Avanço tecnológico

Processo eletrônico na esfera administrativa ainda gera dúvidas

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12 de outubro de 2013, 8h22

Ocorreu em Brasília, em abril de 2013, o VI Congresso Consad de Gestão Pública, sendo que no Painel 26/098 – Gestão de processos e documentos eletrônicos: políticas e iniciativas em direção ao Estado Virtual, Carlos Eduardo Uchôa e Vinícius Leopoldino do Amaral trataram em artigo sobre o projeto Processo Eletrônico Nacional, que visa a construção de uma solução de processos administrativos eletrônicos.

Referidos autores, após discorrerem sobre (i) o anseio da sociedade por melhores e mais céleres serviços públicos; (ii) os princípios constitucionais da eficiência e publicidade, ambos de necessária observação pela Administração; (iii) a Emenda Constitucional nº 45 e o consequente acréscimo do inciso LXXVII ao artigo 5º da Constituição Federal; e, (iv) a Lei 9.784/99, informaram o seguinte sobre experiências bem-sucedidas de implantação de sistemas de processos eletrônicos:

Uma dessas experiências foi conduzida pela Receita Federal do Brasil. Os resultados apurados pela Receita Federal do Brasil com a implantação do Processo Eletrônico não deixam dúvida quanto ao enorme poder transformador dessa ideia. Entre eles estão: redução do tempo de trâmite do processo em até 40%; aumento de produtividade dos servidores; melhoria no atendimento ao cidadão; melhoria da transparência e da gestão do conhecimento; redução de 2/3 da quantidade de papel impresso e redução de 70% do espaço de armazenagem [4]. Somados, os benefícios equivalem a retornos financeiros de mais de R$ 200 milhões anuais, o que representa dez vezes o valor investido no desenvolvimento da solução, demonstrando assim a excepcional relação custo-benefício da correta aplicação desse conceito.

E como órgão integrante da estrutura do Ministério da Fazenda, o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), órgão colegiado paritário que tem por escopo julgar recursos de decisão de primeira instância administrativa, bem como de natureza especial, referentes a aplicação da legislação de tributos administrados pela Receita Federal do Brasil (RFB), implementou nos idos de 2009 o processo eletrônico (‘e-processo‘) administrativo fiscal.

A propósito, a Portaria MF 527, de 09/11/2010 que dispôs "sobre a prática de atos e termos processuais em forma eletrônica, bem como a digitalização e armazenamento de documentos digitais no âmbito do Ministério da Fazenda", traz regramentos a propósito da (i) elaboração de documento digital no âmbito do Ministério da Fazenda; (ii) digitalização de documentos; (iii) assinatura e certificação eletrônica de processos, inclusive quando se tratar de Procedimento Administrativo Fiscal (PAF – Decreto 70.235/72 – arts. 2º e 9º, § 2º, III, §§ 4º e 5º); (iv) o cadastramento eletrônico de interessados, para fins de intimação e remessa de peças eletrônicas; (v) o marco temporal da contagem de prazos para os contribuintes e para a Procuradoria da Fazenda Nacional (PFN); e, (vi) o arquivamento dos documentos físicos pela administração e momento da devolução dos mesmos.

Por se tratar de procedimento que necessita de intensa e periódica dedicação em sua implementação e manutenção, o ‘e-processo‘ administrativo fiscal está sujeito a ajustes e correções de vícios que possam afrontar o direito dos contribuintes e os princípios elencados na Constituição Federal (art. 37) e na Lei 9.784/99, e eis aí importante papel a ser desempenhado pelo Carf e seus integrantes, sejam servidores, sejam julgadores.

Relevante atuação essa que nos parece vem sendo expressamente exercida pelo Carf, conforme comprova sua jurisprudência, a seguir apresentada e comentada.

