Princípio da isonomia

Prazo prescricional em ação regressiva acidentária é de 5 anos

Autor

  • Fernando Maciel

    é procurador federal em Brasília máster em prevenção de acidentes laborais pela Universidade de Alcalá (Espanha) especialista em Direito de Estado pela UFRGS e professor de pós-graduação em Direito do Trabalho e Previdenciário. Autor do livro Ações Regressivas Acidentárias (editora LTR).

19 de outubro de 2013, 6h19

A ação regressiva acidentária, cujo fundamento legal se encontra no artigo 120 da Lei 8.213/91, é o instrumento processual que viabiliza ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) o ressarcimento das despesas com as prestações sociais acidentárias implementadas em face dos acidentes do trabalho que ocorrem por culpa dos empregadores que descumprem as normas de saúde e segurança do trabalho.

Após mais de 20 anos, nos quais havia inúmeras controvérsias acerca da incidência do fenômeno prescritivo sobre a pretensão ressarcitória exercida nas ações regressivas, o Superior Tribunal de Justiça julgou procedente Agravo em Recurso Especial (387.412 – PE 2013/0284296-2) movido pelo INSS e reconheceu que, em respeito ao princípio da isonomia, o prazo prescricional nas hipóteses em que a Fazenda Pública é autora é quinquenal (5 anos), assim como já ocorre com as ações indenizatórias contra a Fazenda Pública.

Tal entendimento vai ao encontro de tese que defendo no livro Ações Regressivas Acidentárias (editora LTR, 2013, 2ª edição), no qual faço uma exposição acerca dos dois entendimentos que até agora vinham dividindo a doutrina e a jurisprudência acerca da matéria. Um deles defende a observância do prazo previsto no Código Civil de forma genérica para as hipóteses de responsabilidade civil. Enquanto o outro sustenta a aplicação do prazo do Decreto 20.910/33, previsto especificamente para as relações que envolvem a Fazenda Pública.

Assim como reconheceu o STJ, o entendimento pessoal que sustento é no sentido de que o prazo prescricional a ser observado nas ações regressivas acidentárias é o de cinco anos previsto no artigo 1º do Decreto 20.910/32, em observância ao princípio da isonomia. Não faria qualquer sentido que o administrado, no exercício de um interesse estritamente particular, tivesse à sua disposição o prazo de cinco anos para postular um ressarcimento contra a Fazenda Pública, enquanto essa, na defesa do interesse público representado pelo ressarcimento ao erário, dispusesse de prazo inferior.

Também a jurisprudência, inclusive do próprio STJ, já vinha reconhecendo que a aplicação do princípio da isonomia impunha a observância da prescrição quinquenal nas ações em que a Fazenda Pública figurasse no polo ativo de uma relação ressarcitória.

Além do princípio da isonomia outro argumento que corrobora a tese favorável da prescrição quinquenal decorre da natureza pública das normas que fundamentam a pretensão ressarcitória veiculada na ação regressiva acidentária, a qual visa a recompor os desfalques causados ao Fundo Geral de Previdência Social (FGPS) composto de recursos públicos. Com efeito, não haveria sentido observar a prescrição trienal prevista no Código Civil, a qual foi instituída genericamente para disciplinar relações de natureza privada.

Outro argumento que fundamenta a aplicação do prazo quinquenal previsto no Decreto 20.910/32 às ações regressivas acidentárias é a expressa disposição normativa contida no artigo 88 da Lei 8.212/91 (Plano de Custeio da Seguridade Social), a qual preconiza que: “Os prazos de prescrição de que goza a União aplicam-se à Seguridade Social, ressalvado o disposto no artigo 46”. Outrossim, o artigo 104 da Lei 8.213/91 também fundamenta a observância do prazo quinquenal de prescrição, ao dispor: “as ações referentes à prestação por acidente do trabalho prescrevem em cinco anos (…)”.

Por fim, outro reforço argumentativo favorável à observância do prazo quinquenal decorre da aplicação analógica da prescrição incidente na ação regressiva que a União move contra os seus agentes, servidores ou não, nos casos de danos causados a terceiros.

Além do fundamento constitucional previsto no artigo 37, § 6º, da CF/88, na esfera federal o artigo 122, § 2º, da Lei 8.112/90 preconiza que: "Tratando-se de dano causado a terceiros, responderá o servidor perante a Fazenda Pública, em ação regressiva". Para tais casos, a Lei 9.494/97, em seu artigo 1º-C disciplinou a observância do prazo prescricional de 05 anos: Artigo 1º-C.  Prescreverá em cinco anos o direito de obter indenização dos danos causados por agentes de pessoas jurídicas de direito público e de pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços públicos.

A partir das considerações supra, em que pese o respeito que destino aos defensores da prescrição trienal do Código Civil, em matéria de ações regressivas acidentárias não encontro argumentos suficientes para afastar a incidência da prescrição quinquenal prevista no Decreto 20.910/32.

Com a decisão do STJ, mesmo que as ARAs sejam ajuizadas após o transcurso do prazo de cinco anos previstos no artigo 1º do Decreto 20.910/32, ainda assim a pretensão ressarcitória não estará inteiramente fulminada pelos efeitos da prescrição.

Isso porque, apesar de o ressarcimento pretendido pelo INSS derivar de um fato instantâneo, qual seja, um acidente do trabalho ocorrido por culpa de alguma(s) empresa(s), via de regra os danos suportados em face desse infortúnio prorrogam-se indefinidamente no tempo, visto que o implemento das prestação sociais acarretam o pagamento de prestações mensais em prol do segurado, ou então aos seus dependentes no caso de óbito daquele.

