Tese do estruturalismo

Breves considerações sobre a função descritiva da Ciência do Direito Tributário

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1 de outubro de 2013, 7h00

1. Introdução
Foi publicado texto, recentemente, a respeito da função da Ciência do Direito Tributário, em que o autor[1] conclui pela adoção do assim chamado Estruturalismo Argumentativo. Para chegar a esse resultado, firma premissas que envolvem a crítica do caráter descritivo da atividade científica nos domínios do direito, consignando, a meu ver, referências isoladas, apressadas, que distam de corresponder ao pensamento dos autores citados, sobre transmitir visão superficial e incorreta de tema tão relevante para a Epistemologia Jurídica.

Não serão necessárias muitas linhas para demonstrar a improcedência dos fundamentos oferecidos pelo autor, além, é claro, de certos registros que não poderiam passar despercebidos numa leitura mais atenta de trabalho que se pretende colaborar para o aprimoramento da Ciência.

2. O sentido: aquilo que lá está sem nunca ter estado
Iniciemos pelas citações. Depois de referir-se ao “Círculo de Viena” e a Hans Kelsen como aqueles que “forjaram” a concepção segundo a qual o discurso científico há de ser meramente descritivo — o que já começa com uma proposição equivocada, uma vez que a tese é bem mais antiga, passando, com insistência, pelos empiristas ingleses — declara o autor que esse específico paradigma empírico de ciência foi recebido no âmbito da Teoria do Direito no Brasil pela obra de Lourival Vilanova. Tal linha de raciocínio teria “migrado” para a Ciência do Direito Tributário: primeiro, pela obra de Alfredo Augusto Becker, sendo difundida mais tarde por mim mesmo, no Curso de Direito Tributário.[2] Contudo, o pensamento do jusfilósofo citado é bem diferente, para não dizer oposto, àquele que o jovem professor anuncia. Para percebê-lo, bastariam dois dedos de paciência e a atenção que escritos de tal profundidade cobram incessantemente do leitor. No livro mencionado, mesma edição, encontramos:[3]

Se o formal permite a neutralidade do comportamento cognoscitivo do homem, se o homem concreto, em face das formas e de sua articulação em sistema — assim, na Lógica — comporta-se como sujeito puro, quando trava contato com o mundo dos conteúdos sociais e históricos, vem a travar contato consigo mesmo, e, em vez da relação sujeito-objeto, mescla-se essa relação com uma inevitável parcela de atividade prático-valorativa.

A propósito, é conhecidíssimo o ponto de vista de Lourival Vilanova sobre o tema da interpretação do Direito, insistindo na circunstância de que interpretar não é revelar, descobrir, mas, sim, atribuir sentido aos signos do suporte físico, conferindo-lhes significado, concepção totalmente incompatível com o que relata o autor do artigo. Aliás, a trajetória intelectual do professor pernambucano sempre foi marcada, fortemente, pela presença de sólida formação lógica, animada com os influxos do culturalismo da Escola de Baden, o que impediria, desde logo, pensar-se no mero e singelo descritivismo — naquele sentido de mera repetição — da Ciência do Direito que a ele se imputa. Não será exagero afirmar, sobre a obra do Professor Vilanova, que é a proclamação farta e solene, do caráter construtivo das ciências sociais e, dentro dela, a do Direito.

3. Descritividade crítico-explicativa
Acontece, e parece-me ocioso esclarecer, que a descritividade empregada em seus escritos é a crítico-explicativa, vale dizer, ao adjudicar significações à literalidade textual, o cientista descreve seu objeto, no caso, o ordenamento positivo, isso equivale a dizer, por outros torneios, que o termo descritividade assume feições semânticas diversas, consoante a qual dentre as quatro regiões ônticas pertença a matéria de suas preocupações, como já o afirmara Edmund Husserl em sua fenomenologia, pensador que muito influenciou os escritos do Professor Vilanova. Desse modo, tratando-se de (a) objetos físico-naturais, ensejam eles a explicação como ato gnosiológico, operando com o método empírico-indutivo, já que estão na experiência, existindo no tempo e no espaço, conquanto se manifestem neutros de valor, o que também ocorre com os (b) objetos ideais. Esses, porém, são irreais e, portanto, não se subordinam às coordenadas de tempo e espaço. Seu ato gnosiológico é a intelecção e o método próprio é o racional-dedutivo. Agora, os (c) objetos culturais, entre os quais se aloja o direito, são todos aqueles que estão na experiência, tendo existência real, contudo sempre valiosos, positiva ou negativamente. O ato gnosiológico próprio é a compreensão e o método da correspondente ciência é o empírico-dialético. Aqui, a descritividade adquire outra proporção de significado, precisamente porque a experiência é condicionada por múltiplos fatores, entre eles os econômicos, ideológicos, sócio-políticos, históricos, psicológicos etc. O plano empírico é de avaliação instável, variando muito em função da subjetividade de quem observa e analisa o território de seu interesse. Mesmo assim, para a Epistemologia, é uma conotação válida e os cientistas dela (descritividade) se utilizam para expressar os fenômenos da cultura.[4]

