Transações suspeitas

Obrigações da Lei de Lavagem se aplicam a clubes de futebol

Autor

  • Paulo José Iász de Morais

    é advogado criminalista conselheiro estadual da OAB-SP presidente da Comissão de Monitoramento Eletrônico de Detentos da OAB-SP e sócio do escritório Morais Donnangelo e Toshiyuki Advogados Associados.

14 de outubro de 2013, 16h13

Nos últimos tempos, a prática criminosa conhecida como lavagem de dinheiro tornou-se um dos principais desafios a ser enfrentado pelos diversos países do mundo, principalmente os que visam total transparência em seu sistema financeiro.

Nesse diapasão, o plenário do Senado aprovou no dia 05 de junho de 2012, na forma de substitutivo da Câmara dos Deputados, o projeto normativo que reforma a Lei de Lavagem de Dinheiro (Lei 9.613/98).

Dessa forma, conforme será demonstrado, o rol que registrava os crimes antecedentes foi totalmente revogado e, além disso, a referida norma ampliou os sujeitos que, a partir de então, estarão obrigados a exercerem o controle externo no combate à lavagem de dinheiro.

Ademais, ainda que determinados operadores do direito justifiquem as novas alterações trazidas pela Lei 12.683/2012 forçoso concluir que o Poder Público transferiu a sua obrigação de fiscalizar e/ou controlar o sistema financeiro aos entes do setor privado.

O crime de lavagem de dinheiro
A expressão “Lavagem de Dinheiro” teve sua origem nos Estados Unidos (Money Laundering). Acredita-se que ela tenha sido criada para caracterizar o surgimento, por volta dos anos 20, de uma rede de lavanderias que tinham por objetivo facilitar a colocação em circulação do dinheiro oriundo de atividades ilícitas, conferindo-lhe a aparência de lícito.[1]

Dada à imediata compreensão do seu significado, mesmo pelo público mais leigo, esta expressão foi rapidamente incorporada por diversos países, tais como Portugal (Branqueamento de Capital), França e Bélgica (Blanchiment d´Argent), Itália (Reciclagio del Denaro), Espanha (Blanqueo de Dinero) e Colômbia (Lavado de Activos)[2]

A despeito das inúmeras definições existentes de lavagem de dinheiro, e das pequenas variações que a expressão possa ter de um país para outro, todas, sem exceção, referem-se à intenção de ocultar a origem ilegal de recursos para que, num momento posterior, eles possam ser reintroduzidos na economia revestidos de legitimidade.[3]

Destarte, verifica-se que o crime de lavagem de dinheiro pode ser realizado pelos verbos ocultar ou dissimular os valores obtidos por meio de atividades criminosas e, consequentemente, inseri-los no sistema financeiro com escopo de torná-los lícitos.

Além disso, torna-se de suma importância registrar o modus operandi utilizado para execução do crime de lavagem. Vejamos:

A colocação é a etapa em que o criminoso introduz o dinheiro “sujo” no sistema econômico mediante depósitos, compra de instrumentos negociáveis ou compra de bens. O fracionamento dos valores que transitam pelo sistema financeiro e a utilização de estabelecimentos comerciais que, normalmente, trabalham com dinheiro em espécie são alguns dos artifícios dos quais os criminosos se valem para dificultar a identificação da procedência do dinheiro.[4]

A ocultação é a etapa em que o rastreamento contábil dos recursos ilícitos é dificultado. Neste ponto, o objetivo é interromper a sequência de evidências, no caso de a origem do dinheiro vir a ser investigada. O dinheiro é movimentado eletronicamente: os ativos são transferidos para contas anônimas ou depositados em contas “fantasmas”. Por razões óbvias, estas operações são preferencialmente executadas em países que adotam leis de sigilo bancário.[5]

Na integração ocorre a incorporação formal do dinheiro ao sistema econômico. Este objetivo é alcançado através do investimento em ativos (lícitos ou não) que, não raro, são um meio de facilitação da atuação dos criminosos, como é o caso de sociedades prestadoras de serviços.[6]

Assim sendo, verifica-se que a lavagem de dinheiro é realizada de forma bem complexa, pois são realizadas diversas condutas para concluir o branqueamento do dinheiro ilícito. Com isso, os países que pretendem oferecer transparência em seu sistema financeiro se unem para combater essa prática criminosa.

