Consultor Jurídico

Inverdades repetidas não alteram local da prestação nas operações de leasing

14 de outubro de 2013, 17h03

Por Adriana Serrano Cavassani, Silvio Osmar Martins Junior

imprimir

Em novembro de 2013 o acórdão proferido pelo Superior Tribunal de Justiça, em sede de recurso repetitivo (REsp 1.060.210-SC), completa seu primeiro ano desde a sua prolação, e merece comemoração ao albergar a justa segurança jurídica às empresas de arrendamento mercantil que haviam mitigado ou até interrompido suas operações na modalidade leasing financeiro ante a inobservância do regramento legal por centenas de municípios insuflados por tese aventureira comercializada por bancas privadas de advogados visando alçar cifras milionárias a título de honorários advocatícios a partir do erário público.

Não subsiste válida qualquer motivação legal, sequer social, para justificar pretensa concessão de efeito infringente ao acórdão publicado em 05 de março de 2013 sob o regime dos recursos repetitivos no STJ, sobretudo pela observância e exaurimento técnico-normativo que o norteou, porém ainda assim germinam inúmeros apelos vestidos de ilações similares àquelas que induziram centenas de municípios a tentarem se amesquinhar do ISSQN sobre operações de leasing financeiro sem observância ao ordenamento legal.

Dentre as inverdades lançadas e repetidas em alguns veículos de comunicação e manifestações, observa-se a utilização do jargão “a corte alterou a jurisprudência sedimentada há décadas alterando o local da prestação dos serviços no leasing”. Ora, como poderia estar sedimentada uma jurisprudência há décadas se a própria incidência (constitucionalidade) do ISSQN foi consagrada pelo Supremo Tribunal Federal há quatro anos mediante o julgamento submetido à repercussão geral (RE 592.905/SC)? Com efeito, se somente em 2009 a incidência do tributo foi sedimentada pela Corte Suprema, embora combatida pela comunidade jurídica com muita propriedade técnica, por óbvio que a sujeição ativa da relação jurídico-tributária (local da prestação do serviço) não tinha sua interpretação do dispositivo infraconstitucional uniformizado pela corte cidadã.

O apego e a recalcitrância em argumentos falaciosos se sustentam exclusivamente no fato de o ministro relator Napoleão Nunes Maia Filho ter atendido, por exclusiva cautela, o pleito do município de Tubarão (SC), aduzido em sede de aclaratórios no REsp 1.060.210-SC, para suspender parcialmente os efeitos do acordão, o qual foi totalmente restabelecido, após melhor análise do ministro relator que revogou a anterior liminar em 17 de junho de 2013, inclusive antecipando seu entendimento, a seguir transcrito:

"Convenci-me de que são extremamente remotas, para dizer o mínimo, as chances de o acórdão vir a ser alterado nos seus fundamentos, uma vez que todos os pontos jurídicos relevantes para o desate da demanda foram, naquela ocasião, devidamente abordados, analisados e decididos”. (destaque no original).

Os efeitos decorrentes da uniformização da controvérsia já estão sendo observados por ambas as Turmas do STJ[1], nos demais casos que estão sendo analisados ao julgamento proferido no REsp nº 1.060.210-SC, a citar um:

“PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. ADEQUAÇÃO AO ENTENDIMENTO DO STJ FIRMADO EM RECURSO REPETITIVO. ISS. ARRENDAMENTO MERCANTIL. ART. 12 DO DECRETO-LEI 406/1968. ART. 4º DA LC 116/2003. MUNICÍPIO EM QUE OCORREU A ALIENAÇÃO DO BEM OU É DOMICILIADO O TOMADOR DO SERVIÇO. INCOMPETÊNCIA PARA SUA COBRANÇA. APLICAÇÃO DE ENTENDIMENTO FIRMADO EM RECURSO REPETITIVO.

[…]

2. Conforme julgamento do STF realizado em Recurso Extraordinário com repercussão geral (RE 592.905/SC), incide ISS sobre operações de arrendamento mercantil.

3. O Município em que foi celebrado o contrato de aquisição de bem mediante leasing ou em que era domiciliado o tomador do serviço não é o sujeito ativo do ISS, mas sim aquele no qual atua estabelecimento com poder decisório quanto ao principal elemento do negócio jurídico, que é a aprovação e a concessão do financiamento.

4. Orientação adotada no julgamento do RESP 1.060.210/SC, julgado no rito do art. 543-C do CPC.

(EDcl nos EDcl no AgRg no Ag 1019143/SC, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 09.5.2013).