Com efeito, considerando que a pretensão ressarcitória veiculada pelo INSS está embasada numa relação de trato sucessivo, resta evidente que o “fundo de direito” merece ser preservado, restando inexigíveis apenas as parcelas atingidas pelo prazo prescricional, o qual deve abranger o período que exceder os cinco anos anterior ao ajuizamento da ação.

A partir da indefinição da (im)prescritibilidade do fundo de direito alguma controvérsia tem surgido no que tange à fixação do termo “a quo” a ser considerado no prazo prescricional aplicável nas ARAs.

Acolhida a tese da imprescritibilidade do fundo de direito, o prazo prescricional será computado regressivamente no tempo, ou seja, tomar-se-á como termo “a quo” a data do ajuizamento da ARA, retroagindo-se a pretensão ressarcitória até o lapso de prescrição a ser considerado. Esse é o entendimento que considero mais adequado.

A título exemplificativo, considerando-se um acidente do trabalho ocorrido por culpa do empregador e que tivesse acarretado na concessão de um benefício previdenciário no ano 2000, acaso a ARA fosse ajuizada no ano de 2010 o INSS poderá cobrar os valores adimplidos desde 2005 considerada a prescrição quinquenal do Decreto 20.910/33.

Já na hipótese de não ser acolhida a tese da imprescritibilidade do fundo de direito, entendimento que não comungo, o prazo prescricional será computado progressivamente no tempo, cujo termo “a quo” será a data em que o INSS passar a sofrer o prejuízo material em face da conduta culposa do responsável pelo acidente do trabalho, o que se concretizará com o efetivo pagamento da respectiva prestação social (benefício ou serviço).

Acerca da definição do termo “a quo” podemos encontrar precedentes jurisprudenciais em sentido diverso, ora adotando a data da ocorrência do acidente do trabalho, ora a data da concessão do benefício, mesmo que o efetivo dispêndio financeiro (pagamento da prestação mensal) se verifique em data posterior.

Salvo melhor juízo, tais entendimentos não devem prevalecer, pois somente com o início do pagamento do benefício, ou então a concreta disponibilização do serviço social (entrega da prótese/órtese, etc.) é que o INSS passará a suportar o prejuízo que legitimará substancialmente a sua pretensão ressarcitória.

Somente em algumas hipóteses o curso do prazo prescricional de uma ação regressiva acidentária pode sofrer solução de continuidade. Uma delas é o impedimento/suspensão do prazo prescricional enquanto não encerrar a apuração do acidente do trabalho na esfera penal. Isso porque, considerando que pretensão ressarcitória do INSS pressupõe a ocorrência de um prejuízo material, somente com o efetivo implemento de alguma prestação social é que a autarquia previdenciária poderá exercer o seu direito de regresso.

Com efeito, nos casos em que a persecução criminal tiver início antes da ocorrência do prejuízo material suportado pelo INSS, eis aqui uma hipótese de impedimento do prazo prescricional. Já nos caso em que a responsabilização penal for instaurada após o efetivo dispêndio financeiro por parte da autarquia previdenciária, o prazo prescricional será suspenso, retornando o seu curso normal após superada essa causa de suspensão.

Em que pese a independência entre as instâncias cível e penal, não podemos olvidar que, em determinadas situações, a decisão proferida na esfera criminal pode interferir diretamente no juízo cível.

Nesse sentido o artigo 935 do Código Civil dispõe que a responsabilidade civil é independente da criminal, porém quando a materialidade e a autoria do delito restarem decididas no processo-crime, tais questões não mais podem ser rediscutidas no juízo cível. Outrossim, nos termos do artigo 91, I, do Código Penal, um dos efeitos da condenação criminal é tornar certa a obrigação de indenizar o dano causado pelo crime.

Registra-se que para que se verifique o impedimento/suspensão do prazo prescricional previsto no artigo 200 do Código Civil não se faz necessária a efetiva tramitação do processo penal, bastando a instauração do inquérito policial destinado a apurar a repercussão criminal do acidente.

Com efeito, ocorrendo um acidente do trabalho que acarrete a instauração de inquérito penal para a apuração do fato, com fundamento no artigo 200 enquanto não sobrevir decisão definitiva no juízo criminal não há que se falar em prescrição da ação regressiva acidentária.

Ainda na hipótese de não ser acolhida a tese da imprescritibilidade do fundo de direito da ação regressiva acidentária, iniciado o curso do prazo prescricional há a possibilidade de sobrevir alguma causa que interrompa esse fluxo temporal, circunstância que acarretará o recomeço da contagem da prescrição desde o início, interrupção que somente poderá ocorrer uma única vez.

A partir da causa de interrupção prevista no inciso II do artigo 202 do Código Civil, verifica-se ser lícito ao INSS fazer uso da medida cautelar de protesto, a qual, nos termos do artigo 867 do CPC, tem como objetivo “prevenir responsabilidade, prover a conservação e ressalva de seus direitos ou manifestar qualquer intenção de modo formal (…)”.

Nos casos em que as consequências do acidente do trabalho não estejam sendo apuradas na esfera criminal, hipótese em que não se fará presente a causa de impedimento/supensão referida no tópico anterior, poderá o INSS fazer uso do protesto cautelar de sua pretensão regressiva, o qual interromperá o curso do prazo prescricional e, dessa forma, viabilizará à autarquia previdenciária mais prazo para identificar a culpa do empregador pelo acidente do trabalho, evidenciada pela negligência quanto ao cumprimento e a fiscalização das normas protetivas da saúde e segurança dos trabalhadores.

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    é procurador federal em Brasília, master em prevenção de acidentes laborais pela Universidade de Alcalá (Espanha) e autor do livro Ações Regressivas Acidentárias (editora LTR).

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