Alterações apresentadas pela lei 12.1683 de julho de 2012
De proêmio, cumpre salientar que a Lei 12.683/2012 trouxe diversas alterações para o nosso ordenamento jurídico, entre as principais está à possibilidade de punição para lavagem de dinheiro proveniente de qualquer origem ilícita.

No pretérito, a lavagem só se configurava em crime se o dinheiro envolvido viesse de uma lista predefinida de atividades ilícitas, como tráfico de drogas, terrorismo, contrabando de armas, sequestro, crimes praticados por organização criminosa e crimes contra a administração pública e o sistema financeiro.

Acerca disso, a lei em debate também inovou ao autorizar o Poder Judiciário confiscar previamente os bens envolvidos no crime e levá-los a leilão. A finalidade é evitar que automóveis, barcos, aviões e imóveis fiquem parados por muito tempo à espera de liberação judicial para venda. Com isso, os recursos arrecadados com os leilões poderão ser destinados a uma conta vinculada do processo, pois no caso de absolvição, retornam para os réus e, em caso de condenação, irão diretamente de forma atualizada para o erário.

Além disso, a Lei 12.683/2012 ampliou a lista de pessoas físicas ou jurídicas que estão obrigadas a identificarem seus clientes, bem como informarem às autoridades sobre operações financeiras consideradas suspeitas.

A referida alteração abarca, por exemplo, empresas que comercializam imóveis, artigos de luxo, empresários envolvidos com transações de atletas, diante das altas quantias registradas nos últimos tempos envolvendo jogadores de futebol.

Assim, com fito de limitar o tema em questão, nos atentaremos apenas aos temas que mais repercutiram após o Senado Federal aprovar na forma de substitutivo da Câmara dos Deputados o projeto de lei 209/03.

Revogação do rol que consignava os crimes antecedentes
Registramos que a nova lex alterou o termo crime para infração penal e, com isso, revogou o rol dos crimes antecedentes.

Com base nas lições supracitadas, trazemos à baila os argumentos exarados pela nobre causídica Heloisa Estellita, especialista em Direito Penal Econômico, a qual registra que: “Haverá situações de perplexidade nas quais o autor da contravenção antecedente, como, por exemplo, aquele que promover jogo de azar, estará sujeito a uma pena extremamente mais severa pela lavagem, que vai de três a dez anos, do que pelo próprio crime que se quer coibir. Se a intenção era atingir o jogo do bicho, melhor seria ter transformado a conduta de contravenção em crime.”[7]

Portanto, forçoso concluir o endurecimento da norma em debate, pois o termo infração penal ampliou muito mais o rol do delito produtor, vez que até contravenção será considerada como apta para ensejar as sanções da lei de lavagem de dinheiro, o que certamente afrontará o princípio da proporcionalidade.[8] Contudo, esse é um tema para uma nova abordagem em outro artigo e debate, o que deixaremos para uma nova oportunidade.

Ampliação das pessoas físicas ou jurídicas obrigadas a fazer controle externo sob atividades consideradas suspeitas
Como se não bastasse o legislador revogar o rol de crimes antecedentes previstos no artigo primeiro da lei 9.613/98, outro aspecto não menos importante foi a abrangência das pessoas obrigadas a comunicar o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) sob transações de caráter suspeito.

Note-se, portanto, que o legislador ampliou severamente o rol de pessoas obrigadas a auxiliarem o Poder Público no combate ao crime de lavagem de dinheiro, incluindo diversos prestadores de serviços, como corretores, contadores, empresários de atletas, ou seja, todos ligados de alguma forma com atividades que movimentam altos valores econômicos.

Contudo, ainda que a norma em apreço merecesse uma ampla reforma, forçoso concluir que mais uma vez o Congresso Nacional, influenciado por questões midiáticas, elaborou uma norma totalmente desproporcional, pois os prestadores de serviços, os quais muitas vezes exercem suas atividades em pequenos escritórios, terão que seguir os preceitos estabelecidos nos artigos 10 e 11 da norma em debate, sob pena de assim não fazendo estarem sujeitos às sanções administrativas aplicáveis.

Os desafios a serem cumpridos pelos empresários de atletas, bem como os clubes esportivos no combate à lavagem de dinheiro
Primeiramente, cumpre salientar que os clubes esportivos do país, nos termos do artigo 44, inciso, I, do Código Civil, são considerados pessoas jurídicas de direito privado, ou seja, devem seguir os mandamentos prescritos na norma em debate.