Vê-se que tal posição está longe de imaginar um sentido pré-constituído no produto legislado, como supõe o autor servindo-se de citações de Riccardo Guastini. Quem lida com mais intimidade com as categorias da Teoria Geral do Direito, sabe muito bem da crítica acerba de Lourival Vilanova ao surrado conceito da interpretação tradicional como empenho do jurista para fins de extração do sentido, conteúdo e alcance dos textos jurídicos. E, certamente, não haveria de ser uma referência isolada que vai transformar esse quadro de compreensão…

São palavras do mestre de Recife:[5]

O jurista não pretende, mesmo o mais decididamente objetivo e neutro ante o fato do direito, conhecer por conhecer. Mesclam-se no seu ofício o saber teórico e o saber de manipulação. Pode, numa espécie de ascese intelectual, recurvar-se sobre o seu conhecimento puro: essa a sua atitude intencional. Mas, como que se desprendendo dessa linha direcional, lá adiante retoma o processo sua integridade de aspectos: é a direção preterintencional, que vai além da intenção original, e vemos como estas suas teorias inserem-se nos fatos, passando a compô-los.

Quanto a mim, tanto no Curso de Direito Tributário, como nos demais escritos, desde 1997, quando defendi a tese que me garantiu a titularidade na Universidade de São Paulo, venho fazendo questão de deixar consignado que a descritividade, no terreno dos objetos culturais, como o direito, por exemplo, tinha acepção diversa daquela das ciências empírico-naturais. Tomemos as primeiras palavras com que ingresso no tema da interpretação, na disciplina do Código Tributário Nacional:[6]

Colocamo-nos entre aqueles, como Ezio Vanoni, que entendem a integração como pertinente ao processo interpretativo, discordando, todavia, quanto ao feitio desse processo, que se apresenta construtivo e não meramente declaratório” (os grifos são do original).

Nos Fundamentos Jurídicos da Incidência Tributária[7] assinalei:

Não parece excessivo relembrar que a descritividade inerente ao discurso científico adquire uma tonalidade especial sempre que o alvo do conhecimento esteja na região ôntica dos objetos culturais, como é o caso do direito. Posto que tais bens se manifestam sempre carregados de valor, não será suficiente a mera descrição do fenômeno, tornando-se indispensável sua compreensão.

Assim também, no Direito Tributário, Linguagem e Método não deixei de assentar que “A neutralidade axiológica impediria, desde o início, a compreensão das normas, tolhendo a investigação”.[8] E, mais adiante:

Mantenho presente a concepção pela qual interpretar é atribuir valores aos símbolos, isto é, adjudicar-lhes significações e, por meio dessas, referências aos objetos. [9]

Seguindo a marcha do pensamento, insisti:

Vê-se, desde agora, que não é correta a proposição segundo a qual, dos enunciados prescritivos do direito posto, extraímos o conteúdo, sentido e alcance dos comandos jurídicos. Impossível seria retirar conteúdos de significação de entidades meramente físicas. De tais enunciados partimos, isto sim, para a construção das significações, dos sentidos, no processo conhecido como “interpretação”. [10]

A reiteração torna-se necessária:

Segundo os padrões da moderna Ciência da Interpretação, o sujeito do conhecimento não “extrai” ou “descobre” o sentido que se achava oculto no texto. Ele o “constrói” em função de sua ideologia e, principalmente dentro dos limites de seu “mundo”, vale dizer, do seu universo de linguagem.[11]

E, para concluir este tópico, que tal o excerto da página 675, do mesmo Direito Tributário, Linguagem e Método?

