Justiça trabalhista

Regulamentar terceirização fortalece relações de trabalho

Autor

  • Nelson Mannrich

    é advogado sócio do escritório Mannrich e Vasconcelos professor titular da Universidade de São Paulo (aposentado) oresidente da Academia Iberoamericana de Direito do Trabalho e membro e presidente honorário da Academia Brasileira de Direito do Trabalho (cadeira nº 49).

20 de outubro de 2013, 6h00

Muitos acreditam que uma das melhores formas de acabar com as condições precárias de trabalho no Brasil é dar fim às contratações por meio da terceirização. Esta, porém, é uma visão simplista do assunto e que não gerará os resultados esperados. O debate que pretendo estimular é a necessidade de regulamentação da terceirização e, com isso, proteger o trabalhador e fortalecer as relações de trabalho.

Deixando de lado observações e queixas de sotaque ideológico, devemos analisar que convivemos com essa forma de contratação há bastante tempo e que a ausência de lei levou-a a ser mal utilizada por algumas empresas mais interessadas em reduzir custos com mão-de-obra, prejudicando o sistema como um todo. Daí a importância de projetos com vistas a regular a terceirização no lugar de sua execração ou simples banimento, em que pese a necessidade de sua revisão, cabendo aos pensadores do Direito contribuir para o aperfeiçoamento da legislação.

Como se vê, a terceirização implica grandes desafios. Qual o ponto de equilíbrio entre a garantia dos direitos sociais dos trabalhadores e a busca da necessária eficiência de mercado em vista da sobrevivência das empresas? Podemos destacar a extensão do Direito do Trabalho a todos os tipos de trabalhadores, para que seja evitado o surgimento de empregados de segunda categoria em um mesmo local de trabalho, ainda que exerçam suas atividades para mais de uma empresa. Esta é uma forma de erradicar a precarização das condições de trabalho, e não a terceirização. Não se pode admitir que a terceirização seja condenada de forma genérica, sob a acusação de que sempre implicará precarização das condições de trabalho.

Para o Direito do Trabalho, interessa particularmente a questão da responsabilidade decorrente do processo de terceirização. O Direito do Trabalho se estruturou sobre um modelo de empresa que já não existe mais, sendo certo que há perturbadora distância entre a realidade socioeconômica atual e aquela que serviu de referência para produzir a regulação trabalhista, de cunho paternalista, que ainda está em vigor. Com efeito, quando da empresa adaptada ao modelo fordista, cada uma controlava todo ciclo produtivo, mediante autonomia nas relações externas com outras empresas, prevalecendo o princípio da igualdade. Tal modelo sofreu abalos, cedendo lugar à outra lógica de produção, cabendo ao Direito do Trabalho regulá-la de forma eficaz, não desprezá-la ou impedir seu avanço.

O que vemos hoje na terceirização é a relação jurídica entre dois sujeitos reais, ou seja, entre dois reais empregadores ou entre um real empregador e um efetivo trabalhador autônomo. Por outro lado chamamos de marchandage onde não há atividade econômica, apenas exploração do homem pelo próprio homem, cujo intuito resume-se na fraudulenta intermediação de mão-de-obra. Na terceirização, ao contrário do marchandage, não se contratam pessoas, mas serviços, assumindo-se riscos, obrigações e responsabilidades próprios de empresário. O marchandagem ocorre quando alguém, denominado marchandeur, assume determinada obra ou empreitada e incumbe a outros sua execução. Portanto, o marchandagem corresponde à modalidade de exploração de mão-de-obra por interposta pessoa, que se apresenta como empregador e se apropria da diferença entre o preço cobrado e o salário pago aos trabalhadores. Este tipo de relação que provoca danos a empregados subcontratados deve ser combatido.

A primeira reação do Judiciário, quando estava em vigor a Súmula 256, foi a de proibir a terceirização, exceto nos casos de trabalho temporário e de vigilância, declarando ilegal a contratação de empregados por empresa interposta. Entretanto, sob o argumento de que eram lícitos os contratos de prestação de serviços e de fornecimento, previstos no Código Civil, e de que o objetivo não era o de eliminá-los das relações trabalhistas, mas o de impedir a intermediação de mão-de-obra por empresa interposta, o Tribunal Superior do Trabalho, revendo aquela posição inicial, aprovou a Súmula 331.

Assim, se num primeiro momento, o Tribunal Superior do Trabalho vedou a terceirização, num segundo, passou a autorizá-la, desde que não envolvesse atividade fim da empresa. No meu entender, esta distinção – de atividade meio ou fim – não possui interesse prático, pois o que importa é proteger o trabalhador, impedindo o puro e simples rebaixamento salarial e a degradação das condições de trabalho. Precisamos de um marco legal que diga quem pode terceirizar, como e quando.

Atualmente, está em tramitação o projeto de lei 4.330/2004, de autoria do deputado Sandro Mabel e relatado por Arthur Maia, que possibilita que as empresas terceirizem serviços para as atividades consideradas fim e amplia vantagens dos empregados terceirizados, como a exigência de comprovação periódica do cumprimento da legislação trabalhista e a determinação de que os trabalhadores terceirizados tenham as mesmas vantagens oferecidas pelo contratante, como atendimento médico e uso comum do refeitório.

Tais propostas terão impacto direto sobre as empresas que se utilizam da terceirização e sobre os trabalhadores terceirizados. O fato é que ressentimo-nos de uma legislação moderna para acabar com os casuísmos introduzidos pelo Judiciário trabalhista, que geram insegurança para as relações do trabalho e, algumas vezes, a indevida intromissão do Estado nos processos de escolha da melhor gestão da empresa.

Autores

  • é sócio do escritório Mannrich, Senra e Vasconcelos Advogados, professor titular de Direito do Trabalho da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) e presidente honorário da Academia Nacional de Direito do Trabalho.

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