Círculo vicioso

MP 615/2013 pode levar ao aumento da sonegação

Autor

  • Allan Titonelli Nunes

    é procurador da Fazenda Nacional e desembargador Eleitoral Substituto do TRE-RJ mestre em Administração Pública pela FGV especialista em Direito Tributário ex-presidente do Forum Nacional da Advocacia Pública Federal e do Sinprofaz. Membro da Academia Brasileira de Direito Político e Eleitoral (Abradep).

7 de outubro de 2013, 7h00

A Medida Provisória 615/2013 foi encaminhada pela Presidente da República ao Congresso Nacional em 17 de maio de 2013. A proposta original tratava basicamente sobre subvenções aos produtores de cana de açúcar da Região Nordeste, introdução de novas formas de pagamento dentro do Sistema de Pagamentos Brasileiro (SPB) e emissão de títulos da dívida pública mobiliária federal em favor da Conta de Desenvolvimento Energético.

No transcurso do processo legislativo foram apresentadas diversas emendas, que incorporaram outros temas em sua redação originária, entre elas, o parcelamento para bancos e seguradoras de dívidas do Programa de Integração Social (PIS) e à Contribuição para Financiamento da Seguridade Social (Cofins); reabertura do prazo de adesão ao chamado Refis da Crise; direito à exploração do serviço de táxi a ser transferido, por herança, aos familiares do titular, durante o período de validade da concessão e porte de arma para agentes penitenciários fora de serviço.

Muito embora tenha sido comum no trâmite do processo legislativo das medidas provisórias a apresentação de emendas incluindo temas diversos ao objeto da respectiva proposta essa conduta viola a legislação de regência. O artigo 4º, § 4º da Resolução 1/2002 do Congresso Nacional, que regulamenta a apreciação das medidas provisórias, veda taxativamente a apresentação de emendas sobre matérias estranhas às mesmas, determinando o indeferimento liminar pelo Presidente da Comissão Mista que apreciar a proposta.

Essa praxe legislativa de incluir dispositivos alheios às matérias em tramitação tem sido combatida ao longo da história, cujos exemplos mais evidentes eram os orçamentos públicos, com a inclusão das chamadas “caldas” ou “rabilongos” orçamentários, e que a Constituição Federal de 1988 passou a vedar expressamente em seu artigo 165, § 8º, constitucionalizando o princípio da exclusividade orçamentária.

Não obstante essa constatação o presente artigo analisará perfunctoriamente, dada a brevidade da análise, alguns dispositivos do respectivo projeto, precipuamente aqueles que tratam de novos tipos de parcelamentos ou reabertura de outros.

Nesse pormenor, relevante sublinhar que o artigo 17 da Medida Provisória 615/2013 reabriu os prazos descritos no § 12 do artigo 1º e no artigo 7º da Lei 11.941, de 27 de maio de 2009, bem como aquele previsto no § 18 do artigo 65 da Lei 12.249, de 11 de junho de 2010, até 31 de dezembro de 2013. Dessa forma, o prazo para adesão aos parcelamentos excepcionais descritos nas respectivas leis foram reaberto até o final do corrente ano.

Observa-se que a medida provisória traçou novas restrições e condições aos respectivos parcelamentos, entre elas a proibição de que débitos já parcelados nos termos dos artigos 1º a 13 da Lei nº 11.941, de 27 de maio de 2009, e nos termos do artigo 65 da Lei 12.249, de 11 de junho de 2010, possam ser objeto de novo parcelamento.

O § 2º, do artigo 17 da Medida Provisória 615/2013 traçou as regras inerentes aos recolhimentos mensais, cujo valor será o maior entre aqueles apurados de acordo com o disposto no inciso I e II.

Soma-se às condições impostas na presente norma todas aquelas existentes nas leis citadas, entre elas a limitação de inclusão de dívidas tributarias vencidas até 30 de novembro de 2008 e prazo de 180 meses para o parcelamento dos débitos. Enfim, constata-se que a proposta objetiva dar nova oportunidade àqueles que não refinanciaram suas dívidas à época.

De outro giro, os artigos 39 e 40 da Medida Provisória n° 615/2013 criaram novas hipóteses de parcelamento. As duas modalidades de parcelamento contemplam matérias que estão sendo discutidas judicialmente.

O artigo 39 permite o parcelamento ou pagamento com desconto dos débitos relativos à contribuição para o PIS e à Cofins, de que trata o Capítulo I da Lei 9.718, de 27 de novembro de 1998, devidos por instituições financeiras e companhias seguradoras, vencidos até 31 de dezembro de 2012.

Esse parcelamento poderá incluir os débitos relativos às instituições financeiras e às seguradoras que discutem judicialmente o conceito de faturamento e sua incidência, para efeitos de hipótese imponível do PIS/COFINS, cuja matéria foi reconhecida a repercussão geral pelo Supremo Tribunal Federal através do RE 609.096-RG e RE 400.4479-AgR, respectivamente.