Falar em tom descritivo acerca do ordenamento jurídico é o grande tema da Ciência do Direito em sentido estrito, se bem que o trabalho do intérprete para montar o sistema seja tarefa construtiva, estimulada pela sua subjetividade, por suas inclinações ideológicas, por suas vivências psicológicas, por sua vontade, pois o chamado “direito positivo” não aparece como algo já constituído, pronto para ser contado, reportado, descrito. A tessitura em linguagem, todavia, não será ainda o bastante para atribuir-lhe qualificações comunicativas plenas, requerendo que o destinatário o leia e o compreenda. É precisamente nessa função hermenêutica de atribuição de sentido, nesse adjudicar significação, que reside o trabalho do cientista, disfarçado numa descritividade acentuadamente subjetiva, como acontece, de resto, com as ciências sobre objetos da cultura.[12]

É dispensado acrescentar: o autor do artigo que deu ensejo a estas breves considerações leu um diminuto fragmento de texto, entendendo-o suficiente para desdobrar longas e nem sempre bem tecidas notas, não atinando ainda para a circunstância de que o próprio Riccardo Guastini, tantas vezes mencionado, inclina-se nesta mesma linha de pensamento.

4. Imperativo do texto: o cerco inapelável da linguagem
Em sequência, ao desenvolver suas razões expositivas, o professor gaúcho assinala:

Para o propósito deste estudo, importa apenas dizer que a interpretação no Direito demanda, além de textos, o exame de outros elementos, dentre os quais estão fatos, atos, costumes, finalidades e efeitos.

Tudo faz crer que tais elementos sejam extratextuais, mesmo porque o autor o declara peremptoriamente:

a interpretação doutrinária não envolve apenas textos, mas outros elementos pressupostos ou referidos pelos textos e sem cujo exame o sentido do texto sequer pode ser desenvolvido.

Porém, logo acima, já havia dito algo que contradiz essa feição extratextual dos “fatos”, “atos”, “costumes”, “finalidades” e “efeitos”, ao aludir que as mencionadas entidades, “além de deverem ser vertidas em linguagem, somente em concreto podem diretamente ser interpretados”.

Ora, se são atividades extratextuais, como serão vertidas em linguagem? Ou há linguagem sem texto e texto sem linguagem? E, nessa mesma linha, passa a referir o modo como se dá a interpretação desses elementos. Vejamos apenas o primeiro, porquanto os demais seguem a mesma trajetória: “A interpretação de fatos, ao contrário da de textos…”. Mas, os fatos, atos, costumes, finalidades e efeitos não devem “ser vertidos em linguagem”, como acima ficou consignado? Então, é óbvio que estarão consubstanciados em textos, muito embora haja textos sobre o abstrato e textos sobre o concreto. Seria o caso de perguntar se alguém já viu um fato, ato, costume, finalidade ou efeito não expresso em linguagem e, portanto, sem o suporte físico de uma base textual, proposição que vale para toda a realidade, como encarece Tercio Sampaio Ferraz Junior[13], mas ganha evidência cristalina nos domínios do Direito. Há muitos anos, aliás, está de pé um convite para que os interessados, que se dispuserem, apresentem um, e somente um basta, fato jurídico sem linguagem. Até hoje, nada foi proposto, ainda que não tenha havido falta de procura ou curiosidade por parte dos estudiosos.

Não é de hoje que os estudiosos no campo da semiótica vêm tratando a figura do “texto” como conceito de abrangência maior que a formulação escrita d’uma ideia em expressões idiomáticas. Texto, na acepção que venho considerando em meus trabalhos, extrapola tal definição estreita para abranger tudo aquilo que se possa interpretar. Dessa maneira, mesmo os gestos humanos, o vestuário, sinais luminosos, as nuvens no céu, tudo isso é texto, se assim for tomado como mensagem num processo comunicativo. De fato, explica Ugo Volli que é texto:

[…] qualquer fragmento do processo que seja tratado como um texto por alguém. Conforme demonstram em particular os casos de significação que discutimos no parágrafo sobre a recepção, é o destinatário que decide tratar como texto determinado fenômeno, extraindo da complexidade do mundo: certa coloração amarelada na pele de um paciente (“ictérico”) é isolada de seu processo (o resto do corpo) e considerada pelo médico um sintoma de mal de fígado, enquanto todo o resto é ignorado; uma pequena zona na atmosfera mais rica em poeira em relação ao fundo (“fumaça”) é isolada por um bombeiro e considerada um texto cujo conteúdo é a possibilidade de um incêndio. Um transeunte pode preferir tomar a paisagem inteira como um possível objeto de contemplação, logo um texto. Um amigo do doente fica atento ao seu discurso, um amante busca mais ternura no olhar. E assim por diante.[14]

Agora, difícil é compor a rejeição de conteúdos pré-constituídos nos textos do direito positivo com a alternativa da reconstrução de significados, a que menciona o autor. É claro que qualquer reconstrução de significados pressupõe a existência de algo a ser reconstituído, tese energicamente repelida em seu texto, pois resvala no reconhecimento de matérias constituídas. Eis outro ponto que revela vitanda contradição.

