Comédia de erros

Juiz mantém reintegração de posse sem citação de advogado

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9 de outubro de 2013, 18h26

Uma sucessão de erros da Justiça fez com que um casal de idosos fosse despejado na última segunda-feira (7/10). A ordem veio após o julgamento de uma ação de rescisão de promessa de compra e venda de imóvel que determinou, há cinco anos, a reintegração de posse. Nas publicações tanto da sentença quanto da decisão que reconheceu seu trânsito em julgado, não houve a intimação de uma das partes, nem de seu advogado.

Nesta segunda-feira, o juiz Andre Pasquale Rocco Scavone, da 10ª Vara Cível de São Paulo, reconheceu que houve erro, porém descartou anular sua decisão que determinou a reintegração de posse. Ao analisar pedido de nulidade, o juiz admitiu que um equívoco causou a exclusão da parte executada e de seu defensor das publicações, porém, levou em consideração que o advogado da parte prejudicada sabia da decisão, tanto que peticionou nos autos, mas não reclamou que seu nome não constava nas intimações.

“Apenas agora, quando determina o juízo a reintegração de posse com força policial, vem alegar nulidades”, diz o juiz em sua decisão. “Cabe observar que Rosa Maria [uma das despejadas] poderia, há muito, ter alegado matéria atinente à reintegração da posse, mas permaneceu inerte até esta data, em que o defensor vem a juízo alegar as nulidades. Mas é mais conveniente continuar a morar no imóvel sem pagar nada”, concluiu.

O advogado de um dos prejudicados, Sérgio Niemeyer, se mostrou indignado com a argumentação. “O juiz deve conhecer de ofício a nulidade, conforme prevê o Código de Processo Civil. Além disso, a parte pode provocar a nulidade a qualquer momento. Independentemente do mérito da ação, essa ausência constitui evidente violação do artigo 236, parágrafo 1º, do Código de Processo Civil, e produz a nulidade do processo a partir de então." O artigo citado prevê ser indispensável, sob pena de nulidade da decisão, que na sua publicação constem os nomes das partes e de seus advogados, suficientes para sua identificação.

Além do erro do juiz, também houve erro no cumprimento da decisão. O advogado conta que, ao cumprir a ordem de reintegração nesta segunda, o oficial de Justiça impediu que Evaldo Vicentini — outro idoso despejado — tirasse fotos da ação ao penhorar a câmera fotográfica usada por ele, o que não constava na determinação judicial. Segundo Niemeyer, devido ao ocorrido, Vicentini precisou ser levado com urgência ao hospital. No momento da execução, somente o homem estava na residência.

“Com tal mandado, o juiz da 10ª Vara Cível preteriu e violou o Estatuto do Idoso, a Lei Orgânica da Magistratura Nacional e o CPC e, em detrimento do direito de moradia e da função social da propriedade, privilegiou uma empresa. O juiz está tentando, de uma maneira cínica, convalidar seus atos e se negando a reconhecer o erro”, diz Niemyer.

Sucessão de advogados
A ação envolve a empresa Tatlin Administradora de Bens e Representações e o casal de idosos Evaldo Rui Vicentini e Rosa Maria Mendonça Vicente, ambos com mais de 60 anos. Sérgio Niemeyer narra que, no fim de 2003, o casal sofreu uma ação de rescisão de promessa de compra e venda de imóvel, proposta pela empresa.

Para a defesa, o casal optou por advogados diferentes. Inicialmente, Evaldo Vicentini era representado pelos advogados Carlo Frederico Müller e Ilana Müller. Rosa Vicente era patrocinada pela advogada Maria Conceição Perroni Cassiolato. Entretanto, em setembro de 2004, os advogados de Evaldo Vicentini renunciaram.

Em junho de 2005, o idoso nomeou como sua representante a mesma advogada de sua esposa, Maria Cassiolato. Dois anos depois, Cassiolato substabeleceu, sem reservas, o mandato ao advogado Luiz Riccetto Neto, que passou a representar o casal. Em março de 2008, Riccetto Neto renunciou ao mandato de Evaldo, ficando apenas com a representação de Rosa.

Apesar de isso ter sido informado em março à Justiça — clique aqui para ver o termo —, o 10º Ofício Cível, cartório que serve à 10ª Vara Cível, somente juntou a petição da renúncia quase três meses depois que ela foi entregue. Nesse período de quase 90 dias, foi proferida a sentença determinando a reintegração de posse do imóvel à empresa.

Revelia em dez dias
O advogado Sérgio Niemeyer explica que há um entendimento de que a parte que, em razão da renúncia do seu advogado, não nomeia outro em dez dias, sofre automaticamente, no fim desses dez dias, os efeitos da revelia. Foi o que aconteceu no caso de Evaldo Vicentini. “Essa situação implica que toda publicação teria de conter, pelo menos, o nome de Rosa Maria e de seu advogado, sob pena de nulidade, conforme prevê o CPC”, diz.

Entretanto, na publicação da sentença determinando a reintegração de posse no Diário de Justiça de 30 de junho, constava com nome de advogado somente o da empresa Tatlin e o de Evaldo, sem mencionar Rosa Maria e seu advogado. Sérgio Niemeyer conta que, apesar desse erro — e em virtude dele, já que os prejudicados não recorreram —, foi certificado o trânsito em julgado da sentença, o que impediu a defesa.

O erro inicial foi repetido na decisão que reconheceu o trânsito em julgado e determinou a expedição do mandado de reintegração de posse. Conforme o Diário de Justiça de novembro de 2008, somente o nome do advogado da empresa aparece na certificação em decisão publicada no DJe. Novamente o nome de Rosa e de seu advogado não constaram na publicação.

Cadastro errado
Outro erro apontado por Niemeyer foi seu cadastro no processo. O advogado foi constituído por Evaldo Vicentini somente no processo em segundo grau, quando foi apresentado um Agravo. “Minha procuração original contém poderes específicos para a interposição de Agravo de Instrumento, que devo seguir até decisão final. Portanto, formalmente, não represento sequer o Evaldo nos autos do processo primitivo, mas somente nos autos do Agravo”, diz.

Apesar disso, o cartório do 10º Ofício cadastrou Niemeyer como se fosse advogado de ambas as partes. É possível verificar o erro pelo extrato de andamento do processo, conforme imagem do site do TJ-SP feita em setembro. Esse erro já foi parcialmente corrigido. De acordo com acompanhamento processual disponível no site, o nome do defensor de Rosa Maria já está atualizado. Entretanto, mesmo não constituído no processo de primeira instância, o nome de Sérgio Niemeyer continua como o de defensor de Evaldo Vicentini.

“A condução desse caso representa uma sucessão de erros e violações, e como os órgãos jurisdicionais, o juiz da causa e o tribunal fazem tudo para convalidar seus próprios erros e não reconhecer a violação da lei que praticaram, com manifestos prejuízos para as partes rés, que são pessoas idosas”, conclui Niemeyer. 

Clique aqui para ler a publicação no DJe de junho de 2008.
Clique aqui para ler a publicação no DJe de novembro de 2008.
Clique aqui para ler o extrato do andamento da ação de setembro.
Clique aqui para ler o extrato do andamento da ação de outubro.

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