Direito a defesa

Fuga de preso não gera regressão automática de regime

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1 de outubro de 2013, 10h41

O detento recapturado após fuga não pode ser penalizado sumariamente com a diminuição ou perda de benefícios previstos na Lei de Execução Penal sem antes responder a um processo administrativo disciplinar. Afinal, a jurisprudência dos tribunais superiores, atendendo ao princípio da ampla defesa e do contraditório, exige o exercício da defesa técnica.

Com esse fundamento, a maioria dos integrantes do 3º Grupo Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul acolheu Embargos Infringentes para declarar extinta a punição imposta a um apenado da comarca de Torres. Como decorrência da fuga, considerada falta grave, a Vara de Execuções Criminais havia regredido o seu regime carcerário para o fechado e tirado outros benefícios previstos na Lei de Execução Penal.

O recurso foi ajuizado pela defesa após derrota em Agravo em Execução, também por maioria, com o objetivo de fazer prevalecer o voto discordante e minoritário do desembargador Francesco Conti.

O relator dos Embargos, desembargador Aymoré Roque Pottes de Mello, disse que a punição decorrente da decisão judicial não deve subsistir por força de ‘‘vício omissivo formal’’, já que violou o devido processo legal, e também em função do artigo 36 do Regulamento Disciplinar Penitenciário do estado. O dispositivo diz que, passados 30 dias a partir do conhecimento da falta e sem a instauração de PAD, a punibilidade será extinta pela prescrição.

‘‘Diante desse sistema legal dualizado, não é difícil antever que, diante de imputação de falta grave a apenado, uma vez admitida a supressão do prévio e obrigatório processo administrativo disciplinar que o administrador penitenciário deve instaurar, o Sistema Disciplinar Penitenciário como um todo passará a ser regido por atos de puro arbítrio dos seus administradores, concentrando poderes que nem o próprio juiz da Execução Criminal titula, pois ele não tem o direito de punir o apenado faltoso sem o due process of executive criminal law sob exame. Simplesmente não pode’’, reforçou o desembargador-relator. O acórdão foi lavrado na sessão do dia 16 de agosto.

O caso
Condenado a quase 18 anos de prisão por diversos delitos de furto e roubo, Jair Rodrigo Jordão dos Santos cumpria pena no presídio da comarca de Torres, no litoral norte gaúcho, quando decidiu fugir em 15 de novembro de 2012. Após ter desaparecido por oito dias, acabou sendo recapturado pela Polícia.

Por ter considerado a fuga como falta grave, a juíza Liniane Maria Mog da Silva, da Vara de Execuções Criminais daquela comarca, puniu o detento. Determinou a regressão do regime carcerário, nova contagem do lapso temporal para cálculo de benefícios e a perda de um terço dos dias remidos. A previsão punitiva está expressa no artigo 50, inciso II, da LEP.

O defensor do paciente ajuizou no TJ-RS Agravo em Execução, a fim de afastar o reconhecimento de falta grave. Nas razões preliminares, suscitou a nulidade da decisão por ausência de instauração de processo administrativo disciplinar. E, no mérito, acenou com a plausabilidade da justificativa apresentada pelo apenado na audiência judicial.

Agravo em Execução
Analisando especificamente a questão da preliminar, o relator do Agravo, desembargador Ivan Leomar Bruxel, da 5ª Câmara Criminal, disse que o caso de fuga dispensa a instauração de PAD.

‘‘Assim, quanto ao reconhecimento da falta grave, não há o que modificar. Afinal, em caso de fuga, basta a realização da audiência de justificação — o que ocorreu — com a presença do defensor (termo de audiência de fl.39). Portanto, preliminar rejeitada’’, fulminou. O entendimento foi acompanhado pela desembargadora Genacéia da Silva Alberton.

Divergência
Terceiro membro do colegiado, o desembargador Francesco Conti acolheu a preliminar para declarar extinta a punibilidade, divergindo do relator. Para tanto, ilustrou o voto com a posição dominante no 3º Grupo Criminal, formado pela 5ª e 6ª Câmaras Criminais.

A jurisprudência, sintetizada num voto do desembargador Aymoré Roque Pottes de Mello, ao julgar Embargos Infringentes na sessão dia 5 de abril de 2013, diz que ‘‘a não instauração do prévio e obrigatório procedimento administrativo disciplinar que assegure a ampla defesa e o contraditório ao apenado, pelo diretor da casa prisional, para averiguar a conduta faltosa a ele imputada, caracteriza vício omissivo insanável, vulnera as regras dos artigos 47 e 59 da LEP (Lei 7.210/1984), cumulada com o artigo 5º, inciso. LV (2ª hip.), da Constituição da República, e invalida, modo absoluto, o subsequente processo judicial sumarizado para apuração de falta grave’’.

Clique aqui para ler o acórdão do Agravo em Execução.
Clique aqui para ler o acórdão dos Embargos Infringentes.
Clique aqui para ler o Regulamento Disciplinar Penitenciário .
 

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