Em suma, o “cerco inapelável da linguagem”, reflexão tão cara e decisiva para o chamado “giro linguístico”, dentro do cenário próprio da Filosofia da Linguagem, imprescindível para uma tomada de posição estruturalista, é algo pelo qual o autor passa batido, como se não existisse, rompendo a sequência discursiva com exceções esdrúxulas, que não só comprometem a lisura do raciocínio como abrem exceções absurdas e injustificáveis. Não faria senso admitir a noção de estruturalismo fora do contexto linguístico, ainda que o expositor se dispusesse simplesmente a referir aquele método, sem locomover-se dentro de seus domínios, como acontece no âmbito de sua crítica.

5. Estrutura e argumento
Bem, passemos para a conclusão, onde se demora a proposta do Estruturalismo Argumentativo, assentado em três fundamentos: uma teoria dos sistemas, uma teoria das normas e uma teoria jurídica da argumentação. As perguntas são curtas, mas objetivas: 1) como são várias, qual delas é a referida entre as teorias dos sistemas? 2) igualmente, entre as teorias das normas, será, por exemplo, a de Kelsen, a de Hart ou a de Cossio? 3) e o mesmo se diga das teorias da argumentação, posto que todas elas defendem “uma alteração dos critérios fundamentais de controle argumentativo”? Ora, como todo o discurso é argumentativo, fica o espaço nebuloso da imprecisão, pedindo, implorando mesmo especificações mais sérias e profundas. A proposta fica solta, adejando sobre a cabeça do leitor, que permanecerá indeciso diante da multiplicidade de caminhos e de combinações de caminhos a respeito do itinerário do projeto.

Nota-se que o autor do texto crítico não lida à vontade com categorias desse tope, tendo-se aventurado num campo bem mais difícil do que imaginara. Tanto assim que utiliza a expressão Formalismo Epistemológico para mencionar aquilo que vê como mero e singelo descritivismo do campo objetal. O descompasso é tão grande que não vale a pena ingressar naquele tipo de vertente epistemológica. Ou o autor o desconhece, inteiramente, ou não encontrou os caminhos de sua aplicação. Tratando-se de uma distância abissal, entre o que preconiza e as teses que adoto, pareceu-me bem que contra-argumentar, neste passo, representaria um estipêndio inútil, de tal arte que me dispenso fazê-lo.

6. Síntese conclusiva
Quero encerrar este texto com duas pequenas anotações, à guisa de conclusão:

Primeira: Venho trabalhando, há muitos anos, com a tese do estruturalismo, tanto assim que minha livre-docência, apresentada em 1981, portanto há 32 anos, baseou-se nos princípios desse método. Ao tecer a introdução, esclareci:

Todo o empenho se volta à estrutura fundamental do gravame, concebido enquanto entidade exclusiva do universo jurídico. Discorrer sobre as linhas estruturais do tributo, porém, é aludir ao implexo fenômeno que as prescrições legais compõem, na urdidura do direito posto. É dissertar a respeito de uma série de associações que a letra da lei não menciona, rendendo espaço à investigação do cientista. É organizar as unidades normativas de tal modo que possam substanciar proposições coerentes, plenas de sentido, num todo lógico e harmônico.

Entreluzir as estruturas, de fato, é o grande objetivo do saber atual, em todos os ramos da cultura e não é sem propósito a afirmação de que o progresso das ciências, acentuadamente as humanas, tem como fator determinante o conjunto de especulações que se desenvolveram em torno da linguística.

A essa altura já não são poucas as elaborações jurídico-científicas animadas pela metodologia estruturalista, com tônica no primado da linguagem e na sua preponderante função epistemológica, conforme observa Hernandez Gil.

