Polêmica das biografias

'Homem público é livro aberto', diz ministro Marco Aurélio

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19 de outubro de 2013, 12h03

Biografias não-autorizadas podem ou não ser publicadas? O polêmico assunto chegou à Câmara dos Deputados, que analisa projeto de lei do deputado Newton Lima (PT-SP), a favor da liberação, e ao Supremo Tribunal Federal, em que tramita desde 2012 ação ajuizada pela Associação Nacional dos Editores de Livros. A Anel pede que sejam declarados parcialmente inconstitucionais os artigos 20 e 21 do Código Civil, que obrigam escritores e editores a pedir o aval de biografados ou familiares.

Para o ministro Marco Aurélio, um dos responsáveis pela decisão do caso no STF, quem tem notoriedade, como artistas, esportistas e políticos, não tem a mesma privacidade de um brasileiro comum, e o homem público deve ser considerado um livro aberto, sem direito à clausura. Em entrevista concedida à revista Veja, publicada neste sábado (19/10), o ministro afirma que é de interesse da sociedade o conhecimento sobre a vida, obra e histórias de personalidades, e isso permite que o Brasil tenha memória.

Afirmando que não se trata de antecipar seu voto, o ministro informa que o direito à privacidade fica em segundo plano quando confrontado com o interesse público. Marco Aurélio defende também que os ministros não conversem sobre o assunto, o que permite votos mais espontâneos e evita vínculos antecipados, algo que ele classifica como ruim para órgãos julgadores.

Leia a entrevista concedida à repórter Juliana Zambelo, da revista Veja:

Qual é a opinião do senhor sobre a publicação de biografias não autorizadas?
A pessoa que tem notoriedade não pode pretender ter a mesma privacidade do cidadão comum. Claro que, se houver abuso, a questão se resolve em outro campo, no campo indenizatório. Aquele que se projeta na vida em sociedade, se torna um homem público — e não me refiro apenas ao homem da administração pública, mas o homem de perfil notório — ele evidentemente não pode se enclausurar e querer se colocar em uma redoma de vidro. Essa é minha concepção, o homem público é um livro aberto.

É possível que os artigos 20 e 21 do Código Civil estejam sendo mal interpretados?
O Código Civil é categórico ao revelar que (a publicação) depende da autorização daquele que será biografado. E que ele pode inclusive requerer ao juiz que implemente a censura.

Esses artigos do Código Civil, então, não deveriam existir?
Eu não antecipo, ainda estou refletindo, mas nesses 34 anos de juiz eu sempre tive a concepção de que a notoriedade gera uma publicidade maior. Uma coisa é o cidadão comum que se dedica só à iniciativa privada e outra é a pessoa que se torna pública. A sociedade tem interesse em acompanhar e conhecer profundamente o perfil (das pessoas públicas). O país precisa ter memória.

Nesse caso, o direito à privacidade deve ficar em segundo plano?
Ele cede ao interesse coletivo. Em se tratando de uma pessoa de notoriedade maior, que se apresentou ao grande público buscando o aplauso, ela tem uma privacidade mais relativa do que o cidadão comum.

A votação da ação da Anel pode acontecer ainda esse ano?
A ministra Cármem Lúcia convocou audiência pública para os dias 21 e 22 de novembro. Fazendo a audiência pública, é encontrar espaço na pauta, que está inviabilizada hoje. Somente eu tenho 195 processos aguardando na fila. Tenho processos liberados há 15 anos.

O senhor já conversou com os outros ministros sobre esse assunto?
Não conversamos porque não temos nem tempo. E eu tenho uma concepção de que não devemos conversar. Cada um deve chegar à sessão e votar com a maior espontaneidade possível. Quando a gente conversa, acaba se vinculando antecipadamente, o que é ruim em termos de colegiado julgador.

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