corregedor nacional de Justiça vem a público declarar que “a reversão desse quadro passa pelo debate sobre a melhor repartição orçamentária entre o primeiro e o segundo grau, sobretudo, na Justiça Estadual, onde está o maior gargalo”. Sugere, em consequência, que se adote como regra o sistema da Justiça Federal, isto é, “é preciso adotar na Justiça Estadual a mesma política do Judiciário Federal. A Justiça Estadual precisa ter um orçamento para o tribunal e outro específico dirigido pelo diretor do foro para que seja administrado apenas em função do primeiro grau, com já ocorre na Justiça Federal”.

Veja que na Justiça do Trabalho, integrante do Poder Judiciário da União, as administrações dos foros – onde existem – não seguem aquele modelo desconcentrado que caracteriza a Justiça Federal. Há um esforço nesse sentido em desenvolvimento na 10ª Região (DF/TO), de onde tenho colhido boas informações de avanços na direção do aprimoramento da governança dos Juízos de 1º grau.

Tenho, portanto, que é bem-vinda uma política institucional permanente e duradoura que assegure a redução das assimetrias entre os diversos graus de jurisdição, mesmo porque é no 1º grau que se concentra a maior quantidade de processos, e, contraditoriamente, a quem se assegura, em termos relativos (ou absolutos?), os menores investimentos.

Não é por acaso, por exemplo, que as taxas de congestionamento na fase de execução são tão altas. Dar cumprimento às decisões judiciais exige um enorme esforço material e humano. É nessa fase onde se praticam diversos e complexos atos processuais (constrições, expropriações, pagamentos, habilitações de crédito, impugnações de toda ordem).

E como atender a essa demanda sem os necessários meios?

Creio que, nesse ponto, repousa o contato entre essas duas dimensões da Justiça: o investimento no primeiro grau e a efetividade processual.

Debater o orçamento, qualificar os gestores, identificar as necessidades, priorizar a jurisdição e o jurisdicionado, todos esses são temas que exigem – para ontem – um diálogo institucional que deve envolver todos os integrantes da governança do Poder Judiciário.

Sem esse esforço de repensar os investimentos e a alocação de pessoal (especialmente servidores) na direção do 1º grau, não há expectativa de grandes melhoras nos indicadores da Justiça. Nem mesmo a implantação do processo eletrônico neutralizará esse problema, uma vez que a própria implantação das plataformas eletrônicas precisa passar por esse diálogo para atender às complexas e diferentes necessidades dos diferentes Juízos.

Creio, em arremate, que o anúncio da Política Nacional de Priorização do 1º Grau deveria soar como um ponto de mutação (Fritjof Capra) para o Poder Judiciário brasileiro, em ordem a sensibilizar os atores da Justiça para uma efetiva tomada de posição em favor da democracia interna, da desconcentração administrativa, do aumento da eficiência e, por conseguinte, da redução das taxas de congestionamento.

Sem os meios necessários, não é possível cobrar do 1º grau de jurisdição uma resposta mais qualificada aos seus elevados desafios.

Autores

  • é Juiz do Trabalho, titular da 2ª Vara do Trabalho de Natal, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual.

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