Exercício de cidadania

Lançamento por homologação é sucesso internacional

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28 de novembro de 2013, 14h36

Artigo produzido no âmbito das pesquisas desenvolvidas no NEF/Direito GV. As opiniões emitidas são de responsabilidade exclusiva de seus autores.

O Direito Tributário brasileiro vigente encontra-se fundamentado em uma legislação espalhada em diversos dispositivos legais e infralegais, de hierarquias variadas, e muitas vezes conflitantes entre si. Não bastasse esse emaranhado legislativo, o contribuinte brasileiro é ainda disputado por três competências fiscais, posto que União, estados e municípios brigam por sua parcela da arrecadação, sendo certo que nem sempre coordenam as respectivas exigências que fazem de seus administrados.

Em um cenário fiscal como este, desponta a problemática do Lançamento por Homologação, técnica de arrecadação na qual o contribuinte possui a obrigação de calcular e recolher antecipadamente o valor do tributo devido, sem prévio exame por parte da administração tributária.

Se já no campo da dogmática jurídica são abundantes os questionamentos que gravitam em torno do Lançamento Tributário, gênero que engloba a espécie “Por Homologação”, a sua operacionalização por parte dos contribuintes brasileiros demanda conhecimentos técnicos da legislação e das obrigações acessórias, despertando no cidadão brasileiro o sentimento de que sujeitar-se a tal técnica de arrecadação representa um fardo muito oneroso. O cidadão brasileiro acredita que, sendo o fisco o detentor da expertise tributária, caberia a ele realizar tal tarefa, e ao contribuinte apenas a obrigação de pagar o seu tributo.

Não bastasse a resistência que o brasileiro já manifesta contra essa técnica de arrecadação, o cenário fiscal nacional também cria uma série de empecilhos à sua boa operacionalização, tais como: (i) excesso de legislação; (ii) excesso de obrigações acessórias com elevadas multas em caso de descumprimento; (iii) insegurança jurídica pela incerteza da homologação do tributo pago e possibilidade de retroação de leis consideradas interpretativas e; (iv) complexidade e falta de transparência na legislação e na regulação desses tributos.

Diante dessas dificuldades, é natural que o brasileiro acredite que essa técnica de arrecadação encontra obstáculos à sua plena eficácia e eficiência, constituindo inegável entrave à conquista de um sistema tributário simples e transparente, preferindo por vezes lançamentos de ofício ou por declaração.

Ocorre que a experiência internacional nos aponta para uma tendência diversa, com exemplos de reformas tributárias bem sucedidas que migraram de técnicas de tributação similares aos nossos Lançamentos de Ofício ou por Declaração, para técnicas “Self-Assessment[1]. Pesquisa realizada pela PricewaterhouseCoopers em parceria com o Banco Mundial[2] aponta que a adoção do “Self-assessment” tem representado uma maneira muito eficiente de se alcançar melhores níveis de arrecadação, com o crescimento do percentual de cumprimento voluntário das obrigações fiscais.[3]

A Austrália desponta como um dos países de sucesso em sua recente reforma fiscal, que migrou de uma técnica de arrecadação “Full Income Tax Assessment[4] para o “Self-assessment”, tendo apresentado significativas melhoras na arrecadação de seu tributo equivalente ao nosso Imposto de Renda.

Neste ponto, cabe nos perguntarmos: O que diferencia a Austrália do Brasil? A resposta para tal questionamento, ao contrário do que poderia sugerir uma análise superficial, não está na modificação puramente legislativa. A reforma fiscal australiana é um exemplo de sucesso pelo fato de ter apostado em mudanças institucionais e não em mudanças meramente legislativas.

O fisco australiano empreendeu uma verdadeira força tarefa para auxiliar o contribuinte na atividade arrecadatória, de tal forma que ocorreu no país uma transição de paradigma de atuação da administração fiscal, que migrou do “Paradigma do Crime”[5] para o “Paradigma dos Serviços”[6].

Significa dizer que houve uma modificação na maneira como o fisco lidava com seus contribuintes, deixando de lado a imagem de agente opressor e assumindo o papel de um parceiro da arrecadação. Buscou-se o estímulo ao cumprimento voluntário das obrigações fiscais por parte dos contribuintes, investindo-se menos em políticas severas de punição e mais no desenvolvimento de uma moral tributária. Nada obstante, o fisco australiano conscientizou os seus contribuintes de que o compartilhamento da responsabilidade pela arrecadação seria uma forma de diminuir a sua discricionariedade, bem como as chances para a corrupção. O contribuinte australiano, além de consciente dos benefícios de tal técnica de arrecadação, encontrou um cenário fiscal que viabilizou a utilização do “Self-assessment”.

As conclusões que podemos retirar do exemplo de sucesso da reforma fiscal australiana são: (i) o problema brasileiro não reside na técnica de tributação. O Lançamento por Homologação, ao contrário do que sugere o sentimento coletivo dos contribuintes brasileiros, não representa uma técnica de arrecadação ultrapassada e fadada ao fracasso. Em realidade, o compartilhamento da responsabilidade na arrecadação dá ao contribuinte maior controle na determinação de suas obrigações, representando verdadeiro exercício de sua cidadania; (ii) o que distancia a Austrália do Brasil é a maneira como as autoridades fiscais lidam com os seus contribuintes e; (iii) tanto o “Self-assessment” australiano quanto o Lançamento por Homologação brasileiro possuem a mesma raiz: a confiança. Sem ela, por mais que um Sistema Tributário realize reformas ou adaptações, ele nunca atingirá a sua plena eficácia.

O diferencial da Austrália foi justamente confiar e cooperar com os seus contribuintes, ao contrário do que continua fazendo o fisco brasileiro.


[1] A técnica de tributação Self-assessment designa, em sentido amplo, que o contribuinte é o responsável pelo cálculo e lançamento de seu tributo, sem prévio exame por parte da Autoridade Fiscal, tal como ocorre com o Lançamento por Homologação brasileiro.

[2] Paying Taxes 2011. Pesquisa realizada pela PricewaterhouseCoopers em parceria com o Banco Mundial. Disponível em http://www.pwc.com/gx/en/paying-taxes/pdf/paying-taxes-2011.pdf, com último acesso em 17/11/2013.

[3] Conforme trecho extraído da Pesquisa: “Voluntary Compliance and self-assessment have become a popular way to efficiently administer a country´s tax system. Taxpayers are expected and trusted to determine their own liability under the law and pay the correct amount. With high rates of voluntary compliance, administrative costs are much lower, and so is the burden of compliance actions.”

[4] Técnica que corresponderia ao nosso Lançamento por Declaração

[5] Paradigma de Atuação no qual o Fisco considera o contribuinte como potencial sonegador, em consonância com o pensamento econômico-utilitarista e investe seus esforços em aumento do rigor da fiscalização.

[6] Paradigma de Atuação no qual o Fisco abandona a imagem de agente opressor e torna-se verdadeiro parceiro do contribuinte auxiliando-o na arrecadação, investindo em formas de aumentar o cumprimento voluntário das obrigações fiscais, tais como relacionar o pagamento dos tributos ao retorno de serviços e desenvolvendo uma verdadeira moral tributária.

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