A trajetória de Tenório Cavalcanti, o “homem da capa preta”
6 de outubro de 2013, 8h01
Tenório Cavalcanti foi um político que muito marcou o ideário popular da época em que viveu[2]. Conhecido como o “homem da capa preta”, em referência a capa que usava, e que escondia a metralhadora que usualmente carregava — a Lurdinha[3], Tenório nasceu no Alagoas, em área do município de Palmeira dos Índios, em 27 de setembro de 1906[4]. Perdeu o pai aos 12 anos. Foi para o Rio de Janeiro muito jovem, e lá no início sobreviveu de pequenos empregos. Alguma ligação com os Mangabeira da Bahia[5] o teria ajudado; administrou fazendas na região de Nova Iguaçu, onde foi eleito vereador em 1936, ano que antecede o golpe do Estado Novo de Getúlio Vargas.
Ainda que populista, próximo a grande apoio de grupos mais humildes, Tenório fez oposição a Vargas. Em 1945 filiou-se à União Democrática Nacional-UDN, o que o fez (por bom tempo) aliado de Carlos Lacerda, o maior inimigo de Vargas. Tenório conduziu um jornal, A Luta Democrática[6], também de forte apelo popular. Esforçado, formou-se em direito pela antiga Faculdade Nacional de Direito do Rio de Janeiro. Advogou em alguns casos polêmicos, a exemplo da defesa de Jorge Bandeira, no rumoroso caso da Rua Sacopã. Neste logradouro, no Rio de Janeiro, encontrou-se um corpo dentro de um automóvel, de onde a ligação do crime com a rua. O crime da Rua Sacopã agitou a imprensa e a opinião pública da época.
A presença de Tenório na UDN era de algum modo exótica. Sua performance como deputado mais o identificava com o ideal do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB). Tenório rompeu mais tarde com Lacerda, passando a militar num partido pequeno, o Partido Social Trabalhista (PST). Lacerda se queixava de Tenório, de quem estranhava “seu jornalzinho, a capa e a macumba[7]”. Sabia que o eleitor humilde se empolgava mais com Tenório do que com os outros políticos da UDN, a exemplo de Afonso Arinos ou de Milton Campos[8].
Em 1961 Tenório apoiou a posse de João Goulart, ao longo da encrenca que resultou da renúncia de Jânio Quadros. À época, aproximou-se de Leonel Brizola. Fora Tenório quem avisou que Goulart não deveria ir ao Automóvel Clube, em cerimônia que provocou os oficiais das Forças Armadas[9].
Tenório foi cassado em 1964. Quinze anos depois, em 1979, apoiou o último presidente da era militar, João Baptista de Oliveira Figueiredo. Três anos depois, em 1982, apoiou Moreira Franco — já não tinha mais nenhum vínculo com o brizolismo. Foi justamente após ter seu mandato de deputado federal cassado que Tenório fora denunciado em dois processos na comarca de Duque de Caxias. Da decisão de impronúncia recorrera o Ministério Público, recurso que fora recebido com efeito suspensivo. Alguma penumbra de perseguição política pode ser invocada, com o benefício do retrospecto histórico, dado que os crimes teriam sido cometidos em 1949 e 1952, isto é, uma década e meia antes da ordem de prisão.
O ministro Luiz Gallotti relatou o processo no Supremo Tribunal Federal. Indeferiu o pedido, embora tenha recomendado que o Tribunal de Justiça da Guanabara julgasse o caso, com urgência. Gallotti foi acompanhado por Evandro Lins, Hermes Lima, Victor Nunes, Cândido Motta e Hahnemann Guimarães. Os ministros Gonçalves de Oliveira e Vilas Boas concederam a ordem, forte na compreensão de que a prisão preventiva deveria ser decretada quando indícios houvesse, não vagos, mas certos, de que o crime fora imputado ao acusado.
O célebre “homem da capa preta” posteriormente escapou das condenações. Ainda que desenvolvendo intensa obra de aproximação popular, patrocinando vários programas de caridade e de inserção social, amargou o ocaso político. Já não era mais seu tempo. Faleceu em 5 de maio de 1987. Tenório Cavalcanti é personagem marcante de uma época ingênua, comparada com os dias de hoje.
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