Conselho da Cidade

Justiça vê drible à participação popular em Joinville

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19 de outubro de 2013, 7h33

A população deve ser ouvida pela Administração municipal para a definição da lei de zoneamento. Se para isso é necessária a formação de um conselho consultivo, a escolha de seus membros deve caber ao cidadão comum, e não apenas a representantes de entidades inscritas no Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica. Utilizada por um grupo formado por cerca de 20 moradores de Joinville (SC), a alegação foi acolhida pelo desembargador Rodolfo Tridapalli, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, que suspendeu a instalação do Conselho da Cidade. O órgão tem entre suas funções discutir a Lei de Ordenamento Territorial do município.

O Conselho foi criado em 2009 e, de acordo com a Lei Complementar 299/2009, que rege seu funcionamento, é órgão propositivo, consultivo e de deliberação em matéria de política urbana relativa ao planejamento municipal. É composto igualmente por representantes da sociedade e do poder público. A disputa entre o grupo de moradores e a Prefeitura começou em fevereiro de 2012, quando foi ajuizada Ação Popular contra a Administração municipal e a Fundação Instituto de Pesquisa e Planejamento para o Desenvolvimento Sustentável de Joinville (Ippuj). O subscritor da peça, assim como das demais ações e recursos, é o advogado Gustavo Pereira da Silva.

Entre outras irregularidades, o grupo apontava a recondução ao cargo de todos os 139 conselheiros escolhidos em 2009. Sem convocar nova conferência para atualização dos quadros do conselho, o prefeito editou dois decretos em julho de 2011, renomeando os membros, contrariando o artigo 15 da Lei Complementar 299, segundo a peça. Isso, de acordo com o grupo, tornaria nulas as deliberações do Conselho da Cidade a partir de agosto de 2011.

Entre as ações está a que questiona a aprovação da minuta do Projeto de Lei Complementar 69/2011, que regulamenta a Lei de Ordenamento Territorial. A petição inicial indica que a motivação para a recondução dos conselheiros seria a necessidade de aprovar a LOT em 12 meses a contar da publicação da Lei Complementar de Estruturação Territorial, que entrou em vigor em 11 de outubro de 2010. A edição dos decretos que reconduziu os integrantes do Conselho da Cidade seria, como afirmou o grupo, a forma de garantir que o prazo fosse cumprido.

Em 30 de janeiro de 2012, o juiz Roberto Lepper, da 2ª Vara da Fazenda Pública de Joinville, informou que os mandatos dos conselheiros são improrrogáveis, como prevê a LC 299. Assim, os 139 conselheiros eleitos em 13 de agosto de 2009 deixaram de ocupar os postos no mesmo mês de 2011. Ele disse que sem a convocação de novas eleições, como previa o artigo 2º da mesma LC 299, eles não poderiam ocupar os cargos.

Assim, apontou o juiz, o ato administrativo aprovado após agosto de 2011 estava “viciado por incompetência funcional, cujo defeito jurídico é a causa de nulidade absoluta do ato”. Roberto Lepper tornou nulos os decretos que reconduziram os 139 conselheiros aos cargos, suspendendo a votação de Lei de Ordenamento Territorial. Assim, a Prefeitura elaborou a LC 380/2012, reformulando todo o Conselho da Cidade — já que foi suspensa a recondução biônica de seus integrantes — e reformando o órgão, que passou a ser composto por 70 representantes da sociedade e 52 do poder público.

Voto censitário
Em outubro de 2012, o mesmo grupo ajuizou nova Ação Popular, questionando o edital de convocação da Conferência da Cidade, que tinha o objetivo de definir os novos integrantes do Conselho da Cidade. A petição informou que foram criadas duas classes de participantes da conferência. Delegados vinculados a instituições que possuem CNPJ poderiam votar e ser eleitos, enquanto que o cidadão comum teria assegurado o direito de assistir à plenária e de se manifestar apenas mediante inscrição e votar para referendar relatórios e questões de ordem.

De acordo com o grupo, tal regra criava o voto capacitário, discriminando a população ao determinar “que alguns cidadãos são mais e outros menos”. Ao adotar essa postura, segundo a peça, a Administração municipal deixou de respeitar o modelo de participação democrática para a formulação, elaboração e execução de políticas públicas.