Destarte, não é raro verificarmos os clubes brasileiros realizarem diversas transações envolvendo altos valores na compra ou venda de jogadores, sendo certo que em muitos casos esses negócios são efetuados com empresários ou pessoas jurídicas residentes fora do país.

Acerca de tal tema, importante aduzir o estudo realizado pela consultora do Banco Mundial (Bird) Brigitta Maria Jacoba Slot,[9] a qual garante que países emergentes como Brasil, Rússia e China estão na mira de quadrilhas internacionais que precisam embranquecer o dinheiro ilícito.

Segundo a consultora, o estudo dela, concluído em 2009, identificou que os mecanismos de regulação e fiscalização do futebol são frágeis e insuficientes em praticamente todo o mundo. Além disso, falta transparência na condução dos negócios futebolísticos, como contratação de atletas e investimentos feitos por dirigentes de clubes e federações.

Nesse sentido: "Concluímos que o futebol é vulnerável à lavagem de dinheiro e a outros crimes, como tráfico de pessoas e corrupção". Para a consultora, o endividamento e a má governança dos clubes — inclusive os milionários times europeus, que também têm alto grau de endividamento —, a falta de fiscalização adequada por parte dos governos e a paixão que o esporte desperta são alguns dos fatores que contribuem para agravar o problema.

Não nos restam dúvidas que os clubes brasileiros estão totalmente vulneráveis aos pseudo empresários que tenham por objetivo lavar o dinheiro obtido por meios ilícitos, até pelo fato de grande parte deles estarem sempre muito endividados, mas determinados a contratarem jogadores com nome de peso no meio esportivo com o objetivo único de alegrar as suas torcidas.

Por essa razão, o nosso país, acostumado com empresários destinados a realizarem qualquer espécie de negócio para satisfazerem suas paixões, ecos, interesses alheios ao meio esportivo, devem, imediatamente, começar a se organizar para uma nova estrutura no futebol, eis que o caminho da sociedade moderna é pela transparência de todas as movimentações financeiras.

Assim, fica evidente que as alterações exaradas pela Lei 12.693/2012, ainda que algumas sejam desproporcionais, têm por escopo cristalizar toda atividade empresarial que envolva grandes valores econômicos, sendo certo que o mundo dos esportes, em especial o futebol, possibilita que determinados agentes criminosos se utilizem desse meio e da prática esportiva para conquistarem os seus interesses obscuros.

Salienta-se que as pessoas jurídicas e físicas obrigadas ao processo de identificação dos seus clientes e manutenção dos seus registros de todas as suas transações que deixarem de cumprir as obrigações previstas na Lei estarão sujeitas à diversas penalidades, iniciando-se por uma simples advertência, cassação ou suspensão da autorização do exercício da atividade e ou funcionamento, inabilitação temporária das atividades e ou funcionamento, e até mesmos na incidência de multas pecuniárias que podem chegar até R$ 20 milhões.

Portanto, na ótica dos clubes desportivos, e profissionais que trabalham com atletas essa é uma importante medida a ser observada e cumprida, sob pena de se submeterem às sanções severas estabelecidas no artigo 12 da Lei 12.683/2012. 

Diante do exposto, podemos concluir que a lavagem de dinheiro é um crime complexo, pois necessita de diversas fases para a sua concretização e, além disso, envolve grande número de pessoas com o único objetivo de cristalizar o dinheiro ilícito.

Nesse sentido, visando maior amplitude da norma em apreço, o legislador pátrio fez inúmeras inovações com objetivo de prestar maior eficiência no combate ao crime de lavagem de dinheiro, sendo certo que a revogação do rol que previa os crimes antecedentes e a possibilidade de contravenção penal poder configurar antecedente do crime de lavagem, são algumas das alterações com grande repercussão.

Ademais, a Lei 12.683/2012 aumentou o número de pessoas obrigadas a colaborarem ativamente com o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF), tendo em vista a identificação e comunicação obrigatória em casos com suspeitas de lavagem de dinheiro, incluindo-se nesse rol as pessoas físicas e jurídicas (clubes de futebol incluído nesse entendimento) que atuem na promoção, intermediação, comercialização, agenciamento ou negociação de direitos de transferências de atletas desportivos.

