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Produtor rural é amparado pelo CDC em briga com indústria

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19 de outubro de 2013, 6h27

Embora o Código de Defesa do Consumidor seja aplicado apenas para os que se utilizam do produto como consumidor final, sua incidência protetiva é alargada para os pequenos produtores rurais. Afinal, esses são hipossuficientes e vulneráveis diante do tamanho dos fabricantes e revendedores de insumos agropecuários.

O entendimento da 10ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul acabou confirmando os fundamentos da sentença que mandou indenizar uma agricultora que teve a safra frustrada por uso de produto errado. Em vez de fungicida, o revendedor lhe vendeu fertilizante para tratar do parreiral com fungos.

O relator da Apelação, desembargador Túlio Martins, tal como o juízo de origem, entendeu que a entrega do produto errado foi o que deu causa ao prejuízo da autora. Como a revenda não contestou o cálculo dos prejuízos constantes na inicial, foi condenada a reparar o dano material na íntegra. O acórdão foi lavrado na sessão de julgamento do dia 26 de setembro.

Gabriele Cantini / flickr
O caso
Teresinha Bellaver contou à Justiça que produz uva em quase dois hectares e que, na safra de 2009/2010, precisou combater o ‘‘míldio’’, doença fúngica que ataca os ramos e os cachos da planta. Assim, pediu à Agrocaxias Comércio de Defensivos Agrícolas, Sementes, Fertilizantes e Implementos um produto para fazer o tratamento nas videiras.

Como o produto não surtiu efeito, a agricultora resolveu analisar com mais atenção a embalagem. Percebeu, então, que tinha recebido do fornecedor um fertilizante mineral foliar, e não um fungicida. Ela esperava receber ‘‘pesticida fúngico à base de sulfato de cobre’’.

A ineficência do tratamento fitossanitário custou caro, pois a produção, antes estimada em 20 mil quilos de uva, caiu para 5,9 mil quilos. Segundos os cálculos apresentados à Justiça, o prejuízo material chegou a quase R$ 19 mil. Além da reparação material, ela pediu indenização por dano moral, em face das ‘‘lesões, ressentimentos e incertezas’’.

A Agrocaxias apresentou defesa e denunciou à lide o fabricante do produto, a Sulfato de Cobre Florense Indústria e Comércio Ltda. No mérito, alegou que o produto vendido era sulfato de cobre e adequado para tratar videiras. O fato de estar registrado no Ministério da Agricultura como fertilizante mineral não modifica a fórmula e indicações do produto. Informou que em 2009 houve excesso de chuvas — cinco vezes mais que em 2008 —, o que pode ter ocasionado a quebra de safra ou a dificuldade no controle das doenças.

A Sulfato de Cobre Florense, por sua vez, afirmou que a embalagem é clara ao informar que se trata de fertilizante mineral foliar, e não fungicida ou defensivo. Ou seja, a revenda teria vendido produto diverso daquele pretendido pela autora. Em síntese, se erro houve, deve-se exclusivamente à revenda.

A sentença
O juiz Mario Romano Maggioni, da 2ª Vara da Comarca de Farroupilha, entendeu que a relação comporta a aplicação das regras do Código de Defesa do Consumir (Lei 8.078/1990), uma vez que o produtor é a parte vulnerável e hipossuficiente em comparação com as empresas que fabricam e vendem insumos agrícolas.

Quanto ao mérito da questão, afirmou que a prova, tanto testemunhal quanto pericial, é contraditória. Ou seja, não define claramente se o produto adquirido pela autora pode ou não ser empregado também como fungicida. A realidade, advertiu, é que ele foi registrado no Ministério da Agricultura e é fabricado como fertilizante. Logo, não poderia ser vendido como fungicida.

‘‘A alegação de que se trata de prática usual tampouco se sustenta. Com efeito, o produto deve seguir a indicação para a qual foi fabricado e registrado e não os usos e costumes. Em decorrência, por óbvio, que a Agrocaxias não poderia ter vendido o produto (fertilizante) como se fosse fungicida’’, definiu o juiz.

Assim, em face da inversão do ônus da prova, por ser relação consumerista, o juiz considerou imperativa a análise do caso em favor da autora. Em decorrência, deferiu a reparação material no valor solicitado na inicial, já que a revenda — que ficou sozinha na lide — não impugnou o valor.

A reparação moral foi indeferida sob o argumento de que a frustração da safra, causada por infração a dispositivos do CDC, configura aborrecimento, e não abalo à honra capaz de ensejar compensação pecuniária. Ou seja, não ficaram demonstrados constrangimentos ou abalos à honra acima da normalidade a justificar a imposição de dano moral.

Clique aqui para ler a sentença e aqui para ler o acórdão. 

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