Crise na Justiça

Não adianta apontar acusações ao TJ-BA sem mostrar solução

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22 de outubro de 2013, 11h16

A Justiça da minha terra vive anos sem glória. E anos não são dias.

Não há quem não tenha dito ou escutado, como anedota ou com indignação, que no Brasil há a boa Justiça, a Justiça ruim e a Justiça da Bahia. Não há quem, com alguma experiência no foro baiano, não tenha uma história, falsa ou verdadeira, a contar de decisões inusitadas em plantões judiciários, de suspeitas de direcionamento em distribuições, de abordagens e pressões a benefício de interesses pessoais.

Além da tradição brasileira dos jeitinhos e favores, dos corrilhos e igrejinhas, sobre a minha Justiça e o meu tribunal (o mais antigo das Américas, pelo que se diz) pesa uma violenta má reputação, que mesmo os baianos, lamentavelmente, e não raras vezes, cuidamos de alardear.

Se não for sua causa imediata, essa crise de reputação potencializa, hoje, uma crise institucional de largas dimensões no Poder Judiciário da Bahia.

Relatórios e apurações do Conselho Nacional de Justiça trazem dados preocupantes, que o noticiário repercute com chamadas a indicar que inspeção do CNJ aponta fraude no Tribunal de Justiça baiano, que Corregedor Nacional de Justiça abre sindicâncias contra desembargadores do TJ-BA, que o tribunal baiano é o pior do Brasil.

Autoridades dirigem à instituição palavras duras, com em entrevistas a firmar juízo de que aí a justiça é subalterna a favores políticos e que seu desempenho é, para dizer pouco, deplorável.

É nesse ambiente que se prevê, para a próxima sessão do Conselho Nacional de Justiça, o julgamento de feitos que, amplamente noticiados pela imprensa, repercutem de forma direta no Tribunal da Bahia.

Um tribunal que não merece a má imagem pública que por tanto tempo se formou.

Constam em pauta sindicâncias instauradas contra o presidente da Corte e sua antecessora, ao que se sabe com imputação de dificuldades gerenciais, divergências em torno de contratos administrativos e seus desdobramentos, e questionamentos sobre cálculos em precatórios.

Abertamente se fala na possibilidade de afastamento de dois magistrados que, tendo estado e estando agora à frente do Tribunal da Bahia, de forma objetiva e só por terem presidido o órgão, estariam assim submetidos à sanção disciplinar antecipada — e irreversível, e definitiva — de não mais exercer a função pública, na pendência de um eventual processo disciplinar que se anuncia.

Além das sindicâncias, constou em pauta do Conselho liminar deferida, na sexta-feira passada (18/10), para obstar a posse de desembargador originário da classe dos advogados e recém-nomeado, pelo governador do Estado, para o quinto constitucional do Tribunal.

Suspensa, já na segunda-feira (14/10), por decisão do Supremo Tribunal Federal, a medida do Conselho se fundou na existência de um inquérito em curso, no Superior Tribunal de Justiça, contra o desembargador, até poucos dias atrás Juiz do Tribunal Regional Eleitoral da Bahia nomeado, na classe dos juristas, pela presidente da República.

No juízo da liminar administrativa, o inquérito bastaria para afastar a idoneidade e a reputação do desembargador, legitimando a intervenção do Conselho Nacional de Justiça não somente em sua eleição à lista tríplice, pelo tribunal, mas também no voto dos advogados — que indicaram o seu nome, em escrutínio direto, à lista sêxtupla — e na própria escolha do governador.

Esses e tantos outros incidentes, que afetam a imagem e a credibilidade da Justiça da Bahia, consumando, internamente, um clima de franca insegurança, e externamente uma desconfiança de que sempre haverá erro ou fraude, e não — como é comum — seriedade e correção nos atos e nas decisões que ali são proferidas, são sintomas de um quadro que precisa ser mudado.

Procurador do Estado, atuo no espaço delicado do contencioso judicial, e vivencio as agruras do erário quando, confrontado com pedidos carentes de sentido ou de razão, no Poder Judiciário da Bahia, vejo-os acolhidos sem cuidado, e como se o patrimônio público fosse coisa de ninguém.

Advogado liberal, também conheço o desafio cotidiano de colher, aqui, Justiça para aqueles que, sem ter outra instância a recorrer, apenas nela podem confiar, e certas vezes são tragados pelos meandros incompreensíveis do debate judicial.

Tanto quanto os meus iguais, e um pouco como as autoridades de controle e as instâncias de censura, posso afirmar que meu tribunal tem males. Os crônicos problemas de gestão necessitam de suporte e correção, e as consequências que esses e outros problemas trazem à sociedade devem ser debatidas e apuradas com toda profundidade.

Ao par das apurações e das sanções que caibam ou não caibam, ao final, sob a guarda do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, a procedimentos e pessoas, o Tribunal da Bahia merece o mesmo zelo institucional e a mesma presunção de correção que se devem à Justiça e aos que a fazem. São muitos os que se esforçam em fazê-la, dia a dia, contra toda a má reputação formada ao longo desses anos sem glória.

Apontar acusações à Justiça, como se elas por si bastassem para trazer melhorias, sem estabelecer soluções ou buscar medidas de combate e saneamento ao que está errado, sabendo onde os erros se encontram, cumpre agendas que a poucos servirão. Porque a poucos servirá que se mantenha a trágica anedota de que existem três tipos de Justiça no Brasil — a boa, a ruim, a da Bahia —, com o discurso de que estamos em maus lençóis, e de que a única via é fechar o Tribunal e entregar suas chaves aos bons ou às autoridades de censura.

De pouco ou nada valerão intervenções que, com o objetivo afirmado da mudança, se prestem apenas a acentuar a grave crise por que passa a Justiça da Bahia, e a aprofundar uma imagem negativa e, em muitos pontos, distorcida do que é o Tribunal. Como refletia Calamandrei, quem ingressa no foro com suspeitas de secretas ingerências não tardará a perceber nela uma alucinante barraca de feira. Para encontrar a pureza no tribunal, é necessário entrar ali com a alma pura. Façamos assim.

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