Portanto, o artigo 9º, inciso XV, da norma em questão, inovou ao registrar a obrigatoriedade das pessoas físicas e jurídicas envolvidas em transações com atletas de comunicarem as suas operações financeiras.

Assim sendo, torna-se de suma importância o tema em apreço, pois os empresários e os clubes de futebol, acostumados a realizarem diversas transações com elevados valores, terão que se reorganizarem estruturalmente para acompanharem as evoluções almejadas pelo Poder Público, mantendo rígidos controles das suas operações, bem como a identificação dos seus interlocutores.

Além disso, com os eventos esportivos programados para 2014 (Copa do Mundo) e 2016 (Olimpíadas), o Brasil será o centro das atenções no mercado financeiro, sendo desnecessário afirmar que inúmeras quadrilhas — organizações criminosas — estarão prontas para ocultarem ou dissimularem seus capitais ilícitos.

Por isso, forçoso concluirmos que um dos grandes desafios do nosso país no combate ao crime de lavagem de dinheiro, será a educação do povo brasileiro diante nas novas sistemáticas apresentadas pela lei 12.683/2012.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ANDREUCCI, Ricardo Antonio, Manual de direito penal, 7 ed. rev. e atual. – São Paulo: Saraiva, 2011;

ARAS, Vladimir, Lavagem de Dinheiro, Organizações Criminosas e o Conceito da Convenção de Palermo. Disponível em Acesso em 18/06/2012.;

CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal. Parte geral (arts. 1º a 120). 11. Ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, v. 1, 2007;

CASTELLAR, João Carlos. Lavagem de dinheiro: a questão do bem jurídico. Rio de Janeiro, Revan, 2004. Tese de mestrado;

COAF. Conselho de Controle de Atividades Financeiras. Lavagem de dinheiro: um problema mundial. Brasília, COAF, UNDCP, 1999;

LOVATTO, Alécio Adão.Crimes tributários: aspectos criminais e processuais. 3 ed. rev. e ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2008.

MINK, Cardoso Fernandes Gisele, Lavagem de dinheiro, 2005, 22 f. Dissertação (Bacharel em Economia) Faculdade Federal do Rio de Janeiro, RJ, 2005.


[1] CASTELLAR, João Carlos. Lavagem de dinheiro: a questão do bem jurídico. Rio de Janeiro, Revan, 2004. 210p. Tese de mestrado.

[2] MINK, Cardoso Fernandes Gisele, Lavagem de dinheiro, 2005, 22 f. Dissertação (Bacharel em Economia) Faculdade Federal do Rio de Janeiro, RJ, 2005.

[3] COAF. Conselho de Controle de Atividades Financeiras. Lavagem de dinheiro: um problema mundial. Brasília, COAF, UNDCP, 1999.

[4] MINK, Cardoso Fernandes Gisele, Lavagem de dinheiro, 2005, 22 f. Dissertação (Bacharel em Economia) Faculdade Federal do Rio de Janeiro, RJ, 2005.

[5] Ibidem, p. 22

[6] Ibidem, p. 22

[7] Disponível em:<www.conjur.com.br/2012-jun-06/senado-aprova-projeto-penas-duras-lavagem-dinheiro> Acesso em 18/06/2012. (destaques não registrados no original)

[8] “(…)o princípio da proporcionalidade, além de encontrar assento na imperativa exigência de respeito à dignidade da pessoa humana, aparece insculpido em diversas passagens de nosso Texto Constitucional, quando abole certos tipos de sanções (art. 5º, XLVII), exige individualização da pena (art. 5º, XLVI), maior rigor para os casos de maior gravidade (art. 5º, XLII, XLIII e XLIV) e moderação para infrações menos graves (art. 98, I). Baseia-se na relação custo-benefício” (CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal. Parte geral (arts. 1º a 120). 11. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, v. 1, 2007)

[9] Disponível em www.fatf-gafi.org Acesso em 06 de agosto de 2012.

Autores

  • Brave

    é advogado criminalista, formado pela Universidade de São Paulo (USP), pós-graduado pela Universidade Clássica de Lisboa/Portugal, Conselheiro Estadual da OAB-SP, presidente da Comissão de Estudos sobre o Monitoramento Eletrônico de Detentos da OAB-SP, Juiz da 2ª Câmara Recursal da OAB-SP, sócio do escritório, Morais, Donnangelo, Toshiyuki, Gonçalves Advogados Associados.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!