Ambiente precário

Estatal é condenada por não impedir trabalho degradante

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1 de outubro de 2013, 16h44

Permitir que os operários façam as refeições ao relento, muitas vezes sem talheres, e ainda sob a ameaça constante de despejo e de falta de pagamento de salários viola não só dispositivos específicos da Consolidação das Leis do Trabalho como os incisos II e III do artigo 1º da Constituição. É o tipo de precariedade que atinge a personalidade da pessoa, comprometendo sua intimidade, vida privada, honra e imagem.

O entendimento levou a 2ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região a manter sentença que mandou pagar R$ 5 mil a título de dano moral a um operário demitido da obra do gasoduto que está sendo construído em Sapiranga, na região metropolitana de Porto Alegre. O colegiado imputou responsabilidade pelas condições degradantes não só à empresa que o contratou, como, subsidiariamente, à Sulgás — estatal que pertence ao Estado do Rio Grande do Sul e à Petrobras.

Conforme apontou o acórdão, além de submeter os operários a condições precárias de trabalho, a empresa contratada pela Sulgás ainda os abandonou à própria sorte, sem fornecer alimentação, pagar os alugueis dos alojamentos, nem salários. O Termo de Audiência firmado na 1ª Vara do Trabalho de Sapiranga, relatou parte do drama dos operários, muitos vindos do Nordeste.

‘‘Foi comprovada situação grave em que os empregados foram submetidos a situações constrangedoras, em regime muito próximo ao da escravidão, sem um mínimo de estrutura social, emocional ou econômica, o que permite a manutenção da sentença, nos exatos termos em que formulada, inclusive a responsabilização da Sulgás e o valor arbitrado, tendo em vista os diversos desdobramentos das mais de cem ações’’, escreveu o acórdão a desembargadora-relatora Tânia Maciel de Souza. A decisão foi tomada na sessão do dia 29 de agosto.

O caso
O trabalhador ajuizou reclamatória contra o empregador e a Companhia de Gás do estado do Rio Grande do Sul (Sulgás), que contratou a empresa. Além de cobrar solidariamente de ambas as verbas rescisórias, em função de sua dispensa imotivada, ainda requereu indenização por dano moral.

No relato feito à 1ª Vara do Trabalho de Sapiranga, o autor afirmou que foi submetido a precárias condições de trabalho, assim como seus colegas contratados para tocar a obra do gasoduto da Sulgás. Informou que os operários almoçavam no canteiro da obra, sem ter onde sentar nem talheres para comer. Às vezes, faltava comida. Em outras, os alimentos estavam estragados. Alguns empregados esperavam outros concluírem a refeição para utilizar o mesmo garfo.

Os empregados que vinham de fora do Estado, continuou o autor, eram submetidos ao constrangimento da cobrança de aluguéis, compromisso assumido pela empresa que presta serviços à estatal gaúcha. Certa ocasião, em função da retomada do imóvel, o autor e demais empregados que estavam na casa foram transferidos para outra residência.

A sentença
O juiz do trabalho Cleiner Luiz Cardoso Palezi afirmou que os empregados estavam submetidos a condições degradantes, em flagrante violação do inciso III do artigo 1º da Constituição, que toma como fundamento da República a dignidade da pessoa humana.

A situação de precariedade também desrespeitou as disposições dos incisos V (proteção contra intempéries) e VII (higiene e conforto) do artigo 200 da Consolidação das Leis do Trabalho, escreveu na sentença. Afinal, tal situação ‘‘reduz o ser humano à condição de quase escravo, vilipendiando um dos seus bens mais caros, que é a sua dignidade, fazendo com que se sinta um ser inferior’’.

Na percepção do magistrado, a Sulgás foi omissa e conivente com toda a situação, já que, de acordo com o contrato e com a Lei 8.666/93 (Lei das Licitações), tinha o direito de intervir para garantir a integridade física, a higiene e os direitos trabalhistas dos empregados da contratada.

Considerando o curto tempo em que o autor manteve contrato de trabalho (menos de um ano), o juiz arbitrou a indenização por dano moral em R$ 5 mil. O valor será pago solidariamente, junto com outros créditos apurados na ação, pela empresa que o contratou diretamente e pela estatal de gás, como autoriza os artigos 186, 927 e 942 do Código Civil.

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