Já o artigo 40 possibilita o parcelamento ou pagamento com desconto dos débitos referentes ao Imposto sobre a Renda das Pessoas Jurídicas (IRPJ) e à Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) decorrentes da aplicação do artigo 74 da Medida Provisória nº 2.158-35, de 24 de agosto de 2001, vencidos até 31 de dezembro de 2012.

O dispositivo possibilitará que os débitos oriundos da incidência do Imposto de Renda e da CSLL sobre empresas coligadas e controladas situadas no exterior, que não tenham sido albergadas pelos efeitos do julgamento da ADI 2.588 e dos REs 611.586 e 541.090, sejam parcelados ou pagos com desconto.

A olhos vistos a presente medida provisória sufraga a política fiscal implementada pelo Governo Federal, que nos últimos dez anos tem se utilizado da concessão de benefícios fiscais para intervir na economia, com a finalidade de estimular o crescimento econômico.

Tal prática tem gerado diversas críticas à política econômica e fiscal implementada pelo Brasil. Vide as recentes críticas feitas pela revista britânica The Economist ao Ministro Guido Mantega. Diante da brevidade da análise e do conteúdo final da Medida Provisória 615/2013, aprovado pelo Congresso Nacional em 11 de setembro de 2013 e encaminhado à sanção ou veto à Presidência da República, com diversas matérias referentes à concessão de parcelamentos e subvenções, interessante fazer uma análise do impacto que os parcelamentos cíclicos editados pela União podem causar no mercado.

Nesse aspecto relevante destacar que mesmo tendo sido concedido mais de seis parcelamentos excepcionais nos últimos dez anos muitos contribuintes não conseguiram se organizar para regularizar a situação fiscal perante a União.

Esses parcelamentos cíclicos acabam projetando “planejamentos tributários” em que os devedores podem de tempos em tempos regularizar sua situação fiscal protraindo o pagamento dos débitos no tempo, o que contribui para o aumento da sonegação. Para ilustrar a conclusão basta tomarmos como referência o último parcelamento excepcional editado pelo Governo Federal, o Refis da Crise, onde se um devedor tivesse adotado a prática deliberada de deixar de pagar tributo, aplicando o seu valor em renda fixa ou outro investimento similar, e tivesse optado pelo referido parcelamento adotando o pagamento à vista, com desconto de multa, juros e encargos, teria ainda tido lucro com tal operação[1].

Somado ao exposto, quando há uma carga tributária alta e uma probabilidade baixa de detectar a sonegação, condições hoje existentes no Brasil, é economicamente racional para pessoas físicas e jurídicas sonegar.

Em reforço à crítica destaca-se recente estudo publicado pelo Sindicato Nacional dos Procuradores da Fazenda Nacional (Sinprofaz), nominado como “Sonegação no Brasil – Uma Estimativa do Desvio da Arrecadação”[2], o qual constatou que, levando em conta a média dos indicadores de sonegação dos tributos que têm maior relevância para a arrecadação (ICMS, IR e Contribuições Previdenciárias), poder-se-ia estimar uma sonegação de 28,4% da arrecadação, a qual equivale a 10,0% do PIB, representando o valor de R$ 415,1 bilhões caso levado em conta o PIB do ano de 2011. Demonstrando, assim, que a alta carga tributária e elevada sonegação alimentam um círculo vicioso.

Logo, tais parcelamentos deveriam ser excepcionais, e não reiteradamente utilizados, sob pena de interferirem negativamente na economia nacional, fazendo aumentar a sonegação, o que conduz à concorrência desleal e todos os seus reflexos negativos, entre eles o desemprego.

Considerando as incertezas em relação ao crescimento econômico do país e a necessidade de controle da inflação a Medida Provisória 615/2013 acabou se tornando um grande conjunto de medidas econômicas tendentes a atacar referidos problemas. Ao que se percebe foram incorporadas, no trâmite do processo legislativo, algumas propostas que já se encontravam em debate no Ministério da Fazenda.

Ante ao exposto, parece que a equipe econômica do Governo Federal aposta que tais medidas propiciarão ingresso de receitas que poderão suprir as despesas com as subvenções fiscais implementadas nos últimos anos. Todavia, o que não está sendo objeto de análise, é a repercussão no médio e longo prazo dessa política fiscal de parcelamentos cíclicos, que pode conduzir a um aumento da sonegação.

Não por outra razão que o Brasil tem despencado no nível de competitividade da economia, onde ocupa a 51º entre 60 nações analisadas pela escola de negócios IMD, bem como diminuído drasticamente o nível de investimentos privados no país.


[1] PLUTARCO, Hugo Mendes. Tributação, assimetria de informações e comportamento estratégico do contribuinte: uma abordagem juseconômica. 2012. 125 f. Dissertação (Mestrado em Direito) – Programa de Pós-graduação em Direito, Universidade Católica de Brasília, Brasília, 2012.

[2] Disponível em: <http://www.sonegometro.com/artigos/sonegacao-no-brasil-uma-estimativa-do-desvio-da-arrecadacao> Acesso em: 20 ago. 2013.

 

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