A liminar foi concedida pelo juiz Roberto Lepper, que determinou a suspensão da Conferência da Cidade, afirmando que o Conselho da Cidade só será plenamente democrático quando a escolha de seus membros também for. Segundo ele, não é possível aceitar distinções descabidas no que diz respeito ao direito a voto dos presentes à conferência. Lembrando que só poderiam votar e ser eleitos os representantes de entidades que possuam CNPJ, o juiz informou que “a instituição de sufrágio censitário no seio da Administração Pública revela-se um expediente infeliz”.

Segundo ele, só há precedente desse cenário no Brasil no período da monarquia, quando o Estado era representado pelo imperador e a ele o servia. No entanto, para Roberto Lepper, se razões de ordem política e social justificavam a restrição ao direito de voto na Constituição de 1824, esses aspectos não estão mais presentes hoje. Ao conceder a liminar, ele cita a ilegalidade do objeto do edital indicado na Ação Popular e a inexistência de motivos para que seja negada a isonomia entre os representantes da sociedade civil.

Ideias barradas
Graças a um efeito suspensivo em pedido de reconsideração, a Prefeitura de Joinville conseguiu suspender os efeitos da decisão em maio de 2013, dez dias antes de nova conferência. No entanto, o grupo de moradores de Joinville não se deu por satisfeito. Antes mesmo do efeito suspensivo, foi ajuizada Ação Popular que tinha como alvo exatamente a Conferência da Cidade marcada para 18 de maio de 2013.

A peça citou que o regimento interno da conferência apontava duas eleições diferentes. As vagas destinadas aos segmentos populares seriam preenchidas por meio de plebiscito, com voto aberto a todos, com “colégio eleitoral diferenciado e exclusivo” escolhendo os delegados para postos que cabem a outros segmentos da sociedade, como órgãos empresariais e acadêmicos. O grupo informou que tal prática ofende o princípio da isonomia, pois dá dois tipos de tratamento aos interessados em participar do processo, sem qualquer justificativa jurídica plausível e razoável.

Além disso, segundo a petição, a comissão preparatória da conferência criou obrigação de fazer ilegal ao prever que fosse apresentada ata de constituição de entidade participante. O grupo disse que não há na LC 380 qualquer previsão expressa sobre a necessidade de que os membros do Conselho da Cidade providenciem tal documento. Para o grupo, o objetivo seria dificultar a participação de segmentos despersonalizados e de minorias que não se alinhem ao perfil desenvolvimentista.

Em 7 de maio, o juiz Roberto Lepper analisou em caráter liminar o pedido, determinando que a Prefeitura de Joinville publicasse detalhes, mapas e gráficos e informações sobre a Lei de Ordenamento Territorial. O grupo de moradores ajuizou Agravo de Instrumento e, posteriormente, Embargos de Declaração no Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Em 6 de setembro, o desembargador Rodolfo Tridapalli concedeu parcialmente o efeito suspensivo, o que causou a anulação parcial do processo eleitoral da conferência de maio. Segundo o desembargador, ao “não contabilizar o voto dos cidadãos-eleitores”, o processo permitiu a escolha por um órgão colegiado sem a efetiva participação da sociedade.

No último dia 2 de outubro, Tridapalli analisou Embargos de Declaração em Embargos de Declaração em Agravo de Instrumento com pedido de reconsideração interposto pela Prefeitura de Joinville e pela Ippuj. Ele rejeitou o pedido, alegando que há periculum in mora, pois se a votação fosse mantida, seria consolidada a suposta ilegalidade criada com o processo eleitoral que não levava em conta o voto dos cidadãos-eleitores na escolha dos delegados de entidades.

A necessidade de recontagem dos votos, com a inclusão das escolhas dos eleitores-cidadãos, pode tornar nulos os atos praticados pelo Conselho da Cidade, pois o resultado da Conferência da Cidade pode alterar a composição do órgão. Ainda é necessário o julgamento do mérito do Agravo de Instrumento pelo TJ-SC, e caso seja acolhida a argumentação de anulação da conferência, todos os atos do Conselho da Cidade posteriores a junho serão anulados. As reuniões do órgão foram suspensas pela Prefeitura de Joinville no começo de setembro, logo após a concessão do efeito suspensivo pelo desembargador Roberto Tridapalli.

Procurada, a Prefeitura de Joinville, por meio da Procuradoria-Geral do Município, informou que não se manifesta sobre o caso neste momento porque ainda não contestou a ação. 

Clique aqui para ler a primeira petição.
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Clique aqui para ler o primeiro Agravo de Instrumento.
Clique aqui para ler a decisão que acolheu o Agravo de Instrumento.

Clique aqui para ler os Embargos de Declaração da Prefeitura.
Clique aqui para ler a decisão que negou Embargos de Declaração. 

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