E palmilham em sentido idêntico um sem número de precedentes nos Tribunais de Justiça pátrios, especificamente no paranaense (Apelação Cível nº 1.092.985-4, de 08/10/2013; Apelação Cível e Reexame Necessário nº 768.743-4, de 03/10/2013; Apelação Cível e Reexame Necessário nº 627.342-9, de 10/10/2013; entre outros), no catarinense (Apelação Cível n. 2005.035787-0, de 25/06/2013; Apelação Cível n. 2003.022371-1, de 25/06/2013; Apelação Cível n. 2004.035078-7, de 25/06/2013; Apelação Cível n. 2004.024097-0, de 25/06/2013; Apelação Cível n. 2005.014675-8, de 25/06/2013; entre outros), no gaúcho (Agravo de Instrumento nº 70054634548, de 10/07/2013; Apelação Cível nº 70030749246, de 11/09/2013; Apelação Cível nº 70039333190, de 28/08/2013; Apelação e Reexame Necessário nº 70035569086, de 14/08/2013; entre outros), no pernambucano (Agravo de Instrumento nº 0000277-56.2009.8.17.0000, de 29/5/2013; Agravo nº 0001704-45.2008.8.17.0640 (274010-7), de 25/4/2013; Agravo nº 0005616-45.2011.8.17.0640 (275785-3), de 25/4/2013; Agravo nº 0017820-38.2010.8.17.0000 (177218-3/01), de 26/3/2013; Apelação nº 0000016-12.2008.8.17.1040 (221013-1), de 10/1/2013; entre outros), no potiguar (Apelação Cível n° 2012.015833-9, de 30/07/2013; Apelação Cível n° 2011.010151-9, de 11/04/2013; Apelação Cível n° 2011.009973-3, de 17/09/2013; entre outros), no paulista (Apelação nº 0001551-67.2004.8.26.0101, de 01/10/2013; Apelação e Reexame Necessário nº 0005145-56.2007.8.26.0272, de 01/10/2013; Apelação nº 0155351-25.2007.8.26.0000, de 26/09/2013; Apelação nº 0004295-35.2012.8.26.0269, de 26/09/2013; entre outros).

O último aparato das inverdades no qual ainda jazem especulações acerca do fantasioso efeito infringente que seria conferido ao acórdão reside, apenas, na demora pelo julgamento dos embargos de declaração e o atual destaque atribuído pela ministra Eliana Calmon que pretensamente teria o condão de alterar o julgamento unânime da 1ª Turma do STJ, discutido e debatido por meses e inúmeros pedidos de vistas.

Contudo para dirimir eventuais dúvidas e fincar a lápide mortuária acerca do entendimento acerca do local da prestação de serviços de leasing financeiro, e, demonstrar definitivamente a inexistência técnica, legal e fática da possibilidade de serem atribuídos efeitos infringentes aos embargos de declaração, ainda impende salientar algumas considerações.

Por primeiro, o julgador monocrático da Comarca de Tubarão (SC) considerou como local da prestação de serviços o município onde ocorreu a entrega do veículo e o consequente registro do bem, interpretação esta sim que surpreendeu o mundo jurídico tributário pela distorção do arquétipo constitucional tributário, transformando a operação de leasing em simplesmente em uma entrega de veículo.

Por segundo, a decisão proclamada no REsp 1.060.210-SC não inovou o ordenamento ou a jurisprudência, apenas interpretou sistematicamente a lei infraconstitucional, sem se distanciar do vértice constitucional delineado para a tributação do ISSQN e, principalmente, alinhada necessariamente ao decidido sob o manto da repercussão geral pela Suprema Corte de Justiça (RE 592.905/SC).

Por terceiro, ao interpretarem e sedimentarem o entendimento contemplado no disposto no artigo 12, do Decreto-Lei 406/1968 e no artigo 4º, da Lei Complementar 116/2003, o STJ coibiu a ausência de critérios que até então estimulava a multiplicidade de tributação sobre o mesmo fato jurídico-tributário por municípios que não o competente.

Por derradeiro, não se pode atribuir ao Superior Tribunal de Justiça por manifesta impropriedade e incompetência de foro à obrigação de retirar do mundo jurídico a definição do núcleo do serviço no leasing financeiro ditada pelo Supremo Tribunal Federal (RE 592.905/SC).

Assim, espera-se que no próximo dia 23 do corrente mês, nossa respeitável corte cidadã feche as portas para as especulações e timbre o desfecho necessário para que ilações mendazes não se tornem “verdades”.


[1] AgRg no AgRg no REsp 1360014/SC, 2ª Turma, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, DJe 28/06/2013; AgRg no REsp 1341068/RS, 1ª Turma, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, DJe 19/04/2013; EDcl nos EDcl no REsp 1251836/SC, 2ª Turma, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, DJe 17/04/2013; AgRg no Ag 1321606/SC, 2ª Turma, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, DJe 09/05/2013; entre inúmeros outros.