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Embargos Culturais: A dimensão histórica do Direito no pensamento de Savigny

24 de novembro de 2013, 7h00

Por Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy

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Spacca
Friedrich Carl von Savigny nasceu em Frankfurt, na Alemanha, e tinha dez anos quando os parisienses presenciaram a tomada da Bastilha[1]. Savigny combateu o legado jurídico da Revolução Francesa: não compreendia o conteúdo anacronicamente metafísico das premissas de igualdade, bem como não admitia o construído nada empírico do contrato social. Savigny era um clássico, e não um romântico. Negava Rousseau.

Protestante, apaixonado por arquitetura e pela literatura greco-romana, Savigny estudou Direito, História e Filosofia em Marburgo e em Göttingen. Foi professor catedrático na Universidade de Berlim, da qual também foi reitor, dando continuidade a tradição que remonta a Humboldt, no início do século XIX.

Francisco Sosa Wagner, catedrático na Universidade de León, nos narra que Savigny era extremamente vaidoso; em seu livro sobre a história da germanística jurídica Sosa Wagner lembra-nos uma anedota, na qual se dizia que Savigny não passava perto de um riacho sem olhar para a própria imagem refletida nas águas…

Ainda que tenha iniciado sua carreira de professor lecionando Direito Penal — escrevera uma tese sobre o concurso nos crimes chamados formais — Savigny ensinou Direito Romano, História do Direito e Metodologia Jurídica. Substancialmente, defendia que o Estado não cria o Direito. Este último é experiência espontânea de um povo. Por isso, o Direito é fato histórico, inerente a um grupo humano. Nesse sentido, continua Sosa Wagner, Direito e idiomas são expressões de uma mesma realidade cultural.

E porque o Direito é qualificado pela existência cultural de uma nação, não se poderia falar em um Direito novo. O Direito não nasce, persiste. O Direito é função perene e recorrente que surge e que se esgota em si mesma. Falaciosa, assim, a busca de regras abstratas para fatos concretos; seriam estes últimos que ditam aquelas primeiras.

Savigny era um inimigo da codificação. Repudiou o movimento que visava a sistematização do Direito Civil alemão, polemizando com Anton Thibaut. Para Savigny a codificação do Direito conduziria ao congelamento de uma latente e realizada experiência cultural e normativa.

Identificado como o maior nome da chamada escola histórica do direito, Savigny afirmava que nenhuma etapa histórica vive por si mesma; todo momento histórico é, necessariamente, a continuidade do passado.

Essa premissa orientou estudo de Savigny sobre o Direito romano na Idade Média. As regras de Justiniano foram absorvidas e incorporadas na experiência jurídica ocidental. Por isso, conclui-se com Savigny, o direito romano é um arranjo institucional vivo, ainda que aparentemente alterado. O monumento jurídico romano estaria para o direito contemporâneo como a língua do Lácio estaria para os falares neolatinos, a exemplo do português.

Savigny faleceu em 1861, nove anos antes da unificação da Alemanha, conduzida por Bismarck, para quem a unidade germânica seria construída na base do ferro e do sangue.


[1] Os dados biográficos de Savigny foram colhidos na obra de Francisco Sosa Wagner, “Maestros Alemanes del Derecho Público”, Madrid e Barcelona: Marcial Pons, 2005, pp. 135 e ss. Francisco Sosa Wagner é catedrático de Direito Administrativo da Universidade de León. Esse livro magistral, talvez a mais densa e importante obra de germanística jurídica já escrita, foi me apresentado pelo Professor Doutor João Rezende Almeida Oliveira, doutor em Direito Administrativo pela Universidade Complutense de Madrid, que advoga e leciona em Brasília. O presente texto é um resumo de excerto da obra de Sosa Wagner, ainda não traduzida para o português, e que é levado a público como uma homenagem ao Professor João Rezende.