A 3ª Turma da Câmara Superior de Recursos Fiscais daquele Carf, debruçando-se sobre autos de infração eletrônicos lavrados sob a motivação "PROC JUD NÃO COMPROV", na hipótese em que "Se a autuação toma como pressuposto de fato a inexistência de processo judicial e o contribuinte demonstra a existência desta ação", concluiu que deve ser declarada a nulidade desses lançamentos, pois que ausentes as formalidades exigidas em lei para tais atos administrativos (Acórdão 9303-01.961).

Já para as hipóteses de pedidos de compensação indeferidos via despachos decisórios eletrônicos, o tribunal administrativo tem adotado duas soluções distintas: a primeira pela declaração de nulidade desses processos de pedidos de compensação a partir daqueles despachos decisórios eletrônicos (Acórdão 3202-000.797); a segunda pela conversão dos julgamentos em resolução para diligência, para que as autoridades preparadoras se manifestem sobre os documentos comprobatórios apresentados pelos contribuintes em fase recursal e após as decisões das delegacias de julgamentos.

Em ambas as situações de decidir são reclamadas a atração para os processos dos princípios do contraditório e ampla defesa, bem como da verdade material, uma vez que em face da ausência de clareza daqueles despachos decisórios eletrônicos, somente após as decisões de primeira instância administrativa foi levado ao conhecimento dos contribuintes os verdadeiros motivos do indeferimento de seus pedidos creditórios, o que então somente é sanado quando da apresentação de apelo voluntário ao Carf e com a devida instrução probatória dos processos.

Apresentamos ainda duas hipóteses ilustrativas de nulidades apontadas em ‘e-processos‘ pelo Carf. Uma quando "a Notificação de Lançamento expedida por meio eletrônico sem a indicação do cargo ou função e do número da respectiva matrícula do chefe do órgão expedidor ou de outro servidor autorizado a expedi-la." (Acórdão 2202-00.804). A outra no cenário em que foi declarada "nula a notificação de lançamento suplementar que não preencha os requisitos formais indispensáveis previstos no Decreto Nº 70.235/72, art. 11, I a IV e § único." (Acórdão 1302-000.466).

Cremos que as inovações tecnológicas e a implementação efetiva do ‘e-processo‘ fazem parte do processo de amadurecimento da relação ‘Estado x contribuintes’; mas, não obstante, firmamos entendimento de que outras situações relacionadas ao tema ainda passarão pela análise, julgamento e crivo de posicionamento pelo tribunal administrativo; como por exemplo a matéria concernente as intimações por meio eletrônico, estas ainda não devidamente regulamentadas e explicitadas pela RFB e que, por essa razão, ainda causam grande dúvida e, mais do que isso, promovem danos aos contribuintes cadastrados junto ao órgão (eletrônico) próprio e competente da instituição[1].

Concluímos citando Becker[2], reclamando por óbvio do leitor que faça aqui de vontade própria as devidas adaptações necessárias ao nosso tempo:

"E advertiu Bergson que os homens mais propensos a confundir o possível com o real são precisamente aqueles que lidam com números, com a matemática, com sistemas lógicos herméticos. Tais homens (habituados a equacionar os problemas no plano abstrato da matemática superior) supõem que a solução abstrata possível seria perfeitamente realizável e que pela simples formulação literal de uma lei (…) tudo já estaria resolvido, porque o procedimento dos contribuintes e o de seus fiscais teriam a concatenação lógica dos algarismos dentro da solução matemática."


[1] O art. 23, § 5º do Decreto nº 70.235/72 (na redação da Lei 11.196/2005) estabelece que o endereço eletrônico somente pode ser utilizado para fins de intimações se o contribuinte for devidamente informado acerca das “normas e condições de sua utilização e manutenção”. Igual providência determina o Decreto nº 7.574/11. De outro lado, o art. 1º, §3º da Portaria RFB 259/06 (alterada pela Portaria RFB 574/09) estabelece que “para efeito do disposto no caput, a RFB informará ao sujeito passivo o processo no qual será permitida a prática de atos de forma eletrônica.”

[2] BECKER, Alfredo Augusto, 1928 – Carnaval tributário – 2 ed. – São Paulo : LEJUS, 1999. p. 16

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