Nova regulamentação

Ideal da advocacia pro bono enfrenta obstáculos da OAB

Autores

  • Nádia Barros

    é mestranda em Humanidades Direitos e Outras Legitimidades pela Universidade de São Paulo é cientista social formada pela mesma Universidade. Atuou como voluntária em diversas iniciativas da sociedade civil organizada na defesa de direitos.

  • Marcos Fuchs

    é advogado fundador e diretor executivo do Instituto Pro Bono e diretor adjunto da Conectas Direitos Humanos.

20 de novembro de 2013, 7h40

O ideal da advocacia pro bono, institucionalizado no Brasil desde 2001, enfrenta obstáculos impostos pela Ordem dos Advogados do Brasil. A Resolução Pro Bono, editada no ano seguinte, autorizou a assistência jurídica gratuita às entidades do terceiro setor, proibindo, no entanto, a prática direcionada às pessoas físicas.

Em junho desse ano, quando dos protestos que ocuparam as ruas questionando a representatividade de instituições públicas nacionais, a Resolução Pro Bono foi suspensa. Vive-se, assim, a iminência de uma nova regulamentação que poderá tanto fomentar pro bono enquanto uma das inúmeras alternativas para ampliação do acesso à Justiça no país, como restringir ainda mais essa modalidade de advocacia voluntária.

Diante desse cenário, levantam-se questionamentos sobre as potencialidades dessa advocacia enquanto instrumento de democratização do acesso à Justiça e transformação social.

Nos bastidores do movimento pro bono em São Paulo, negociações ocorrem entre escritórios de advocacia e departamentos jurídicos nacionais e estrangeiros em prol de uma proposta de regulamentação em vistas de ser enviada ao Conselho Federal da OAB, o qual terá em pauta a questão em seu próximo encontro, no mês de novembro.

As limitações do termo e do próprio ideal pro bono, historicamente importado dos Estados Unidos, em contraste com outras modalidades de advocacia voluntária vigentes no país e que não se reconhecem dessa forma, não parece surgir como uma preocupação entre as vozes contrárias, restritas à mesma ladainha repetida pela Ordem há 12 longos anos, que sustenta uma suposta controvérsia da prática como captação de clientes. Discurso por trás do qual está o interesse em manter a fidelidade de milhares de advogados dativos que dependem de convênios com a Ordem, e não dos milhões de brasileiros que têm sido mitigados do acesso à Justiça, enquanto outros tantos advogados dispostos foram impedidos de ajudar.

Segundo uma pesquisa feita pelo Instituto Pro Bono no primeiro semestre de 2013, só na cidade de São Paulo há 5.638,4 domicílios para cada Defensor Público. Realidade essa muito distante de uma substancial transformação, uma vez que o pagamento de Defensores Públicos e servidores não tem se elevado, nos últimos anos, para além de metade do montante repassado ao convênio da OAB.

É de conhecimento geral que o Estado não consegue garantir o acesso à justiça para toda a população hipossuficiente de forma eficaz por meio dos serviços de assistência jurídica gratuita. No entanto, poucos são aqueles que sabem que a prática da advocacia voluntária e gratuita (pro bono) era, até meados desse ano, restrita às entidades sem fins lucrativos do terceiro setor desprovidas de recursos financeiros.

Isso posto, e dado que 95% dos entrevistados em todo o território nacional dedicaria parte do seu tempo (eventualmente ou regularmente) ao atendimento jurídico gratuito de pessoas físicas desprovidas de recursos para contratar um advogado, não parece ser a proibição (ou permissão) da advocacia pro bono aquilo que deveria estar na ordem do dia.

É momento, sim, de uma reflexão atenta ao desafio de que assimetrias entre os sujeitos envolvidos não se reproduzam, desperdiçando experiências de comunidades e indivíduos que poderiam se beneficiar do pro bono e, ao mesmo tempo, transformar os pressupostos de atuação da prática jurídica a partir de sua questão social.

Haveria espaço para a aprendizagem recíproca na advocacia pro bono? Podem os escritórios e departamentos jurídicos de empresas dispor de seu conhecimento a partir de um viés colaborativo, em oposição ao assistencialismo comum às suas campanhas de responsabilidade social? Quais as motivações em jogo na atuação desse movimento? Essas, entre outras perguntas, deveriam estar na pauta da Ordem e da classe que, em tese, representa. Um passo além, devem ser criadas condições e incentivos para que pro bono não seja mais um entre tantos instrumentos subutilizados no exercício da função social da advocacia em nosso país.

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    é advogado, fundador e diretor executivo do Instituto Pro Bono e diretor adjunto da Conectas Direitos Humanos.

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