Como sugere o trecho citado, as inclinações estruturalistas é que me proporcionaram travar contato com as obras de Ferdinand de Saussure, Roman Jakobson e Stephen Ullmann, livros que me foram oferecidos por Alfredo Augusto Becker — um deles, até, na casa do grande jurisconsulto Ruy Cirne Lima —, em visita que fizemos acompanhando Geraldo Ataliba, seu grande admirador, discípulo e amigo. Esse intervalo de tempo, preciso dizer, foi precioso para minha formação, sobretudo porque foi sob as luzes do estruturalismo que comecei a me interessar pelas teorias da linguagem e, logo depois, pela semiótica da comunicação jurídica. Ao estruturalismo, devo a abertura, inspiração e, porque não dizer, o entusiasmo por essa perspectiva de análise do fenômeno jurídico. Entretanto, representou tão só o começo. Proclamar o estruturalismo, pura e simplesmente, não é suficiente. Penso que resida na solidão dessa iniciativa muito do desgaste semântico que a expressão veio sofrendo nos últimos anos. E se permanecer isolada, como mero registro histórico, passa a significar muito pouco de seu potencial semiológico. Greimas e Courtés[15] lembram bem que

por causa de seus êxitos, ele (o movimento) se tornou infelizmente de maneira por demais rápida uma espécie de filosofia da moda: como tal, foi atacado, acusado de totalitarismo, de estatismo de reducionismo, etc.

Não deixa de ser, porém, um começo auspicioso, se bem que, à sua frente venha a entreabrir-se um percurso longo e trabalhoso, que passa, inevitavelmente, pela leitura daqueles três livros que Alfredo Augusto Becker me ofereceu e, mais do que isso, instigou-me a leitura.

Segunda: Pois bem, se tomarmos a expressão apenas como referência e juntarmos a esse conceito reduzido e empobrecido de estruturalismo, o adjetivo argumentativo, pois, como já disse, todo o discurso o é, a expressão fica oca, vazia, pronta para servir a comunicações de má retórica, tal como aquelas utilizadas pelos políticos em horário eleitoral. Daí a expectativa de maiores e melhores esclarecimentos por parte de seus simpatizantes. Quem sabe a locução, submetida ao esmeril de especialistas ilustres, não viesse a adquirir visos de boa procedência! Do modo que o autor anuncia, contudo, não satisfaz ao menos impertinente fiscal da correção semântica dos termos do discurso. Isso porque o adjetivo que o qualifica — argumentativo — ao invés de contribuir, aumenta, substancialmente o teor de imprecisão. O termo argumento, que pode ser visto como a expressão verbal do raciocínio, é utilizado frequentemente como forma de justificar, de legitimar, de fundamentar, para fins de convencimento, determinada entidade proposicional. E esse esforço persuasivo está sempre presente, em todos os momentos de nossas manifestações linguísticas, autorizando a asserção segundo a qual a contrarretórica é também retórica, empregando-se, aqui, “retórica” como desempenho para convencer.

De quanto foi dito, remanesce a importância do assunto, reaberto em boa hora, o que permite trazer à tona ponderações valiosas para a meditação sobre o papel e a missão do cientista do Direito, na sua tarefa descritiva (em sentido crítico explicativo, é bom reiterar) do seu objeto que é a experiência jurídica com o direito posto, colhida em toda a grandeza de sua extensão.

* * *


[1] ÁVILA, Humberto. Função da Ciência do Direito Tributário: do Formalismo Epistemológico ao Estruturalismo Argumentativo. In: Revista Direito Tributário Atual, n. 29. São Paulo: IBDT, 2013.

[2] 22ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 34.

[3] Fundamentos do Estado de Direito. In: Escritos Jurídicos e Filosóficos, vol. I. São Paulo: IBET/Axis-Mundi, 2008, p. 82.

[4] Completando as quatro regiões ônticas estariam os objetos metafísicos, no entanto, sobre tais objetos não pode falar o discurso científico, porque carece de método apto a deles se aproximar. A discussão sobre os objetos metafísicos assume, portanto, outros foros como os da filosofia ou da teologia.

[5] Fundamentos do Estado de Direito. In: Escritos Jurídicos e Filosóficos, vol. I. São Paulo: IBET/Axis-Mundi, 2008, p. 415.

[6] Curso de Direito Tributário. 22ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p.109.

[7] 4ª ed. São Paulo: Saraiva, p.78.

[8] São Paulo: Noeses, 4ª ed., 2012, p. 83.

[9] Op. cit. p.180. O destaque é do original.

[10] Op. cit. p.188. Aqui também a sublinha é do original.

[11] Op. cit. p. 194.

[12] Op. cit. p. 675, acresci as sublinhas.

[13] Introdução ao Estudo do Direito. São Paulo: Atlas, 1991, p.245.

[14] Manual de Semiótica. São Paulo: Loyola, 2007, p.79.

[15] Dicionário de Semiótica. São Paulo: Contexto, 2012, p. 190.

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